Para percebermos o mecanismo da endometriose, temos de conhecer o tecido que está na sua origem: o endométrio. O útero é um órgão «sobretudo muscular, em forma de pera, forrado pelo endométrio, um tecido glandular que sofre variações ao longo do ciclo mensal da mulher e, na menstruação, descama e é expulso do organismo», descreve Manuela Forjaz, médica ginecologista, à Revista Prevenir. A menstruação é, portanto, «a mistura do tecido endometrial com sangue, proveniente da camada interna do útero (que fica a sangrar quando o endométrio se solta)», acrescenta a especialista. Assim ocorre o normal funcionamento do ciclo menstrual. O problema surge quando essa camada glandular que reveste o interior do útero surge em outras áreas do organismo. A endometriose caracteriza-se, assim, pelo aparecimento de tecido endometrial fora do seu local normal, ou seja, fora do interior do útero. Geralmente, o tecido endometrial implanta-se «na cavidade pélvica, na vizinhança do útero, atingindo ovários, trompas, os ligamentos que circundam o útero, causando aderências entre estas estruturas, obstruções, retrações com deformações da anatomia e, dependendo da localização, sangramentos», descreve Marcela Forjaz.
O risco de uma mulher desenvolver endometriose se tiver uma familiar em primeiro grau com essa patologia é sete vezes superior ao da população em geral
O sangue poderá surgir, na altura em que a mulher está menstruada, «nas fezes ou na urina e também na expetoração (se, por exemplo, envolver o pulmão)», explica Marcela Forjaz. A presença de tecido endometrial já tem sido «documentada em praticamente todos os órgãos e sistemas: intestino, pulmão, rins, pele, cicatrizes, mucosa nasal…». Mas pode ainda, segundo a ginecologista, surgir na espessura do útero, «entre as fibras musculares», um fenómeno designado adenomiose».
Quem corre mais riscos
O número de casos de endometriose tem vindo a aumentar nos últimos 25 anos, «julgando-se que o facto se relacione sobretudo com a melhoria dos meios de diagnóstico», refere a especialista. Não é possível definir o retrato-tipo da mulher que desenvolve endometriose, nomeadamente porque se calcula que «um terço das mulheres afetadas não tenha sintomas». Classicamente, verificava-se que a doença «atingia mais as mulheres na década dos 30 anos, sem filhos» e era diagnosticada, «muitas vezes, no contexto de um estudo de infertilidade, em que os sinais suspeitos eram a própria infertilidade e queixas de dor menstrual intensa e frequentemente dores nas relações sexuais», mas hoje a endometriose é diagnosticada «quer em mulheres bem mais jovens quer nas com mais idade que até já tiveram filhos», refere Marcela Forjaz. O risco de uma mulher desenvolver endometriose se tiver uma familiar em primeiro grau com essa patologia é «sete vezes superior ao da população em geral e com frequência manifesta-se em idade mais jovem», acrescenta a especialista.
1 em cada 10 mulheres será afetada pela endometriose durante o seu período reprodutivo (entre os 15 e os 49 anos), indica a World Endometriosis Society
O que pode estar na sua origem
Apesar de não se saber ao certo o que está na origem da endometriose (o que impossibilita que possa ser prevenida de forma efetiva), a tese mais aceite entre a comunidade médica é que a doença possa estar relacionada com alterações no normal processo da menstruação: «Uma grande parte das mulheres, quando menstrua, não expulsa apenas pela vagina o material de descamação. Este segue também por sentido retrógrado através das trompas para a cavidade abdominal», descreve Marcela Forjaz. Pondera-se também a hipótese de poder «ocorrer disseminação linfática ou sanguínea do endométrio, o que explicaria o surgimento de implantes em outros locais do corpo», acrescenta a médica ginecologista. Outra teoria, avançada pela especialista, pondera a possibilidade de, «perante um determinado estímulo, um tecido que pela sua localização estava destinado a ser, por exemplo, pulmão, se diferenciará em endométrio». Esse estímulo poderá ocorrer «por determinação genética ou imunológica, no sentido de a imunidade se “distrair” e não combater o endométrio que se está a formar no local errado», explica.
Endometriose: sinais de alarme
Vá ao médico caso detete estes sinais de alarme, para que o diagnóstico e tratamento sejam iniciados o mais cedo possível.
- Dores menstruais fortes;
- Ovulações dolorosas;
- Dores durante ou após as relações sexuais;
- Dor pélvica crónica, sobretudo durante o período;
- Fadiga;
- Perdas de sangue irregulares, entre menstruações ou menstruações abundantes;
- Diarreia ou obstipação relacionadas com o período menstrual;
- Infertilidade.
Adaptado de dados do Fórum Global Endometriosis
Chegar ao diagnóstico
Como efeito da endometriose, surgem lesões que podem ser «pequenos implantes espalhados no peritoneu (membrana que forra o interior do abdómen) ou tomar a forma de quistos de maiores ou menores dimensões, geralmente no ovário, os endometriomas», descreve Marcela Forjaz. O grau de gravidade da doença não está relacionado com o tamanho das lesões, nem a sintomatologia. «Lesões muito pequenas, implantadas no peritoneu, podem ser causadoras de dor acentuada e infertilidade e grandes endometriomas podem ser diagnosticados por acaso numa ecografia sem que estejam associados a sintomas ou a infertilidade», esclarece a especialista. O diagnóstico baseia-se, indica a médica, «nas queixas e nos sinais físicos detetados na observação (pode sentir-se a fixidez do útero e dos seus ligamentos ou palpar-se um quisto de endometriose)», mas também pode ser necessária a realização de exames complementares de diagnóstico como a ecografia, ressonância magnética, laparoscopia (técnica cirúrgica minimamente invasiva, feita através de uma ou mais incisões, que permite a realização de procedimentos na cavidade abdominal e pélvica) e biopsia – os dois últimos são considerados os principais métodos.
