Dor abdominal, diarreia, fadiga: será doença de Crohn?

doença de crohn: sintomas, tratamentos

Dor abdominal, diarreia, perda de peso e fadiga são os sintomas mais frequentes. Mas a doença de Crohn também pode afetar outras partes do organismo como os olhos, a pele ou as articulações, que, em alguns casos, até podem ser as primeiras a manifestar o problema.

  • PorVanda OliveiraJornalista

  • ColaboraçãoProf. Doutor Jorge CanenaMédico gastrenterologista do Hospital CUF Tejo, professor de Gastrenterologia na Nova Medical School – FCML

A doença de Crohn é, a par da colite ulcerosa, a forma mais comum de doença inflamatória do intestino, um grupo de doenças autoimunes que afetam o trato gastrointestinal. A doença surge quando o sistema imunitário, que normalmente defende o organismo contra infeções, desenvolve uma resposta inflamatória atacando partes do intestino. Esta patologia alterna entre períodos de agudização, quando surgem os sintomas, e períodos de remissão, em que as manifestações da doença não se fazem sentir. A inflamação que leva ao aparecimento dos sintomas tanto pode surgir no mesmo segmento do intestino, ou próxima da zona anteriormente afetada, como noutra zona do intestino ou até noutros órgãos. Embora não exista cura, o tratamento permite reduzir a inflamação intestinal. Desta forma, é possível prolongar a fase de remissão e prevenir a agudização dos sintomas e as complicações da doença. O médico e professor de Gastrenterologia Jorge Canena responde às principais questões.

«O número de casos de doença de Crohn tem vindo a aumentar globalmente, em especial em países com industrialização crescente, poluição e ocidentalização das dietas», afirma Jorge Canena

O que é exatamente a doença de Crohn?

A doença de Crohn é uma doença autoimune que se manifesta como uma doença crónica inflamatória que pode envolver qualquer segmento do tubo digestivo, desde a boca até ao ânus.

Quais as causas da doença?
A causa da doença é multifatorial e resulta de uma interação entre a genética (até ao momento foram identificados mais de 100 marcadores genéticos da doença), a microbiota do hospedeiro e fatores externos como o tabaco, medicações e a dieta ocidental.

Em que idade costuma surgir?
A doença tem um pico de incidência entre os 15 e os 25 anos, embora possa surgir em qualquer idade. O sexo feminino parece ter uma ligeira preponderância na incidência e prevalência. O número de casos tem vindo a aumentar globalmente, em especial em países com industrialização crescente, poluição e ocidentalização das dietas.

Quais são os sintomas típicos da doença?
A forma de apresentação clínica é variada, mas a dor abdominal, diarreia, perda de peso e fadiga são ossintomas mais frequentes. Com a evolução da doença podem surgir obstruções do intestino, por fibrose, abcessos e fistulas. Ocasionalmente, se o cólon estiver bastante afetado, o doente pode perder sangue nas fezes.»

Como é a dor provocada pela doença de Crohn?
A dor abdominal é variável, podendo envolver todo o abdómen, na forma de cólicas, ou ter uma localização seletiva e, quando tal acontece, a zona próxima da virilha e do lado direito do umbigo são as localizações mais frequentes.

Que outros sintomas podem surgir?
Esta patologia pode afetar outros locais do organismo como a pele, os olhos, as articulações, o fígado, a boca. Em alguns casos, a primeira manifestação da doença até pode surgir num destes órgãos.

Qual o impacto no dia a dia?
Nas formas graves a moderadas, a doença está associada a uma diminuição da qualidade de vida, aumento da ansiedade e síndromes depressivas. É importante o reconhecimento e apoio aos doentes, em especial nas formas mais graves.

Quais os cuidados a ter com a alimentação?
Uma vez que o intestino inflamado pode ter dificuldade em absorver algumas vitaminas e minerais, «os doentes devem fazer análises periódicas para detetar eventuais carências nutricionais. As deficiências mais comuns são de ferro, vitamina B12 e vitamina D e são mais frequentes nas formas moderadas a graves da doença. Nestes casos, deve recorrer- -se à suplementação.

É recomendado evitar algum tipo de alimento?
Com a medicação atualmente disponível, a adoção de uma dieta muito restritiva deixou de fazer sentido. Contudo, durante a fase de agudização da doença, a maior parte dos doentes é aconselhada a ter uma alimentação pobre em fibras, lactose e glúten» com vista à minimização de sintomas como a diarreia.

30% dos casos de doença de Crohn envolvem a zona perianal, nomeadamente através de fístulas e abcessos no ânus e reto. Em dez por cento dos casos estas são as manifestações iniciais da doença

Fonte: Grupo de Estudo da Doença Inflamatória Intestinal (gedii.pt)

 

Que tratamentos existem?
O tratamento pode dividir-se em duas fases. A primeira consiste em induzir a remissão, ou seja, um controlo da doença que, na maior parte dos casos, é feito com cortisona (corticoesteroides). A segunda fase é a da manutenção, feita por agentes imunomoduladores ou imunossupressores como a azatioprina, o metotrexato e mais modernamente por agentes biológicos. O tratamento é crónico, ou seja, é para a vida e deixar o tratamento leva ao aparecimento da doença, por vezes, em forma graves.

Em que casos é necessário recorrer a cirurgia?
Muitos dos doentes vão necessitar de uma cirurgia em alguma fase da vida. Muitas vezes, a cirurgia é usada para o tratamento de estenoses (estreitamentos do tubo digestivo que resultaram da inflamação crónica) para drenar abcessos ou resolver fistulas. É particularmente importante que a cirurgia seja feita no tempo adequado e que os doentes sejam submetidos a tratamentos precoces após a cirurgia de forma a evitar novas cirurgias.

