Victor Gil: «As doenças cardiovasculares matam por ano 20 milhões de pessoas»

Victor Gil: «As doenças cardiovasculares matam por ano 20 milhões de pessoas»

Victor Gil, médico cardiologista e presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, conversa com a Prevenir sobre as doenças cardiovasculares, «a causa nº1 de mortalidade no mundo», os principais fatores de risco e os hábitos simples que ajudam a preveni-las.

  • PorTeresa d’OrnellasJornalista

  • Entrevista aProf. Doutor Victor GilMédico cardiologista, presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia (SPC) e coordenador da Unidade Cardiovascular do Hospital Lusíadas Lisboa

Sem rodeios, Victor Gil, presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia (SPC), refere o impacto brutal que as doenças cardiovasculares têm na mortalidade mundial. Mas o médico cardiologista passa, sobretudo, uma mensagem de esperança: estamos sempre a tempo de adotar um estilo de vida saudável e, assim, ganhar anos de vida adicionais. Com qualidade. Veja o vídeo abaixo.

Victor Gil: «As doenças cardiovasculares matam por ano 20 milhões de pessoas»

Ao nível mundial, qual é o peso das doenças cardiovasculares?

As doenças cardiovasculares continuam a ser a causa nº 1 de mortalidade no mundo e não só nos países desenvolvidos. Já há muitos anos que se sabe, desde sobretudo de um grande estudo mundial, o The Interheart Study, que as doenças cardiovasculares afetam populações com condições socioeconómicas muito desfavorecidas.

Em Portugal, as doenças cardiovasculares e cerebrovasculares ainda constituem a principal causa de morte. O peso das doenças cerebrovasculares, do AVC, é muito grande, maior do que o peso do enfarte do miocárdio. Noutros países, sobretudo por exemplo na Europa de Leste, o peso do enfarte do miocárdio é muito alto.

Neste momento, estamos todos focados e preocupados com a COVID-19, e naturalmente preocupados. Mas a COVID-19, atualmente, provocou cerca de um milhão de mortes e ao fim de um ano atingirá, talvez, um milhão e meio de mortes. As doenças cardiovasculares matam, por ano, 20 milhões de pessoas. O nosso enfoque deve ser a COVID-19, mas há outras doenças que continuam a existir e é essencial continuarem a ter a nossa atenção e o nosso foco, porque se desfocarmos é muito complicado. As pessoas têm que continuar a ir procurar ajuda, confiar que o nosso sistema neste momento tem caminhos paralelos para evitar que haja cruzamento com pessoas infetadas com COVID-19. As outras doenças não ficam entre parênteses.

Quais são os principais fatores de risco para as doenças cardiovasculares?

A hipertensão é um fator de risco de base, muito particularmente no caso do AVC (Acidente Vascular Cerebral) e é uma situação ainda incompletamente controlada no mundo e em Portugal. Um dos aspetos que contribui muito para isso é o excesso de consumo de sal. Nós consumimos uma quantidade absurda de sal em Portugal em relação às recomendações da Organização Mundial da Saúde. Por outro lado, muitos doentes hipertensos sabem que têm hipertensão, e até estão medicados, mas mesmo assim não estão controlados. Além disso, cada vez mais aparecem novas informações no sentido de baixar os valores de tensão arterial tidos como normais.


E que outros fatores de risco existem?

Há outros problemas. Felizmente que os hábitos de tabaco na nossa população não são tão grandes como noutros países da Europa. Mas, apesar de tudo, preocupa-me porque vejo muitos jovens a fumar, sobretudo raparigas. Além disso, estão a aparecer alternativas aos cigarros tradicionais, como os cigarros eletrónicos. Não sabemos ainda muito bem que impacto é que têm nas doenças cardiovasculares, mas já se sabe que há casos descritos de doenças respiratórias graves associadas aos cigarros eletrónicos. Ou seja, a mensagem da Sociedade Portuguesa de Cardiologia é que a medida eficaz para combater o tabagismo é mesmo deixar de fumar.

Entre outros fatores de risco destaca-se o colesterol elevado, que tem um peso brutal em relação, por exemplo, ao enfarte do miocárdio. Mas houve grandes progressos, já há medicamentos que ajudaram muitíssimo, sobretudo as estatinas, que revolucionaram completamente o panorama da prevenção cardiovascular, sobretudo nas pessoas que já tiveram problemas cardiovasculares. Outro aspeto a ter em conta é o controlo da diabetes. O diabético tem sempre três a cinco vezes mais risco de doença cardiovascular que outra pessoa.

O impacto da adoção de um estilo de vida saudável é mensurável?

