José Albino: «A vida com DPOC é mais lenta»

José Albino, Associação Respira: «A vida com DPOC é mais lenta»

Um cansaço fora do normal alertou José Albino, fumador há 35 anos, para algo que não estava bem. O diagnóstico de doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) levou-o a abandonar o vício e a criar a associação Respira, que ajuda outros doentes.

  • EdiçãoVanda Oliveira

  • Testemunho deJosé AlbinoVice-Presidente Respira – Associação Portuguesa de Pessoas com DPOC e outras Doenças Respiratórias Crónicas

Tinha 50 anos quando lhe foi diagnosticada a doença pulmonar obstrutiva crónica – DPOC como é também chamada. Mas o que podia ser apenas a notícia de uma doença para toda a vida foi também o fator decisivo para a mudança. Hoje, com 70 anos e a doença controlada, José Albino conta à revista Prevenir como o diagnóstico o estimulou a deixar de fumar, hábito que mantinha há 35 anos, e a fundar a associação Respira que dá apoio a outras pessoas que vivem com uma doença ainda pouco conhecida dos portugueses.

O meu testemunho

«Comecei a fumar por volta dos 15-16 anos. Fumava em média um maço e meio por dia quando, por volta dos 45 anos, comecei a ter tosse matinal com alguma expetoração. Associei essa tosse ao facto de fumar, mas não liguei. Nessa altura, também passava os invernos muito mal, sempre constipado. Mas como tinha sinusite também não valorizei muito. Foi só perto dos 50 anos, quando comecei a ficar com um cansaço que não era habitual ao realizar tarefas normais como subir escadas, que soou o alerta.»

O diagnóstico

«Sempre estive ligado à saúde. Hoje estou reformado, mas fui delegado de informação médica na área da pneumologia. Lembro-me, naquela altura, de subir as escadas do Hospital Pulido Valente para falar com os médicos e ter de parar. A maior parte das pessoas valoriza mais a parte cardíaca. Como não conhecem a doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), associam muitas vezes o cansaço a um problema cardíaco. Não era o meu caso. Conhecia a doença e, além disso, dois anos antes, ao realizar uma espirometria, um exame simples que avalia a função respiratória, já me tinham alertado para o facto de os meus valores estarem muito próximos da doença, no entanto, continuei a fumar. Só quando repeti o exame e me foi detetada a DPOC é que comecei a levar as coisas mais a sério.»

«Tenho conseguido controlar a minha DPOC através da medicação, da atividade física e não fumando, mas o melhor é adotar um estilo de vida saudável para prevenir a doença»

Adeus, tabaco

«Em tempos, já tinha feito algumas tentativas para deixar de fumar, mas voltava sempre. Tinha uma dependência muito grande da nicotina. Chegava a levantar-me a meio da noite para fumar. Mas desta vez tinha de ser. Por isso, recorri às consultas de desabituação tabágica do Hospital Pulido Valente, que ainda hoje (20 anos depois) continuam a existir. São consultas multidisciplinares, muito bem elaboradas, com médicos, psicólogos, nutricionistas e que resultam muito bem. Fiz o tratamento que havia na altura, com um medicamento que até já não existe, mas que me ajudou bastante em conjunto com as pastilhas de nicotina. Ao fim de uma semana e pouco, o cigarro começava a não fazer efeito, o medicamento bloqueava os recetores de nicotina, fazendo com que a sensação de prazer que o cigarro dá deixasse de existir.»

Vida sem fumo

«Deixar de fumar está cientificamente definido como a medida com mais eficácia na melhoria da função respiratória. E, de facto, ao deixar de fumar, comecei a sentir-me melhor e tive até prova disso com um caso curioso. Na altura, estava a ser lançado um novo medicamento broncodilatador e perguntaram-me se eu queria fazer parte do ensaio. Aceitei e fizeram-me as provas de função respiratória. Estava dentro da janela que eles pretendiam para o ensaio. Mas o ensaio demorou mais tempo a arrancar do que era normal e foi necessário repetir o exame. Tinham passado apenas três ou quatro meses, mas a minha função respiratória já estava melhor do que os parâmetros que eles exigiam e acabei por não poder participar no estudo.»


