Alexandre Castro Caldas: «É essencial passar um cenário de esperança ao doente de Parkinson»

Parkinson: Alexandre Castro Caldas, médico neurologista

Apesar de a cura (ainda) não ser uma realidade, a ciência tem dado respostas muito positivas no combate à doença de Parkinson, uma patologia neurológica degenerativa cuja origem está associada a fatores genéticos e tóxicos ambientais.

  • PorCarlos Eugénio AugustoJornalista
  • FotografiaArtur

  • Entrevista aProf. Dr. Alexandre Castro CaldasMédico neurologista e diretor do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa

Associada ao envelhecimento, ainda que se registem casos em pessoas jovens, a doença de Parkinson «nasce de um desequilíbrio registado no sistema nervoso central que faz com que determinadas células nervosas (neurónios), responsáveis pela produção de dopamina – um neurotransmissor que assegura a comunicação intercelular –, sejam eliminadas devido ao ataque de alguns tóxicos», explica à Revista Prevenir Alexandre Castro Caldas, médico neurologista. «Esse processo faz com que a produção da dopamina diminua, perdendo-se assim a possibilidade da tal interação e o estímulo que proporciona a normal atividade muscular», descreve o diretor do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa. Esta patologia degenerativa afeta, de acordo com a Associação Portuguesa de Doentes de Parkinson (APDPk), 20 mil portugueses.

Parkinson: Alexandre Castro Caldas, médico neurologista

«Quando me perguntam se tenho ideia de quantos parkinsónicos existem em Portugal, respondo que são demais»

Segundo dados da APDPk, estima-se que, até 2040, a doença de Parkinson afete mais de 30 mil portugueses. Quais as razões para este crescimento?
Essas contas são difíceis de fazer, pois, na maior parte das vezes, os estudos têm como base inquéritos de venda de medicamentos. Para dar um exemplo, a venda de fármacos para a doença de Parkinson em 2018 foi verdadeiramente caótica, pois foi retirado do mercado um remédio utilizado habitualmente e as pessoas ficaram perdidas. E, com medo de ficar sem medicamentos, alguns doentes chegaram a acumular dez ou mais embalagens. Esses episódios levam a um aumento das vendas e isso pode pressupor que existam mais doentes. Outra questão que pode inflacionar esses dados são os doentes mal diagnosticados. Ainda assim, é natural que exista um crescimento do número de doentes, mas isso está diretamente relacionado com o facto de existirem mais idosos em Portugal. E, como este tipo de doenças degenerativas está indexado a uma faixa etária mais idosa, é possível esse aumento. Mas quando me perguntam se tenho ideia de quantos parkinsónicos existem em Portugal, respondo que são demais.

«O diagnóstico da doença de Parkinson é essencialmente clínico, sendo muito difícil de realizar por quem não está bem treinado na avaliação neurológica», afirma Alexandre Castro Caldas

Existe alguma forma de prevenir a doença?
Infelizmente, não. Aquilo que se recomenda, por questões relacionadas com um bom envelhecimento, é seguir práticas de vida saudável, nomeadamente em termos de alimentação e exercício físico. Dançar ou jogar ténis são exemplos de atividades que promovem o bem-estar motor. As relações sociais também são benéficas para a saúde do cérebro. Ao pôr em prática um estilo de vida saudável, provavelmente, vão reduzir-se alguns riscos da doença, mas a ciência ainda não comprovou uma relação direta.

Referiu os casos de doentes mal diagnosticados. É frequente esse erro?
O diagnóstico da doença de Parkinson é essencialmente clínico, sendo muito difícil de realizar por quem não está bem treinado na avaliação neurológica. Há muitos indicadores que podem gerar confusão e, nos casos mais incipientes, as dúvidas aumentam. Aliás, mesmo alguns exames complementares que se possam realizar, não ajudam muito. E mais facilmente permitem ter a certeza de que não estamos perante um doente parkinsónico do que confirmar a doença. No entanto, um diagnóstico bem-feito, e com a identificação dos sintomas, deixa pouquíssimas dúvidas.

