José Alves: «Para prevenir a DPOC basta não fumar»

José Alves médico pneumologista Fundação Portuguesa do Pulmão

Noventa por cento dos casos de doença pulmonar obstrutiva crónica – DPOC – são provocados pelo fumo do tabaco. Se nada for feito, a doença evolui para uma insuficiência respiratória com necessidade permanente de oxigénio.

  • PorVanda OliveiraJornalista

Quando respiramos, os pulmões exercem a sua função: «Limpam o CO2 presente na hemoglobina e adicionam-lhe O2. Ou seja, deitam fora o fumo da fábrica que nós somos, isto é, o dióxido de carbono produzido pelo nosso metabolismo, e entregam oxigénio à hemoglobina, que é fundamental para que se deem as combustões das células», explica o médico pneumologista e presidente da Fundação Portuguesa do Pulmão José Alves. Para inspirar, «temos de fazer força nos músculos e aumentar o volume da caixa torácica de forma a deixar entrar o ar». Já quando expiramos, não é preciso esforço: «Relaxamos os músculos e o ar sai». Os doentes com doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) precisam de fazer força tanto para inspirar como para expirar e isto tem consequências: «Respirar torna-se muito caro em termos energéticos. Por outro lado, demoram mais tempo a expirar. Isto pode acontecer em pessoas saudáveis quando estão a correr. Ficam ofegantes. Nos doentes com DPOC, acontece pelo simples facto de terem de aumentar um bocadinho a frequência respiratória, por exemplo, quando estão a andar. Este é o problema principal das doenças obstrutivas crónicas. Obstrutivas porque obstruem a saída do ar. Crónicas, porque, no caso da DPOC, é para sempre.»

«Sabemos que se fumar um maço por dia, o risco de DPOC é de 20 por cento. Se fumar dois maços, o risco aumenta para 40 por cento»

O que acontece exatamente aos pulmões quando surge esta doença?

Uma das causas que leva a esta obstrução é a inflamação dos brônquios, a outra causa é a rotura das paredes alveolares que faz com que não haja a tal oxigenação, a tal depuração de CO2, e, não havendo, ocorre a insuficiência respiratória. Portanto, a DPOC leva à insuficiência respiratória crónica com necessidade de oxigénio por dois motivos; pela obstrução e pela perda de superfície de troca. No entanto, é uma doença prevenível. Basta não fumar. Isabel Saraiva, presidente da associação Respira e doente com DPOC, interroga-nos: “Por que é que não nos avisaram?”. Essa é de facto a obrigação da classe médica: avisar, prevenir, impedir.

A quantidade de cigarros que se fumam por dia tem impacto no risco de vir a ter esta doença?

A DPOC é muito mais prevalente nas pessoas que fumam mais do que nas que fumam menos. Sabemos que se fumar um maço por dia, o risco de DPOC é de 20 por cento. Se fumar dois maços, o risco aumenta para 40 por cento. Mas fumar também provoca cancro do pulmão e aí não existe uma relação dose-efeito. O melhor é não fumar.

Além do tabaco, existem outros fatores de risco para esta doença?

Noventa por cento dos doentes com DPOC são fumadores. Os outros dez por cento são pessoas com asma que não está convenientemente tratada. Depois há um risco muito pequeno que é o risco ambiental e o risco do fumo a lenha, mas já ninguém cozinha com lenha. Por isso podemos dividir os doentes em 90 por cento de fumadores e 10 por cento de pessoas com asma que não está controlada.

A doença afeta quantas pessoas em Portugal?

Não há um estudo da prevalência da DPOC em Portugal, mas calculamos que haja por volta de 600 mil a 800 mil doentes. Porém, a Fundação Portuguesa do Pulmão pediu um estudo à ANF e concluiu-se que apenas 150 mil a 200 mil pessoas estão em tratamento.

Por que motivo há tantos doentes sem tratamento?

