A infeção urinária «é uma situação tão comum que nem há números relativos à taxa de incidência», afirma Nuno Monteiro Pereira, médico urologista. As mulheres são quem mais sofre com o problema, embora os homens tenham os casos mais graves. Muitas vivem anos com infeções recorrentes, com custos altos para a vida pessoal e laboral. Os antibióticos continuam a ser o tratamento de primeira linha e a Organização Mundial da Saúde já alertou para o aparecimento de bactérias resistentes. Enquanto não há notícia de terapias novas, resta atuar
preventivamente e, no caso das infeções recorrentes, não desistir e procurar conhecer melhor as causas da suscetibilidade individual à infeção urinária.
Que tipo de infeção urinária é a sua?
Como nos explicou o médico urologista Nuno Monteiro Pereira, consoante a frequência com que surge, a infeção urinária pode ser:
- Ocasional: A infeção urinária ocorre até três vezes por ano.
- Recorrente: A infeção urinária ocorre mais de três vezes por ano.
«Nas infeções não complicadas, o tempo padrão de tratamento com antibiótico é três dias, refere o especialista.
Por que a infeção urinária afeta mais as mulheres?
«A grande razão é a anatomia. A uretra feminina (o canal que liga a bexiga ao exterior) tem, normalmente, 3 a 3,5 cm, ou seja, é curta, comparativamente à do homem (com cerca de 18 cm), e conta apenas com um mecanismo esfincteriano para conter a ascensão das bactérias», explica Nuno Monteiro Pereira. Por outro lado, a localização não ajuda: está situada perto da vagina — e o meio vaginal está sempre povoado por milhares de microorganismos que constituem a flora vaginal — e muito perto do ânus. Não é por acaso que a bactéria que mais causa infeção urinária é a Echerichia coli, ou colibacilo, uma bactéria que habita o cólon. Outras são o Staphylococcus saprophyticus, o Proteus mirabilis, o Enterococus e a Klebsiella.
As alterações podem ser causadas por fatores diversos como o excesso de lavagem com líquidos de lavagem íntima que alteram o pH da vagina, o uso de roupa interior apertada de fibras sintéticas que aquecem a área, até a menopausa, gravidez, toma de antibióticos e outras situações com reflexo hormonal
Equilíbrio comprometido
Em condições ideais, a urina é estéril, ou seja, não contém microorganismos mas apenas água, ureia, ácido úrico e minerais como sódio, potássio ou magnésio. «Parasitas e fungos sobrevivem com dificuldade na urina, mas as bactérias encontram alimento ótimo para se fixarem», explica o medico urologista. Dependendo do órgão que a urina está a banhar, pode haver infeção da bexiga (cistite), da uretra (uretrite), dos rins (pielonefrite) ou da próstata (prostatite). Ao contrário do que sucede na bexiga, a população que vive na zona da vagina é diversificada. Manter o equilíbrio entre fungos, bactérias e bacilos, visitantes próximos do cólon ou “turistas” ocasionais requer um sistema de defesa apurado. Qualquer alteração pode mudar a proporção de bactérias e comprometer o equilíbrio da flora, facilitando as infeções, nomeadamente urinárias.
«No caso do colibacilo, de 15 em 15 minutos há uma nova geração. Normalmente a mulher deita-se sem sintomas e acorda com sintomas»
As causas da infeção urinária
As alterações podem ser causadas por fatores diversos como «o excesso de lavagem com líquidos de lavagem íntima que alteram o pH da vagina, o uso de roupa interior apertada de fibras sintéticas que aquecem a área, até a menopausa, gravidez, toma de antibióticos e outras situações com reflexo hormonal, capazes de se refletir na flora da vagina», explica o médico. Há ainda causas mecânicas que facilitam a entrada de bactérias na uretra, como a limpeza do ânus de trás para a frente ou as relações sexuais. A chamada “cistite da lua-de-mel”, ocorre porque «os movimentos de fricção do coito facilitam a entrada de microorganismos da vagina na uretra. Se não houver uma boa lubrificação, a área fica ainda mais vulnerável. Muitas mulheres diminuem a frequência das relações sexuais por medo já que sabem que há uma correlação», diz Nuno Monteiro Pereira.
Possíveis causas de infeção urinária recorrente
Se tem infeções urinárias recorrentes, procure o seu médico de modo a investigar os fatores que as originam. Como indica Nuno Monteiro Pereira, as possíveis causas para a infeção urinária de repetição incluem:
- A presença de pedras na bexiga ou nos rins.
- Malformações congénitas no trato urinário como, por exemplo, o refluxo vesicouretral (quando, devido a uma deficiência das válvulas da bexiga, o fluxoda urina sobe em direção aos rins em vez de descer para a uretra).