Houve um estudo publicado há dois anos nos Estados Unidos da América, em que pessoas, aos 50 anos, um grupo enorme, adotaram cinco medidas de estilo de vida saudável. Combater a obesidade, ter uma alimentação saudável, fazer exercício físico regularmente, não fumar, não consumir bebidas alcoólicas em excesso. Em comparação com as pessoas que não adotaram estas medidas, e no caso das mulheres, verificou-se um prolongamento de mais 14 anos de vida. No caso dos homens houve um acréscimo de 12 anos de vida – porque os homens morrem mais cedo do que as mulheres. Ou seja, há mais de uma dezena de anos de vida que se ganham quando a pessoa adota um estilo de vida saudável e numa altura de vida que é critica, os 50 anos.

O que nós estamos a tentar fazer através de todas as medidas recomendadas é prolongar a sobrevivência, que os eventos ocorram mais tarde, ganhar anos de vida e qualidade de vida. Essa análise dos anos de vida e da qualidade de vida é muito importante.

«Adotar hábitos de vida saudáveis é sempre útil em qualquer fase da vida, mesmo que a pessoa já tenha tido um enfarte ou um AVC, dá sempre valor acrescentado»

A adoção de um estilo de vida saudável é, então, uma medida essencial?

Na Sociedade Portuguesa de Cardiologia, em relação ao Dia Mundial do Coração, este ano quisermos dar um salto. É preciso chamar a atenção para as doenças cardiovasculares e que são terríveis, sim. Mas estamos cá para dar esperança, através dos tratamentos e da prevenção. Contudo, mais ainda, queremos estar antes disso, o que passa pela adoção de estilos de vida saudáveis. E, por tudo isto, chamámos a este Dia Mundial do Coração o «Dia da Boa Onda», a boa onda física, intelectual, mental, emocional. Essa «boa onda» é uma onda que ajuda a saúde cardiovascular. E onde é que decidimos celebrar? Em Peniche, porque é considerada a capital da onda.

É muito importante sublinhar que adotar hábitos de vida saudáveis é sempre útil em qualquer fase da vida, mesmo que a pessoa já tenha tido um enfarte ou um AVC, dá sempre valor acrescentado. A grande mensagem que estamos a lançar no Dia Mundial do Coração é que o estilo de vida saudável por si só tem um impacto extraordinariamente importante na saúde cardiovascular.


Estilo de vida saudável em 4 conselhos

O médico cardiologista Victor Gil deixa as seguintes recomendações que devem ser, sublinha, adotadas desde a juventude.

  • Não fumar «O primeiro conselho de todos é de facto não fumar, desencorajar os jovens a começar a fumar, lançar muito esta mensagem para os miúdos de “nunca comeces a fumar” porque uma vez depois de começar é muito mais difícil parar”. E isto aplica-se não só em relação às doenças cardiovasculares, mas também em relação ao cancro, particularmente o cancro do pulmão.»
  • Fazer exercício físico «Nos hábitos de exercício físico Portugal estava muito mal classificado, éramos o pior país da Europa. Acho que agora esse hábito está a entrar, a divulgar-se. Acho que as coisas melhoraram muito em relação ao exercício físico. Agora há muita gente a fazer exercícios aos sábados e domingos de manhã, os ginásios também estão cheios. Mas exercício físico é exercício físico. Não é preciso pensar que tem que ir para um ginásio. Basta andar 30 minutos por dia a um passo relativamente acelerado e se não conseguir todos os dias, três vezes por semana, é o mínimo dos mínimos. O ideal seria andar uma hora todos os dias e isso tem um impacto fantástico na prevenção cardiovascular.»
  • Ter uma alimentação saudável «É fundamental procurar ter uma alimentação com poucas gorduras, poucos hidratos de carbono, incluindo o açúcar, e pouco sal. A nossa alimentação tradicional até tem lá as coisas, é a chamada dieta mediterrânica.  Temos um litoral imenso, come-se muito peixe, temos o hábito de comer fruta e vegetais frescos, de comer sopa, temperamos com azeite, bebemos vinho. É só uma questão de saber dosear as coisas.»
  • Controlar os fatores de risco «Se tem fatores de risco tem de os controlar muito bem, particularmente o colesterol e naturalmente a hipertensão, ver como estão as coisas e controlar. Prevenir a obesidade, mantendo um peso saudável, também é essencial. Mas o controlo deve ser feito desde cedo, não é fazermos aquilo que nos apetece até aos 50 anos e depois é que vamos corrigir. Além disso, se esses fatores de risco incluem a diabetes, tem de se ter muito cuidado porque este é um grande problema de saúde pública. Muitas das medidas que referi também ajudam a prevenir ou a atrasar a diabetes tipo 2, que está associada à obesidade abdominal, à falta de exercício físico.»

Última revisão: Setembro 2020

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