As dores de cabeça comuns, as chamadas cefaleias de tensão, apenas são batidas pela cárie dentária no que toca à sua prevalência nos adultos. E são a terceira principal causa de incapacidade antes dos 50 anos. Já a enxaqueca, uma dor de cabeça violenta que leva mais frequentemente a quem dela sofre à cama, é menos comum, ocupando, ainda assim, o sétimo lugar no ranking da incapacidade. Os dados são do Global Burden of Disease, uma das referências mundiais em termos de estudos epidemiológicos. «A forma como as pessoas vivem a dor pode ser subjetiva, mas é critério para determinar a sua potencial gravidade», contou em entrevista à Revista Prevenir, Isabel Pavão Martins, médica neurologista no Hospital de Santa Maria, professora associada na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e coordenadora e coautora do livro Cefaleias (Lidel).
Por que surgem as dores de cabeça?
As dores de cabeça podem surgir devido a fatores genéticos, ambientais, sociais ou emocionais. A mais frequente, a cefaleia de tensão, é uma resposta do organismo ao stresse psicológico ou muscular, como conduzir durante várias horas. Já a enxaqueca, é multifatorial. A hereditariedade é um fator de risco elevado, sobretudo se se tiver enxaqueca com aura, uma variante que afeta 15 a 20 por cento de quem sofre desta doença, em que a pessoa tem uns fenómenos visuais, alterações da sensibilidade, dormência ou perturbações da linguagem, geralmente antes da crise.
«[A dor de cabeça] é sempre mais habitual na mulher (63%) do que nos homens (36,2%), devido às oscilações hormonais»
Deteta diferenças entre os casos que acompanha hoje e os de há duas décadas?
Notamos que o atual estilo de vida pode propiciar o aparecimento de dores de cabeça e que o recurso ao diagnóstico e o absentismo por elas provocado aumentou. Hoje, existem mais pessoas com enxaqueca crónica, isto é, com muitas crises, em que em alguns casos são afetados mais de 15 dias por mês, quando os episódios “mergulham” uns nos outros, sem desaparecer, com grande impacto pessoal e laboral. São situações que geralmente estão relacionadas com depressões, alterações do sono e obesidade, e as mulheres entre os 40 e 50 anos são as mais afetadas. Também nos chegam aos consultórios pessoas que se queixam de enxaquecas episódicas, onde as dores surgem por períodos de quatro a 72 horas, e que podem evoluir para casos crónicos.
O uso de tecnologia está a ter impacto no número ou na gravidade dos casos?
Existe um estudo relativamente recente que mostra que os adolescentes sentem mais dores de cabeça por estarem muito tempo ao computador, mas não devemos generalizar.
Cinco crises de enxaquecas espaçadas ou próximas confirmam o diagnóstico de enxaqueca, de acordo com os critérios internacionais de avaliação, indica Isabel Pavão Martins
Em que idades são mais frequentes as dores de cabeça?
A enxaqueca pode manifestar-se na infância, não sendo muito frequente. A partir da adolescência, torna-se mais habitual, atingindo o pico máximo entre os 30 e os 40 anos. Depois a incidência baixa, tornando-se mais efetiva a partir dos 60, 65 anos. E é sempre mais habitual na mulher (63%) do que nos homens (36,2%), devido às oscilações hormonais. Na infância ou na idade mais avançada, em que já não existe tanta diferença da implicação dos fatores hormonais, a prevalência é parecida. No caso das cefaleias de tensão, a sua prevalência não está tão relacionada com a idade. O pico acontece na vida adulta e surgem por norma aos 20 anos. Na terceira idade, voltam a ser mais presentes.
A toma da pílula aumenta o risco de se ter dores de cabeça?
Depende do tipo da pílula. Sabe-se que aquelas que têm um maior nível de estrogénios estão mais associadas às enxaquecas, pois um dos fatores que parece desencadear as crises é a quebra brusca dessas hormonas. Perante isso, algumas mulheres são obrigadas a mudar de contracetivo. Por outro lado, a pílula pode tornar a crise mais previsível, pois acontecerá durante a menstruação. Isso implica um maior controlo e até existe medicação para evitar a crise. No caso de mulheres com menos de 35 anos que tenham enxaquecas com aura, a pílula é desaconselhada, pois eleva o risco de AVC, e ainda mais, em mulheres fumadoras, hipertensas, diabéticas ou com excesso de peso.
