Sem medo da anestesia

medo da anestesia

A anestesia é uma prodigiosa ferramenta da medicina cujos riscos podem ser controlados. Prepare-se antes da próxima cirurgia.

  • PorManuela VasconcelosJornalista

Anestesista. É o médico de quem quase nunca se fala, visto por poucos e (ainda) temido por muitos, mas cujo papel tem sido determinante para o avanço da medicina. «No século XX, de acordo com o New England Journal of Medicine, esta foi a especialidade que mais evoluiu e fez evoluir a medicina», revela Rosário Órfão, presidente da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia, à Revista Prevenir. Seja para fazer uma intervenção cirúrgica, um parto ou um exame médico, a probabilidade de ter de se submeter a uma anestesia é elevada, tal como os receios associados. Não tem, contudo, de ser assim e ninguém melhor do que um anestesiologista para esclarecer todas as questões.

Como se escolhe

Os critérios usados pelo médico para determinar a técnica podem dividir-se em três eixos principais, como explica Rosário Órfão: «A decisão vai depender do doente, do tipo de intervenção a que vai ser submetido e também da experiência e condições de segurança que o anestesiologista consegue reunir». Por exemplo, «um anestesiologista que trabalha normalmente em neurocirurgia ou cirurgia cardíaca não vai estar tão apto para fazer um bloqueio de um membro inferior porque não tem tanto treino. Atualmente, na anestesia locorregional, recorre-se à ecografia para identificar muito bem a estrutura nervosa a bloquear.

Conhecer o estado de saúde do paciente – se tem doenças crónicas, renais, hipertensão, diabetes ou alergias – é fundamental

Minimizar os riscos

Em Medicina, cada ato envolve risco e a anestesiologia não é exceção. De acordo com Rosário Órfão, tem de se avaliar se existem «patologias cardíacas e respiratórias. Muitas vezes, é realizado um ecocardiograma para ver a função do ventrículo, a reação do coração a uma situação de stresse. E para ver se o doente tem capacidade para aguentar o período durante a operação e pós-operatório.» Conhecer o estado de saúde do paciente – se tem doenças crónicas, renais, hipertensão, diabetes ou alergias – é fundamental. «Devemos vê-lo numa consulta, antes da cirurgia; pedir os exames necessários e, eventualmente, o apoio de outras especialidades, depois informá-lo dos riscos que pode ter a cirurgia.» Nada deverá ser esquecido, «tem de dizer tudo: hábitos, medicamentos ou suplementos alimentares que esteja a tomar».

No cérebro

Os efeitos da anestesia geral ainda estão sob estudo, mas «descobriu-se que tem alguns efeitos a nível cognitivo, sobretudo, em idades extremas – crianças mais novas e idosos. Sabemos que os medicamentos e a própria alteração de frequência cardíaca, tensão arterial, perfusão cerebral (quantidade de sangue que chega ao cérebro por minuto) na intervenção cirúrgica têm importância. E as células cerebrais e da medula são particularmente sensíveis», explica a médica. Por estes motivos, «durante a gravidez, quanto menos vezes a mulher for anestesiada, melhor para o feto e, se necessária a anestesia, dentro do possível, deve-se optar pela locorregional», aconselha.

«Temos opções muito eficazes via endovenosa e a maioria dos anestesiologistas só usa a indução por máscara quando não é possível fazê-lo através de um soro»

Técnicas e fármacos

Quando se pensa em anestesia geral, a primeira imagem que ocorre é alguém a colocar uma máscara no paciente, mas, segundo Rosário Órfão, na maioria dos casos, não corresponde à realidade «A máscara atualmente fornece quase sempre só oxigénio, usado para ajudar o doente a respirar durante a indução (todos os anestésicos gerais deprimem a respiração). Temos opções muito eficazes via endovenosa e a maioria dos anestesiologistas só usa a indução por máscara quando não é possível fazê-lo através de um soro, por exemplo nas crianças ou nas pessoas que não suportam agulhas.»

A inalação por máscara ou tubo nas vias respiratórias (com sevoflurano ou desflurano) é, geralmente, usada para manter a anestesia na cirurgia. No grupo endovenoso, o propofol é a substância mais usada. «É um anestésico geral muito manuseável, que se pode usar numa dose inicial (indução da anestesia), em perfusão (dose menor, dada continuamente) para mantê-lo a dormir durante o tempo necessário e também usar em doses muito baixas, em que este fica só sedado para se fazer uma colonoscopia, endoscopia, bronquioscopia – exames que requerem sedação», ilustra.

«O anestesiologista não vai só eliminar a dor, a consciência e manter o doente imóvel; também se preocupa com as funções vitais. É o anjo da guarda do doente»

Enquanto dorme

«O anestesiologista não vai só eliminar a dor, a consciência e manter o doente imóvel; também se preocupa com as funções vitais. É o anjo da guarda do doente», diz Rosário Órfão. Durante uma cirurgia, cabe a este médico garantir que a pessoa se mantém estável. Para tal, «tem monitores para visualizar a todo o instante a tensão arterial, a frequência cardíaca, respiratória, a oxigenação do sangue e vai controlando, ajustando os cuidados às necessidades, fazendo pequenas modificações para otimizar a resposta do doente», descreve a especialista.

A função não se limita, contudo, à vigilância: «Temos de antecipar alterações que venham a surgir ou necessidades da fase de cirurgia em que se encontra». A anestesia também tem um papel no pós-operatório ao permitir superar a dor aguda ou a mobilidade que ajuda à recuperação. É o caso da cirurgia às pernas e ao ombro. Nesta última, uma das «complicações pode ser o ombro congelado (devido às dores o doente tem medo de mover e nunca recupera a 100 por cento). Se receber uma anestesia locorregional, para o pós-operatório, o tipo de anestésico e a dose permitem que o paciente consiga mexer-se sem dor.»