A dor é a principal manifestação da endometriose. Na zona abdominal, pode começar antes da menstruação e durar vários dias
O impacto na vida da mulher
A dor é a principal manifestação da endometriose. Na zona abdominal, pode começar antes da menstruação e durar vários dias, podendo, numa fase inicial, responder a medicamentos anti-inflamatórios. Uma vez que o útero e os ovários estão perto das costas, há quem experiencie dor nesta zona. Devido à ligação entre os nervos da virilha, anca e perna, quando a endometriose afeta esta área, a dor dificulta o andar, o que obriga a descansos frequentes. Se a bexiga estiver afetada pela patologia, a dor surge quando está cheia, durante a micção, além de poder haver perda de sangue na urina. A endometriose pode também dar origem a dor durante as relações sexuais e nos dois dias seguintes. Além da dor, a endometriose está na origem de «cerca de 40 por cento dos casos de infertilidade» e, com frequência, «é diagnosticada no âmbito do estudo de uma infertilidade», sublinha Marcela Forjaz. Várias teorias têm sido avançadas para explicar a dificuldade em engravidar, salientando-se, segundo o fórum global Endometriosis, fatores como problemas de aderência ao nível das trompas que inibem o movimento do óvulo, ou a inflamação na pélvis (causada pela endometriose), que estimula a produção de células que atacam os espermatozoides e encurtam a sua vida útil.
A endometriose pode também dar origem a dor durante as relações sexuais e nos dois dias seguintes
Fatores que aumentam o risco de endometriose
Estes são alguns dos fatores que aumentam o risco de desenvolver endometriose:
- Nunca ter dado à luz;
- Começar a menstruar muito nova;
- Ter ciclos menstruais curtos (menos de 27 dias);
- Níveis elevados de estrogénio;
- Consumir álcool;
- Possuir baixo índice de massa corporal;
- Antecedentes familiares.
Adaptado de dados da Mayo Clinic
Os tratamentos da endometriose
O tratamento da endometriose varia de acordo com os objetivos. Se a finalidade é o alívio da sintomatologia dolorosa, «pode recorrer-se ao uso de pílulas estroprogestativas ou progestativas contínuas», que permitem inibir «o crescimento do endométrio e reduzir as dimensões e o impacto dos implantes», explana Marcela Forjaz. Pode-se recorrer, igualmente, a «medicamentos inibidores das hormonas que “comandam” o ciclo menstrual: inibem as hormonas produzidas pela hipófise de “ordenar” ao ovário que trabalhe. Assim não acontece o ciclo ovárico com o espessamento do tecido endometrial», acrescenta.
«A taxa e sucesso da cirurgia, «medida pelo número de gravidezes, varia conforme os estudos entre 30 e 94 por cento»
A laparoscopia, além de método de diagnóstico, é também uma forma de tratamento dado que permite a remoção das lesões. Se o foco do tratamento é a resolução da infertilidade, «a cirurgia conservadora será a melhor abordagem, com destruição dos implantes e eventual extração de endometriomas e devolução da normal anatomia da mulher», salienta a especialista. A taxa e sucesso da cirurgia, «medida pelo número de gravidezes, varia conforme os estudos entre 30 e 94 por cento», refere. Porém, existe o risco de «recorrência, que pode chegar aos dez por cento ao fim de três anos após a cirurgia e de 40 por cento ao fim de cinco anos», acrescenta a ginecologista. Também em alguns casos de urgência, «como a rotura de um endometrioma, compromisso do intestino ou obstrução de um uretero (canal que leva a urina do rim à bexiga), a cirurgia é a escolha óbvia», remata especialista.
A gravidez pode ajudar a tratar a endometriose
A explicação está no facto de a gravidez «induzir um clima hormonal diferente daquele que provoca um “ciclo menstrual” nos implantes de endométrio. Além disso, os meses pós-parto são, de uma maneira geral, um período de tempo em que também não existe estímulo estrogénico para o crescimento desse tecido», explica Marcela Forjaz. Em suma, durante um tempo prolongado, os implantes de tecido endometrial «têm estímulos que não são favoráveis à sua permanência», o que faz com a doença regrida.

Tem casos de endometriose na família? Saiba como proteger a fertilidade
Marcela Forjaz, médica ginecologista, recomenda os seguintes cuidados às mulheres com familiares diretas com endometriose:
- Não atrase muito a sua primeira gravidez, pois a infertilidade pode estar relacionada com a extensão da doença e, impedindo a sua progressão com uma gravidez, poder-se-à estar a resolver ou atenuar o problema;
- Os intervalos entre filhos devem ser menores;
- Nos casos sujeitos a cirurgia, deve fazer-se o “esforço máximo” para engravidar nos 12 meses subsequentes, pelo que a calendarização da cirurgia (a não ser que seja de urgência) deverá ter em conta os timings de planeamento familiar da mulher.
Remoção do útero e dos ovários não é solução
Na endometriose, «não há indicação para remoção do útero e ovários, a não ser que seja impossível controlar a doença de outra forma ou que esteja em questão uma mulher cuja qualidade de vida seja muito prejudicada pela patologia e que não tenha desejo de manter a fertilidade», sublinha Marcela Forjaz.