A dor de cabeça pode ser sinal de doença?
Sim. As hemorragias intracranianas, a chamada rutura de aneurisma ou de malformação vascular e a trombose venosa cerebral são doenças que mais frequentemente se manifestam com dores de cabeça, no caso, mais violentas e de instalação súbita. Em doentes oncológicos, a dor de cabeça pode significar uma complicação da patologia.
Perante uma dor de cabeça esporádica, é aconselhável tomar medicação ou esperar que a dor passe?
Se a dor de cabeça é conhecida e diagnosticada, é importante tomar a medicação para acelerar o tratamento. Caso os episódios sejam frequentes mas sem diagnóstico, recomenda-se tratar a mesma com analgésicos e depois procurar saber a sua origem junto de um especialista, evitando assim a sobredosagem.
«Existem pessoas que se medicam todos os dias, o que conduz a um ciclo vicioso que levanta dúvidas sobre a origem da dor»
Que erros se cometem na tentativa de aliviar a dor?
Um dos mais frequentes é o abuso medicamentoso, que pode mesmo originar dores de cabeça por excesso da toma. Isto ocorre com a generalidade dos fármacos que aliviam a dor de cabeça: analgésicos (paracetamol), anti-inflamatórios (ibuprofeno) e triptanos (específicos para as enxaquecas). Existem pessoas que se medicam todos os dias, o que conduz a um ciclo vicioso que levanta dúvidas sobre a origem da dor. São situações complicadas de inverter e que provocam um agravamento, pois, organicamente, a sobredosagem desregula os mecanismos endógenos de controlo da dor, mas, quando as pessoas se libertam da toma exagerada, as dores aliviam.
É possível superar a dor sem fármacos?
No caso da cefaleia de tensão, quando está associada a tensão muscular, muitas vezes melhora com técnicas cognitivo-comportamentais, relaxamento, fisioterapia, exercício físico ou uma mudança de estilo de vida. A enxaqueca já não cede tão facilmente.
Como é que podemos saber se é caso para ir ao médico?
Se tiver uma dor de cabeça que se dissipa com a toma de um analgésico, não implica grande preocupação. Agora, se esta dor surgir todos os meses, já deve ser vista pelo médico. Assim como, se tem duas enxaquecas por ano, mas fica de cama três dias, a vomitar, sem poder enfrentar a luz, também deve ir ao médico.
Quais são os avanços da Medicina mais aguardados para o tratamento das cefaleias?
A toxina botulínica (botox), é usada para tratamento das crises frequentes de enxaqueca crónica. Os estudos mostram que uma injeção desta substância, que pode ser aplicada em vários pontos do couro cabeludo e pescoço, é bastante útil em doentes crónicos.
A culpa pode ser da meteorologia
As enxaquecas podem derivar das variações da pressão atmosférica. Existem sites que colocam a probabilidade de a meteorologia influenciar o aparecimento dessas dores. Para saber mais clique aqui.
E se o seu filho tiver dores de cabeça
«Os estudos revelam que cerca de nove por cento das crianças sofre de dores de cabeça ainda que sem a mesma frequência com que ocorre nos adultos e não de forma crónica. Na adolescência, as cefaleias de tensão são mais frequentes. Quando a dor é pontual e surge na sequência de uma gripe ou febre, pode dar-se um analgésico ou anti-inflamatório, no caso de crianças até aos 12, 13 anos. A partir dessa idade, pode dar-se uma aspirina» aconselha a neurologista. «Caso a incidência das crises aumente, recomenda-se a procura de um diagnóstico, evitando assim medicar sem critério», recomenda Isabel Pavão Martins, médica neurologista.
Quando deve ir ao médico
Existem dores de cabeça que devem ser valorizadas e implicam a consulta a um especialista em Neurologia, indica Isabel Pavão Martins:
- Uma dor que surja de novo, se torne frequente e não ceda à terapêutica;
- Um episódio de instalação súbita, muito violento;
- Uma dor associada a sinais como vertigem, visão dupla, perda de força num membro;
- Uma dor desencadeada pelo esforço, tosse ou atividade sexual;
- Uma crise que surja pela primeira vez depois dos 60 anos.
Isto provoca dores de cabeça
Além da predisposição genética «os hábitos e estilo de vida são outros fatores que originam o aparecimento de cefaleias», explica Isabel Pavão Martins. Percorra a galeria de imagens e descubra o que provoca dores de cabeça.