Um novo ritmo

«A grande vantagem do diagnóstico precoce é que já lá vão 20 anos e não agravei muito o meu estado. A terapêutica tem mudado ao longo do tempo, mas consiste basicamente na toma diária por inalação de um medicamento broncodilatador. Continuei sempre a trabalhar e sinto que a doença não alterou muito a minha vida, mas houve coisas que deixei de poder fazer ou de fazer com a mesma facilidade com que antes fazia. Subir escadas, caminhar com inclinação, fazer uma corrida, dançar de forma mais acelerada são o tipo de coisas que me deixam num estado de cansaço muito grande. Tenho conseguido controlar a minha DPOC através da medicação, da atividade física e não fumando, além da vacinação antipneumocócica e contra a gripe, algo essencial para a vida do doente com DPOC. Mas o melhor é adotar um estilo de vida saudável para prevenir a doença e as dificuldades que provoca na realização das tarefas diárias. Fazer a cama, por exemplo, às vezes cansa-me um bocado. Quem tem uma DPOC mais grave demora ainda mais tempo a fazer seja o que for. Em vez de demorar uma hora para se despachar de manhã, demora duas. É tudo mais lento. A vida é mais lenta, e a pessoa tem de a programar de forma a que as tarefas possam demorar mais tempo. Depois vai-se habituando, vai tendo um regime de vida adaptado à doença.»

O nascimento da Respira

«Decidi criar uma associação de doentes com DPOC porque estava dentro do meio médico e sabia que era uma doença com uma grande prevalência, mas que as pessoas não conheciam [afeta cerca de 14 por cento dos portugueses, maiores de 40 anos e, em particular, fumadores]. Sei que o nome da doença também não ajuda, mas ainda hoje a DPOC continua a ter um destaque muito menor do que outras doenças como a diabetes e as doenças cardiovasculares. Com a ajuda dos médicos pneumologistas que eu conhecia no Hospital Pulido Valente e com os do Serviço de Pneumologia do Hospital Santa Marta, surgiu uma interação entre doentes e daí nasceu, em 2007, a Respira

«A mensagem que posso deixar aos fumadores é muito simples: deixem de fumar»

A importância da associação de doentes

«Hoje, a Respira faz parte das associações internacionais e somos respeitados pelos médicos e pelos serviços de saúde. E, quanto mais associados tivermos, maior será o nosso poder representativo junto das instâncias governamentais ou em assembleias para conseguir melhorar a vida dos doentes. Por exemplo, embora esteja cientificamente provado que a reabilitação respiratória melhora a vida de todos os doentes com DPOC, pois melhora os seus parâmetros respiratórios e a sua resistência ao esforço, os serviços de reabilitação respiratória existentes em Portugal são muito poucos e os que existem estão muitas vezes reservados aos doentes hospitalares. Por outro lado, ninguém conhece tão bem a doença quanto os doentes. Na Respira, somos todos doentes ou cuidadores, e falar com outras pessoas que sofrem da mesma doença, à semelhança dos grupos de autoajuda, é importantíssimo. Infelizmente, em Portugal não há muita tradição de as pessoas se juntarem para conseguirem melhorar a sua vida. Era importante termos mais associados e que as pessoas participassem mais e estivessem juntas numa coisa que foi criada para benefício delas.»

Um conselho aos fumadores

«A mensagem que posso deixar aos fumadores é muito simples: deixem de fumar. Deixar de fumar só vos fará bem. Sabemos que há pessoas que fumam a vida inteira e que não contraem esta doença, mas o tabaco não aumenta apenas o risco de DPOC; afeta também a saúde cardíaca e o bem-estar em geral. A todos os fumadores mas também aos ex-fumadores, se começarem a sentir um cansaço fora do comum, se começarem a ter dificuldade nas tarefas de casa, a subir escadas, a fazer caminhadas em rampa, em vez de atribuírem a culpa ao excesso de peso ou à idade, procurem o médico. Através de uma espirometria, um exame muito simples que consiste em fazer um sopro contínuo semelhante ao que é pedido no teste do álcool, é possível avaliar a função respiratória e diagnosticar a DPOC. Alguns centros de saúde já fazem este exame e é tão fácil que não vale a pena ficar na dúvida.»


Respira
Associação Portuguesa de Pessoas com DPOC e outras Doenças Respiratórias Crónicas
Rua Infante D. Pedro, N. 10-B
1700-243 Lisboa
Tel.: 964 926 708 e 211 954 697
geral@respira.pt

Última revisão: Novembro 2020

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