«Existem casos comprovados de parkinsonismo induzidos por substâncias tóxicas que vão atuar especificamente em determinadas células, destruindo-as»

Que causas estão identificadas na origem da doença de Parkinson?
Das doenças degenerativas, é a que apresenta mais pistas. Existem casos comprovados de parkinsonismo induzidos por substâncias tóxicas que vão atuar especificamente em determinadas células, destruindo-as. A prova remonta aos anos 1980, quando um estudante toxicodependente que fazia a “química” no seu laboratório caseiro, se injetou, ficando com Parkinson três dias depois. Esse caso permitiu identificar uma substância (MPTP) que é, de facto, neurotóxica se encontrava no preparado de laboratório deste estudante. Outro caso confirmou a relação entre beber águas estagnadas de poços agrícolas – que continham vestígios tóxicos análogos ao MPTP que derivam de herbicidas, e acabavam por se infiltrar nos solos – e um maior risco de ter Parkinson. Sabe-se também que os trabalhadores das minas de manganésio têm uma percentagem significativa da doença. Isso leva-nos a pensar que existem no ambiente substâncias tóxicas que são gatilhos da doença de Parkinson, e uma das hipóteses é que o seu efeito, mesmo em doses mínimas, afete pessoas que não tenham defesas metabólicas. Por outro lado, à genética é também apontada a culpa, especialmente quando o organismo não tem defesas, estando mesmo identificado um gene (parkina) que é frequente nos casos de doença de Parkinson juvenil e que pode ser uma herança familiar.

«Qualquer tremor é razão para ir ao médico, independentemente da idade. Outro sinal de alerta é sentir a perda de dinamismo, o ficar mais lento»

Podemos então assumir a hereditariedade como um fator de risco?
Sim, mas apenas nos casos de parkinsonismo juvenil. Mas, além disso, há outro aspeto contundente que é a existência do tremor familiar existencial, que é uma desordem neurológica, que predispõe para o Parkinson, mas que não deve ser confundido com a doença. Essa é uma das situações que pode levar aos tais diagnósticos falsos.

«A melhor forma de identificar um tremor parkinsónico é ter noção de que o mesmo se manifesta em repouso. Isso acontece, por exemplo, quando se está tranquilamente sentado no sofá e a mão começa a tremer, devagar»

O senso comum leva-nos a associar o tremor como uma das marcas mais vincadas da doença. Qual a diferença entre o tremor familiar essencial e o de um doente de Parkinson?
A melhor forma de identificar um tremor parkinsónico é ter noção de que o mesmo se manifesta em repouso. Isso acontece, por exemplo, quando se está tranquilamente sentado no sofá e a mão começa a tremer, devagar. Depois, quando se mexe a mão, o tremor desaparece. Já as outras formas de tremor, as chamadas “intencionais”, em repouso não acontecem e podem ser uma resposta muscular a cenários de ansiedade, frio ou fadiga. Costumo dizer que o parkinsónico não entorna o copo de água, os outros tremores sim.

«O pico da incidência é entre os 60 e os 70 anos, pois, tal como outras doenças relacionadas com o envelhecimento, provoca alterações no organismo, até mesmo pelo desgaste “natural” da passagem dos anos que o torna mais frágil»

Mediante que sintomas se aconselha ir ao médico?
Qualquer tremor é razão para ir ao médico, independentemente da idade. Outro sinal de alerta é sentir a perda de dinamismo, o ficar mais lento.

Existe uma idade em que a doença seja mais frequente?
O pico da incidência é entre os 60 e os 70 anos, pois, tal como outras doenças relacionadas com o envelhecimento, provoca alterações no organismo, até mesmo pelo desgaste “natural” da passagem dos anos que o torna mais frágil. Mas o que torna esta questão fascinante é, por exemplo, pela positiva, tentar perceber porque alguns centenários passam ao lado desse tipo de problemas ou, no sentido inverso, qual a razão que leva ao parkinsonismo juvenil, definição que engloba doentes até aos 40 anos.