- Diabetes A presença de glicose na urina pode facilitar o crescimento bacteriano.
Suscetibilidade anatómica
Normalmente, a vagina tem capacidades de defesa e a flora bacteriana tem um efeito benéfico. Mas, por vezes, «o colibacilo, ou outra bactéria, entra pelo orifício vaginal, percorre a curta distância da uretra e encontra na bexiga um meio ótimo para se estabelecer e reproduzir. Em circunstâncias normais, estas bactérias são eliminadas pelo fluxo e propriedades antibacterianas da urina. A uretra tem também pequenas glândulas que produzem líquido antibacteriano como forma de proteção, mas muitas mulheres têm estas capacidades de defesa diminuídas geneticamente. Basta ter uma uretra uns milímetros mais curta ou mais larga que o habitual, para aumentar logo a probabilidade de infeção urinária», explica.
Febre e dor lombar são indicadores de que a infeção pode ter progredido até aos rins ou à próstata no caso dos homens e, nesse caso, deve procurar de imediato o médico
Os sintomas da infeção urinária
O principal sintoma de infeção urinária é a sensação de ardor durante a micção. «Há também a sensação de urgência em urinar com micção em pequena quantidade, assim como desconforto e sensação de peso na região pélvica. A presença de sangue assusta, mas significa apenas que há uma inflamação na zona», esclarece Nuno Monteiro Pereira. A multiplicação das bactérias na bexiga pode ser bastante rápida: «No caso do colibacilo, de 15 em 15 minutos há uma nova geração. Normalmente a mulher deita-se sem sintomas e acorda com sintomas». Febre e dor lombar são indicadores de que a infeção pode ter progredido até aos rins ou à próstata no caso dos homens e, nesse caso, deve procurar de imediato o médico. No extremo oposto estão os casos de infeção sem sintomas, mais comuns na mulher idosa. «Nestes casos, é a alteração do aspeto da urina – turva e com mau cheiro – que deve servir de indicador. Em caso de dúvida, pode urinar para um copo transparente e ver contra a luz. Se a urina estiver turva, provavelmente há infeção», indica o especialista.
Mal surjam os primeiros sintomas beba 2 a 3 litros de água por dia. «O aumento de líquidos diminui a densidade bacteriana, sendo até possível curar uma infeção urinária por colibacilo só com água», afirma Nuno Monteiro Pereira
Vá ao médico se…
Em caso de infeção urinária, o médico urologista Nuno Monteiro Pereira aconselha consulta médica imediata se:
- Tiver febre e dores nas costas
- Estiver grávida
- Tiver diabetes
- Os sintomas persistirem mais de três dias ou forem insuportáveis
Nos casos em que infeção urinária não dá sintomas, é a alteração do aspeto da urina – turva e com mau cheiro – que deve servir de indicador
A ação do antibiótico na infeção urinária
O tratamento de primeira linha da infeção urinária continua a ser o antibiótico. «Os mais indicados são os que são quase totalmente expelidos pela urina, como as quinolonas, por terem ação direta sobre as bactérias. Nem sempre é preciso fazer análise de urina e antibiograma. A história clínica e a descrição das características da urina, como cor e cheiro, já dão indicação do tipo de infeção. E os antibiogramas, que testam a sensibilidade das bactérias a determinados antibióticos, não são muito fiáveis — testam muitos antibióticos sem excreção na urina, que na prática não chegam à bactéria em quantidade suficiente. Na maior parte dos casos, acaba por ser a prática clínica a determinar a escolha. Se não houver resposta, há que investigar e pedir outros exames». Nos casos de associação com a atividade sexual, é comum prescrever baixas doses de antibiótico diárias ou após o coito, a título preventivo», explica Nuno Monteiro Pereira.
Arando vermelho: protetor natural contra a infeção urinária
«Os compostos presentes neste fruto impedem a adesão das bactérias E.coli à mucosa urinária. Não conseguem, porém, ter efeito sobre bactérias que já estejam ligadas à mucosa. Serve, assim, para prevenir as infeções urinárias e não como tratamento», refere a nutricionista Daniela Seabra à Revista Prevenir.
Dose ideal Não é consensual. «Alguns estudos usam entre 300 a 30 ml de sumo por dia em adultos ou 200 mg a 2000 mg no caso de comprimidos. O tratamento deve ser feito durante seis meses, no mínimo».
Cuidados a ter
- Devido ao seu teor de oxalatos, beber mais do que 1L de sumo de arando, durante um longo período de tempo, pode aumentar o risco de pedras nos rins.
- A suplementação ou a toma de grandes quantidades de sumo pode interagir com a toma de anticoagulantes orais.
- O arando tem ácido salicílico tal como a aspirina. Se tem alergia à aspirina não consuma arando vermelho sem consentimento médico.