70% dos doentes serão submetidos a algum tipo de intervenção cirúrgica e 33 a 75 por cento destes serão submetidos a mais de uma cirurgia ao longo da evolução da sua doença

Fonte: Grupo de Estudo da Doença Inflamatória Intestinal (gedii.pt)

Doença de Crohn: como é feito o diagnóstico?

A maioria dos doentes procura um médico por causa de diarreia contínua, cólicas ou perda de peso inexplicável. Para encontrar a causa destes sintomas, o especialista pode solicitar um ou mais exames.

  • Análise ao sangue: níveis elevados de glóbulos brancos podem indicar inflamação ou infeção. Uma baixa contagem de glóbulos vermelhos pode ser sinal de anemia, a qual atinge cerca de uma em cada três pessoas com doença de Crohn.
  • Análise às fezes: através desta análise é possível descartar infeções que causam diarreia crónica e detetar a presença de sangue no trato intestinal.
  • Colonoscopia: permite examinar o interior do intestino e recolher uma amostra de tecido (biopsia) para identificar sinais de inflamação.
  • Tomografia computadorizada ou ressonância magnética: possibilita avaliar a extensão e gravidade da inflamação intestinal.
  • Endoscopia gastrointestinal superior: permite avaliar a extensão e gravidade da inflamação intestinal e recolher amostras de tecido.
  • Exame gastrointestinal superior: através de imagens de raios-x, o médico observa como o líquido ingerido antes da realização do exame se move pelo trato digestivo.

Fonte: Cleveland Clinic e Grupo de Estudo da Doença Inflamatória Intestinal (GEDII)

Como se manifesta a doença noutros órgãos?

O processo inflamatório da doença de Crohn poderá atingir outros órgãos além do trato intestinal, provocando sintomas como:

  • Dores nas articulações;
  • Úlceras na boca;
  • Nódulos vermelhos na pele (eritema nodoso);
  • Cálculos biliares e renais;
  • Inflamação ocular (uveíte).

Fonte: Grupo de Estudo da Doença Inflamatória Intestinal (GEDII) e Associação Portuguesa da Doença Inflamatória do Intestino (APDI)

Tenho doença de Crohn. E agora?

Saber que sofre de uma patologia crónica pode ser um choque, sobretudo quando ninguém sabe dizer-lhe ao certo qual a causa e como irá evoluir. É importante que…

  1. Tenha um plano para as crises. Ter um papel ativo irá ajudá-lo a sentir que tem mais controlo sobre a gestão da doença, apesar de as crises surgirem de forma imprevisível. Converse com o seu médico para saber o que fazer nesta situação.
  2. Adote uma alimentação saudável. Uma alimentação diversificada ajuda a evitar a desnutrição provocada pela má digestão e a malabsorção de proteínas, gorduras, água, vitaminas e minerais.
  3. Evite o stresse. Embora o stresse não seja uma causa para a manifestação da doença de Crohn, em excesso pode conduzir a uma agudização dos sintomas.
  4. Ajuste o ritmo à fase da doença. Poderá haver momentos, durante uma crise ou agudização dos sintomas, em que terá de descansar mais do que o normal e recuperar. Noutros momentos, sentir-se-á mais capaz de se envolver em novos projetos e desafios.

Fonte: Grupo de Estudo da Doença Inflamatória Intestinal (GEDII) e Associação Portuguesa da Doença Inflamatória do Intestino (APDI)


A importância das análises e dos exames periódicos

Como se trata de uma doença crónica, existe a necessidade de repetir periodicamente as análises e os exames complementares.

  • As análises permitem identificar eventuais carências nutricionais. Caso haja envolvimento do intestino delgado, a capacidade de absorver os nutrientes poderá ficar comprometida e consequentemente poderá surgir síndrome de má absorção com consequente desnutrição e anemia.
  • Os exames fornecem informações acerca do estado e gravidade da doença que, aliados aos sintomas, são a base para a otimização do tratamento da doença.

Fonte: Grupo de Estudo da Doença Inflamatória Intestinal (GEDII) e Associação Portuguesa da Doença Inflamatória do Intestino (APDI)

As complicações da doença de Crohn

Além dos internamentos por agudização da doença, necessidade de cirurgia nos casos em que a doença não responde ao tratamento farmacológico e desnutrição por má absorção dos nutrientes por parte do intestino delgado, as complicações da doença de Crohn incluem:

Uma vez que a doença de Crohn pode afetar todas as camadas da parede do intestino, podem surgir estenoses, abcessos e fístulas.

  • As estenoses são uma obstrução intestinal que ocorre sobretudo no intestino delgado e que provoca dor e distensão abdominal, náuseas, vómitos e paragem de emissão de fezes. O seu tratamento poderá implicar reajuste do tratamento médico para reduzir a inflamação, dilatação endoscópica ou realização de cirurgia.
  • Os abcessos são bolsas cheias de pus que se formam no trato digestivo e que provocam dor. Em alguns casos, o abcesso rompe e drena espontaneamente. Noutros casos é necessária cirurgia.
  • As fístulas são comunicações entre duas estruturas ou órgãos e podem ser perianais ou entre a área do intestino afetado e estruturas adjacentes (como a pele, outro segmento intestinal, vagina ou bexiga). Podem necessitar de tratamento cirúrgico consoante a localização, número e tamanho.
  • Outras complicações incluem:
  1. Internamentos por agudização da doença;
  2. Necessidade de cirurgia nos casos em que a doença não responde ao tratamento farmacológico;
  3. Desnutrição devido à má absorção dos nutrientes no intestino delgado.

Fonte: Grupo de Estudo da Doença Inflamatória Intestinal (GEDII)

Última revisão: Outubro 2022

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