A idade em que a doença surge pode condicionar a sua progressão e a forma como se manifesta?
Mais que condicionar, altera o seu perfil clínico. O paciente mais novo que tive conhecimento tinha 17 anos quando lhe foi diagnosticada a doença, no caso devido a uma malformação congénita. Nessas idades, o tratamento deve ser ainda mais cauteloso, pois falamos de pacientes que viverão 40 ou 50 anos com a doença. Em relação à manifestação da doença, a sintomatologia não difere, seja em que idade for.

«Os primeiros artigos sobre depressão associada ao Parkinson realizados em Portugal, da autoria do doutor António Damásio, concluíram que existem dois tipos de depressão: uma reativa à doença e outra de natureza endógena»

Do ponto de vista do que pode representar um diagnóstico de Parkinson para o doente, que diferenças podem existir entre os mais jovens e quem já tem uma idade mais avançada?
Na generalidade, uma doença como esta afeta todos, mas é natural, e compreensível, que os casos de doentes mais novos possam representar uma maior revolta, pois a maturidade da idade torna-nos mais tolerantes e estáveis emocionalmente, ainda que isso não torne impossível, por exemplo, um cenário de depressão. Mas, como hoje as soluções terapêuticas estão ainda mais assertivas, é importante que o médico passe essa informação de forma a tranquilizar o doente.

Parkinson: Alexandre Castro Caldas, médico neurologista

Esses cenários de depressão são consequência biológica da doença ou uma reação emocional do doente?
A depressão é um dos diagnósticos mais difíceis de fazer. Os primeiros artigos sobre depressão associada ao Parkinson realizados em Portugal, da autoria do doutor António Damásio, concluíram que existem dois tipos de depressão: uma reativa à doença e outra de natureza endógena. A primeira forma é uma consequência da tristeza que o diagnóstico representa, e, sabe-se, que as melhoras da doença afastam a depressão. Já a questão endógena está associada ao mau funcionamento do cérebro.

Como se transmite a um doente que tem uma doença sem cura como a doença de Parkinson?
O médico deve informar o doente do que realmente se passa, pois só assim conseguirá viver melhor com a doença. Depois, é crucial estabelecer uma relação de confiança com o doente, e ter noção que as primeiras abordagens são determinantes para o seu futuro e sucesso do tratamento. É essencial fazer tudo para passar um cenário de esperança ao doente de Parkinson.

«É essencial que o doente tenha um acompanhamento físico e cognitivo, pois, além do risco de perder a mobilidade, há uma tendência para se isolar», refere o médico neurologista

Quais são os principais objetivos do tratamento?
Como o cérebro é muito de rotinas, a medicação tem de ir “atrás” da doença e não deve ceder-se à tentação de colocar o cérebro a mais de 80 por cento em termos de reposição de dopamina, evitando sempre doses muito altas para minimizar efeitos secundários como os picos de dopamina. Todos os procedimentos do tratamento devem ser discutidos para evitar situações contraproducentes como o doente parar a medicação ao mínimo sinal de melhoria. Por outro lado, é essencial que o doente tenha um acompanhamento físico e cognitivo, pois, além do risco de perder a mobilidade, há uma tendência para se isolar. E a única forma de o contrariar, e lutar por uma melhor qualidade de vida é contar com o apoio de fisioterapeutas e especialistas em questões comportamentais.

E o que pode o doente também fazer por si?
Conservar, ao máximo, as suas rotinas e interações sociais. Essas questões são essenciais para melhorar a qualidade de vida, além de ajudar a preservar as capacidades cognitivas e prevenir mesmo eventuais cenários de demência.

Esses cenários de demência e perda de capacidades cognitivas são muito frequentes?
Depende. Aquilo que sabemos é que a demência pode ser uma consequência direta de defeitos anatómicos e fisiopatológicos a nível cerebral, e que “contaminam” áreas vizinhas além das já afetadas pelo parkinsonismo. Além disso, a perda de capacidades cognitivas pode ter origem numa má condução terapêutica. Quando isso acontece, devem fazer-se ajustes e/ou alterar a medicação.