Como prevenir a infeção urinária
Nuno Monteiro Pereira, medico urologista, indica os hábitos que ajudam a prevenir o aparecimento de infeções urinárias.
- Urine com frequência
«Bexigas grandes perdem elasticidade e capacidade de expulsar a urina com eficácia» - Esvazie totalmente a bexiga na micção
«É o principal mecanismo de defesa da bexiga. Uma bexiga vazia tem menos probabilidade de ficar infetada». - Beba muita água
A ingestão de dois a três litros por dia ajuda a expulsar as bactérias. - Mantenha a urina ácida
«O pH da urina inferior a 7 inibe o crescimento bacteriano. Consuma alimentos ricos em vitamina C (kiwi, brócolos, laranja)». - Tome um suplemento de arando
«A toma continuada deste suplemento (Vaccinium macrocarpon), evita a ação das bactérias E.coli na bexiga». - Urine após as relações sexuais
Para facilitar a expulsão de bactérias e prevenir a infeção urinária. - Regularize o trânsito intestinal
«Desta forma, evita a proliferação de colibacilos». - Lave-se com água morna e sabão azul e branco
É um dos mais neutros - Se tiver a mucosa vaginal seca hidrate-a
«Use cremes básicos sem perfume».
Abordagens complementares à infeção urinária
Além da medicina convencional, existem terapias que propõem outras formas de abordar e tratar a infeção urinária.
Homeopatia: «As bactérias são o resultado e não a causa do problema»
Na perspetiva da homeopatia «a causa de fundo das infeções urinárias não está na bactéria que provoca os sintomas. O equilíbrio delas com o organismo perde-se e isso torna-o susceptível ao desenvolvimento da infeção urinária», considera Gabriel Campuzano, médico de Clínica Geral e homeopata.
- Como atua: «A homeopatia clássica procura descobrir o desequilíbrio padrão que fez o organismo cair nesse défice funcional e atua sobre ele com um medicamento homeopático individual, capaz de restabelecer o equilíbrio global. No caso das mulheres, entre outras coisas, pode ser stresse ligado à forma de se relacionar emocionalmente, um padrão que se repercute no organismo e cria uma susceptibilidade de base. Isto porque nas mulheres há uma relação emocional maior com o sistema ginecológico e urinário. Os níveis bacterianos podem não desaparecer senão muitos meses depois mas, na minha experiência, os sintomas desaparecem muito rapidamente, deixando de criar incómodo», explica Gabriel Campuzano.
Medicina Tradicional Chinesa: «O que comemos pode ser a causa da infeção urinária»
De acordo com a Medicina Tradicional Chinesa, «as infecções urinárias têm como causa principal a alimentação (consumo abusivo de doces, gorduras, picantes, álcool), a atividade sexual (agravada por maus hábitos de higiene), doenças crónicas (destaca-se a debilidade do sistema imunitário), stresse e fatores exógenos (humidade, calor), fatores que causam vulnerabilidade do organismo face às infeções urinárias», diz Filomena Serrano, especialista de Medicina Tradicional Chinesa.
- Como atua: «A terapêutica passa pelo recurso à acupuntura, fitoterapia, dietética e hábitos saudáveis. Na fitoterapia usamos matéria médica oriental e ocidental (sobretudo plantas), sob a forma de comprimidos, cápsulas ou extratos líquidos. As plantas ocidentais mais usadas são uva-ursina, barbas-de-milho, arando, cavalinha ou malva. Restringimos gorduras cozinhadas, picantes quentes, açúcares, laticínios e bebidas alcoólicas. Deve aumentar-se a ingestão de água e evitar o tabaco. Recomendamos ainda a prática moderada de exercício físico e práticas meditativas».
Medicina Funcional Integrativa: «Suplementos e alimentos repõem o equilÍbrio microbiano»
De acordo com a Medicina Funcional Integrativa, «o tratamento das infeções urinárias pode ter outras opções além dos antibióticos. A sua toma repetida pode até estar associada a uma maior frequência de infeções, já que não só eliminam as bactérias agressoras como também parte do nosso microbioma, um ecossistema de bactérias, fungos e leveduras que contribui para a manutenção da saúde», explica Miguel Damas, médico especialista em Medicina Funcional Integrativa.
- Como atua: Envolve a «reposição da flora intestinal e estimulação do sistema imunitário com suplementação imunorreguladora (vitamina D, ómega-3 e magnésio) e, em certos casos, a toma prolongada de extrato de arando». Glúten, produtos lácteos, açúcar e alimentos processados são excluídos da dieta: «A alimentação fornece a matéria-prima a todas as células do organismo, influencia as hormonas, modula a expressão genética e a composição microbiana intestinal que, por sua vez, influencia a composição microbiana vaginal e urinária.»