A maior parte dos doentes não fazem tratamento porque a doença ainda não é suficientemente grave para os levar a procurar o médico. Atribuem as queixas ao facto de fumarem: “Eu fumo e por isso tenho falta de ar”. Acham normal. Muitas vezes só chegam aos hospitais com agudizações e necessidade de cuidados intensivos e ventilação. Repare: a DPOC divide-se em quatro graus. Se dividirmos os 600 mil casos por quatro dá 150 mil por cada um. São os doentes de grau 4 que vão fazer tratamento.

A doença só se manifesta quando já se perdeu 40 por cento da função respiratória e é irreversível, daí a importância do diagnóstico precoce

O que podem os fumadores fazer para evitar chegar a esse ponto?

Devem fazer uma espirometria preventivamente por volta dos 20, 25 anos. Quanto mais cedo melhor porque as alterações que eu estava a descrever têm um valor que é apurado na espirometria e é possível ver que apesar de ter apenas 25 anos tem uma alta probabilidade de vir a desenvolver uma doença pulmonar obstrutiva crónica. Se os valores estiverem dentro dos parâmetros normais e a pessoa continuar a fumar deve repetir a espirometria de 2 em 2 anos.

Em que idade a doença tende a ser diagnosticada?

A doença só se manifesta quando já se perdeu 40 por cento da função respiratória e é nessa altura que é diagnosticada, por volta dos 55, 60 anos. Ora, a perda de função respiratória não é reversível. Quando se perde 30 por cento já não se recupera. Se a pessoa em vez de perder 30 perder 40 por cento da função respiratória já começa a ter falta de ar. E o problema é que os pulmões também sofrem de perda de função respiratória com a idade. E quando as coisas já estão mal pioram mais rapidamente. Quando se perde 60 por cento fica-se com insuficiência respiratória e a precisar de oxigénio. Daí a importância do diagnóstico precoce e do rastreio.

«Está mais do que provado que quem faz atividade física tem mais qualidade de vida do que quem não faz e a doença agrava menos»

Este ano, o mote do Dia Mundial da Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica é “Viver bem com a DPOC”. É possível garantir a qualidade de vida dos doentes?

Aqui há uma certa vontade de ser terapêutico. Não se vive bem com DPOC. Mas pode-se tentar viver melhor, treinando os músculos respiratórios e exercitando os restantes músculos, saindo e tentando ter uma vida normal.

Está a decorrer uma campanha promovida por várias entidades, nomeadamente, pela Fundação Portuguesa do Pulmão, que visa precisamente sensibilizar os doentes para a prática de atividade física. Qual a importância desta mensagem?

Decidimos fazer esta campanha porque o que acontece com muitos doentes é que como ficam com falta de ar quando se mexem, optam por ficar quietos. Quanto menos se mexem menos estimulam os músculos e pior é a qualidade de vida. Portanto o que se pretende com esta campanha é estimular os doentes com DPOC a sair de casa e a mexer-se. É aborrecido subir as escadas ou descer as escadas, mas é preciso forçar. Está mais do que provado que quem faz atividade física tem mais qualidade de vida do que quem não faz e a doença agrava menos.


Esta doença é especialmente conhecida pela necessidade permanente de oxigénio. Em que casos isto acontece?

Essa é a evolução que tem sido natural na doença sem parar de fumar e sem iniciar o tratamento precocemente. Calculo que dos 150 mil doentes que fazem terapêutica, dez por cento, ou seja, 15 mil tenham necessidade de oxigénio permanente. Se a doença for diagnosticada numa fase muito precoce e a pessoa deixar de fumar pode até não precisar de tratamento e ter um prognóstico semelhante a quem não tem a doença.

As pessoas com DPOC estão mais propensas à COVID-19 ou às complicações desta doença?

Essa é uma daquelas perguntas que nem indo ao livro lhe consigo responder. Nem eu nem ninguém. No entanto, havendo uma insuficiência respiratória de base e sabendo que a pneumonia por COVID-19 também provoca uma dificuldade de oxigenação parece evidente que as duas coisas somadas tornam a situação mais grave.

Última revisão: Novembro 2020

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