«Cada vez conhecemos melhor o funcionamento do cérebro, pelo que acredito que vão surgir propostas interessantes, em especial na exploração do papel de outras células, que não são neurónios, e que ajudarão a identificar a melhor forma de combater esta doença»

Que tratamentos existem hoje?
Existem três formas terapêuticas: medicação, cirurgia e a bomba infusora. Todas têm um timing próprio, principalmente a cirurgia, sendo que um dos maiores desafios é selecionar o doente certo, pois só assim retiraremos o máximo benefício. Convém ressalvar que a cirurgia não é um tratamento substituto, mas sim complementar, pois o doente vai continuar sempre a tomar medicação.

Preveem-se outras abordagens?
Ainda em fase experimental, as terapias de renovação celular têm causado grande entusiasmo e já foram realizados estudos com células embrionárias, embora estejamos longe de certezas quanto à sua eficácia. Cada vez conhecemos melhor o funcionamento do cérebro, pelo que acredito que vão surgir propostas interessantes, em especial na exploração do papel de outras células, que não são neurónios, e que ajudarão a identificar a melhor forma de combater esta doença. A experiência assim o diz, pois, quando comecei a tratar esta doença, há 40 anos, existiam dois fármacos. Hoje existem muitas mais soluções.


Os sintomas e efeitos da doença de Parkinson

«A identificação precoce de sinais e/ou mudanças de comportamento pode agilizar o tratamento», sublinha Alexandre
Castro Caldas, médico neurologista.

  • Movimentos mais lentos
    «A pessoa perde gradualmente o dinamismo, tem tendência a ficar parada e a demorar mais tempo a comer, a fazer a higiene ou a virar-se na cama.»
  • Falta de expressão facial
    «O rosto de um doente de Parkinson fica tipo “jogador de póquer”.»
  • Rigidez muscular
    «Altera a postura, fazendo com que as pessoas passem a andar curvadas, com os braços para a frente, fletidos. Outra consequência é assentar os pés na sua ponta em vez de nos calcanhares. Isto torna as quedas mais frequentes.»
  • Tremor
    «Só acontece numa fase bem adiantada da doença, e em fases de repouso, quando não há movimento.»
  • Dificuldade ao engolir
    «Regista-se em fases mais avançadas da doença. Acontece, pois, a doença de Parkinson também afeta a musculatura neurofacial, o que pode levar os doentes a falar mais baixo, com alterações da voz mais marcadas.»

Tratamentos para a doença de Parkinson: as respostas da ciência

Alexandre Castro Caldas, médico neurologista, descreve as três principais abordagens no tratamento da doença de Parkinson.

Medicação
«O medicamento Levodopa acaba sempre por ser necessário, mas não deve ser o ponto de partida do tratamento. A sua introdução deve ser feita numa fase mais adiantada e, entretanto, ir-se tentando outros fármacos (como os agonistas da dopamina ou os inibidores da recaptação de dopamina) se estiverem a ser positivos para o doente. Esses fármacos não têm uma influência direta nas células, ao contrário do Levodopa, que implica o aumento do metabolismo celular, o que pode ter um efeito tóxico.»

Cirurgia
«A operação é uma opção delicada e só é aconselhada quando, através da medicação, não conseguimos o efeito pretendido. Consiste na introdução de um elétrodo num determinado local do cérebro, para estimular uma zona específica e corrige a falha de comunicação entre neurónios, reduzindo os sinais da doença.»

Bomba infusora
«Este tratamento inovador (DuoDopa) é recomendado a doentes que têm flutuações enormes de dopamina, com uma resposta positiva à Levodopa, e já não têm idade para a cirurgia. Envolve a colocação, via endoscopia, de um sistema com uma bomba infusora que permite introduzir no tubo digestivo — através de uma sonda, inserida na parede do abdómen — de forma contínua, a dopamina, evitando os tais picos. Apesar dos ótimos resultados, tem o problema de, por vezes, a sonda se enrolar no tubo digestivo, condicionando o processo, e ser muito dispendioso.»

Última revisão: Abril 2019

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