Depois da cirurgia

Enquanto a pessoa está ainda sob o efeito dos fármacos, é frequente verificar-se uma breve amnésia que se desvanece com o acordar completo. «Terminada a cirurgia, paramos os anestésicos e o doente acorda dez minutos depois e conversa connosco, mas mais tarde não se lembra de nada porque ainda tem o efeito do primeiro medicamento dado antes da operação», conta. Antes de regressar à enfermaria, o paciente passa para a unidade de cuidados pós-anestésicos (recobro) onde permanece sob vigilância para se avaliar a «parte cardíaca, respiratória, a sensorial, a oxigenação do sangue, ver se mexe as pernas, se fez uma raquianestesia, se tem temperatura normal, se não tem frio, dores, enjoos», ilustra a médica. Esta fase pode durar uma ou várias horas e não se destina apenas a recuperar da anestesia, mas de toda a intervenção.

No que respeita às náuseas e vómitos, sabe-se que atingem mais as pessoas jovens, as mulheres e os não fumadores

Reações e complicações

Tonturas, náuseas, vómitos, dores de cabeça ou falhas de memória são sintomas comuns na fase pós-operatória que provocam um desconforto passageiro. No que respeita às náuseas e vómitos, sabe-se que atingem mais as pessoas jovens, as mulheres e os não fumadores. Podem ainda dever-se aos fármacos usados, antes e durante a intervenção, como «os medicamentos para as dores» ou ao tipo de cirurgia — «as do ouvido, da base do crânio, vesícula, estão mais associadas ao enjoo», explica. A dor de garganta, pela irritação provocada pelo tubo colocado durante a cirurgia, é também comum, sobretudo em cirurgias à tiroide ou zona cervical.

As dores de cabeça (cefaleias) podem estar associadas aos fármacos ou à técnica usada, por exemplo na epidural, devido à punção inadvertida da dura mater, a membrana que envolve o cérebro e a medula. O pequeno orifício permite a perda de líquido cefalorraquidiano e a variação de pressão pode gerar dores de cabeça. A solução passa pela toma de medicamentos e o bloqueio do orifício através de um blood patch. Nestes casos, «a pessoa terá de ficar um dia em repouso entre 24 e 48 horas», explica a médica.


Tipos de anestesia

  • Anestesia geral Permite que a pessoa fique imóvel e sem consciência nem qualquer sensação durante o tempo necessário para realizar uma intervenção cirúrgica.
  • Anestesia regional Bloqueia uma zona específica do corpo que perde sensibilidade, mas permite que o paciente fique desperto ou apenas um pouco adormecido. É usada na cesariana e em cirurgias aos membros superiores ou inferiores, por exemplo. São exemplo a raquianestesia, epidural e bloqueios do plexo.
  • Anestesia local Usada para “adormecer” pequenas áreas, por exemplo, para tratar um dente ou suturar uma lesão.

Dúvidas comuns

Rosário Órfão, médica anestesiologista, esclarece o que todos queremos saber.

  • Só devo ser anestesiado uma vez durante toda a vida?
    «Como tudo o que acontece na vida, a anestesia pode ter consequências, sobretudo em idades mais extremas (crianças e idosos), mas não existe um número limite de anestesias pré-definido.»
  • E se for alérgico?
    «O anestesiologista tem de reunir todas as condições de segurança: estudar o doente, preparar o doente e a equipa que vai colaborar, acautelar os medicamentos a que possa ser alérgico e ter medicamentos de urgência caso haja uma reação grave.»
  • Tenho de interromper todos os medicamentos que tomo?
    Não. «quase todos os medicamentos (por exemplo: tiroide, Parkinson ou epilepsia) devem continuar a ser tomados. Geralmente, devem ser interrompidos os que interferem com a coagulação e alguns dos fármacos para a tensão arterial.»
  • Por que não posso beber ou comer antes da anestesia?
    O jejum destina-se a evitar ter «o estômago cheio e a prevenir situações de vómito e eventual aspiração ao ventilar e ao colocar o tubo na traqueia e também quando se interrompe a anestesia.»
  • Quanto tempo vou demorar a acordar?
    «Após a anestesia, o doente acorda gradualmente. O tempo de depende da pessoa e dos medicamentos usados. Os doentes mais idosos precisam de doses mais baixas e têm um início e um fim de efeito mais prolongados.»
  • Posso nunca mais acordar?
    Atualmente, o risco de morte é extremamente raro — quatro mortes em um milhão de pacientes sem doenças graves, segundo dados da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia — e está associado a patologias e situações graves como cirurgias de emergência.

1 mês

é a antecedência ideal para a realização da consulta de anestesia antes de uma cirurgia, defende Rosário Órfão, mas como «isso nem sempre é possível, pelo menos na véspera da operação todos os doentes devem ser vistos por um anestesista»


Deixar de fumar reduz os riscos

«A oxigenação do sangue melhora logo se o doente deixa de fumar. Suspender o tabaco é importante nem que seja um dia antes», aconselha a médica.


Parto com epidural

«Há vários tipos de anestésicos locais – os que são melhores para a analgesia do trabalho de parto são aqueles que tiram a dor mas não a capacidade de a grávida se movimentar para ajudar o parto, ou seja, dão bloqueio sensitivo mas não motor, para poder colaborar», explica Rosário Órfão

Última revisão: Março 2016

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