Nuno Santos: «Amputar a perna foi a melhor decisão da minha vida»

«Amputar a perna foi a melhor decisão da minha vida», afirma Nuno Santos

Depois de uma acidentada sessão de bodyboard, aos 16 anos, Nuno Santos sentiu uma dor na anca esquerda. Ao fim de muitas dúvidas e exames, recebeu o diagnóstico: cancro ósseo. O tratamento permitiu superar a doença, mas os problemas com a anca só foram vencidos com a decisão de amputar a perna.

  • EdiçãoCarlos Eugénio Augusto
  • FotografiaArtur

  • Testemunho deNuno SantosCoautor do livro Vida Acrescentada (Oficina do Livro)

«Cresci com muitos sonhos. Quis ser bombeiro, biólogo, engenheiro. Mais tarde, na adolescência, como adorava desporto fazia parkour e bodyboard. A ideia de viajar pelo mundo só para apanhar ondas fascinava-me e sonhava fazê-lo para o resto da vida. Foi movido por essa paixão que no dia de S. Martinho, em 2007, fui com o meu melhor amigo à Praia Grande, em Sintra. Estava um dia escuro, sem sol. Com um mar muito picado, os surfistas estavam no areal. Mesmo assim fomos para a água. Passei a rebentação, apanhei duas ondas, mas a terceira derrubou-me. Fui arrastado e, com esforço, saí da água. No entanto, algo tinha acontecido. Coxeava e tinha dores na anca esquerda.»

O diagnóstico de cancro

«Não dei relevância a essa dor, mas disse aos meus pais que me tinha magoado. Como não senti melhorias fui ao médico. Fiz TAC, raio-X e ressonâncias. Pensava-se ser um problema numa vértebra, mas passaram- -se seis meses sem conclusões. A certeza é que estava cada vez pior, deprimido e a perder peso. Até que um médico do Hospital da Cruz Vermelha recomendou que fizesse uma PET (tomografia por emissões de positrões) e, passado uma semana, soube o diagnóstico: cancro ósseo na anca esquerda. Estava no estádio IV, uma fase avançada da doença, e tinha metástases pulmonares. Segundo o médico, tinha entre três e cinco por cento de possibilidade de sobrevivência.»

Nuno Santos: «Amputar a perna foi a melhor decisão da minha vida»

«Perguntava: “porquê eu”? Até que percebi: “porque não eu?”»

Uma nova perspetiva

«Ao início, foi um grande choque, mas, quando assentei ideias, essa realidade funcionou como um incentivo. Mais valia três ou cinco por cento que zero! Procurei confortar a família, dizendo-lhes que ia ficar tudo bem e a única solução era vencer a doença. Por isso fui à luta, e, claro, perguntava: “porquê eu”? Até que percebi: “porque não eu?” Na verdade, pensar que só acontece aos outros impede-nos de ver que somos o “outro” dos outros. Essa perspetiva deu-me força para aceitar a doença e rejeitar a negação que estava a deixar-me ainda mais triste. Queria concentrar-me no futuro, fazê-lo acontecer.»

Luta sem tréguas

«Estava tão envolvido em vencer o cancro que fui ganhando ânimo. Sentia-me forte e a família estava comigo. Olhando para trás, não me lembro de muitos momentos de tristeza, pois todos colocávamos uma “máscara” de super-herói quando estávamos juntos, ganhando um “poder” que evitava ver o outro sofrer. O facto de termos sido tão unidos foi uma das razões da minha superação. Agarrava o que ia acontecendo de bom, mesmo que, noutra altura, achasse insignificante. Só assim tive armas para ultrapassar um protocolo com ciclos duros de quimio e radioterapia.»

Nuno Santos: «Amputar a perna foi a melhor decisão da minha vida»

«Na verdade, pensar que só acontece aos outros impede-nos de ver que somos o “outro” dos outros»

Ataque de pânico

«No segundo ciclo de tratamentos, estava vulnerável física e psicologicamente. Um dia, durante o internamento no IPO de Lisboa, tive um ataque de pânico pela dor e solidão que sentia. Queria viver, sentir-me bem, mas não tinha força. Felizmente, no final desse ciclo, o cancro entrou em remissão e já não tinha metástases nos pulmões. Respirámos fundo. Depois, fiz um autotransplante de medula que limpou o organismo, mas significou ficar três semanas no isolamento, a ser alimentado pela veia. No final do processo perdi 30 quilos.»

Novos e dolorosos desafios

«Após derrotar o cancro, fiz uma cirurgia para remover a anca e colocar uma prótese de titânio. A recuperação foi lenta e com muitos percalços. Em 2010, andava com duas canadianas; em 2011, com uma. Depois, em 2012, já não precisava desse apoio, mas coxeava. Até que, um ano depois, desloquei a anca e fui novamente operado. Os médicos avisaram que, por ter feito radioterapia, a cicatrização poderia complicar-se. Isso refletiu-se em várias infeções, que obrigaram a mais cirurgias. Passados quatro anos, a anca continuava a dar problemas e fui deixando de sentir a perna.»

A decisão de amputar a perna

«Os anos passavam e perdi a conta às cirurgias. Estava de rastos. As dores e o sofrimento levaram-me a pensar no que tinha ganho com tantas operações. A resposta era óbvia: “nada”. E, se essa perna estava a boicotar a minha saúde, só havia uma solução: amputá-la. Confrontei a minha família e os médicos com essa possibilidade e tive o aval de todos, ainda que, de início, tivessem colocado alguma resistência. Foi assim que, entre 2016 e 2018, preparei-me física e mentalmente para um novo e decisivo desafio. Para isso, mudei a alimentação e fiz mais exercício físico. O objetivo era preparar o corpo para o que se seguiria: amputar a perna.»

Nuno Santos: «Amputar a perna foi a melhor decisão da minha vida»

«Tenho muito orgulho naquilo que decidi tornar-me e no que aprendi. Graças a isso, consigo apreciar as pequenas coisas da vida que, afinal, têm o tamanho do mundo»

«Quando acordei da operação, senti-me livre»

«Estava um pouco ansioso no dia da cirurgia, mas radiante por, finalmente, me livrar de tanta dor. Quando acordei da operação, senti-me diferente, livre. Depois, foi começar do zero. Era o que precisava. Tive de reaprender a andar, a reequilibrar-me, a viver. Mas, finalmente, podia ser eu outra vez. Nem acreditava que não tinha dores. Ao sair do hospital, senti outra vez a felicidade de olhar para o céu, para a família e amigos, e senti-me grato. Amputar a perna foi a melhor decisão da minha vida, e essa experiência ensinou-me a não desistir, pois, quando damos a batalha por vencida, a derrota é certa.»

«Sinto-me feliz e completo»

«Já tive convites para testar próteses, mas sou tão móvel e rápido com as canadianas que não preciso de mais. Ter apenas uma perna não me impede de abraçar inúmeros projetos. Divido os dias entre palestras, sessões de coaching, ir ao ginásio ou promover o meu livro. Pelo meio estudo representação, pois sonho ser ator. Olhando para trás, sinto que vencer a doença recentrou-me no essencial e transformou-me em alguém mais consciente, exigente, paciente, ponderado, grato e positivo. Tenho muito orgulho naquilo que decidi tornar-me e no que aprendi. Graças a isso, consigo apreciar as pequenas coisas da vida que, afinal, têm o tamanho do mundo.»


Amputar a perna: a história que deu um livro

Vida Acrescentada – Biografia de Nuno Santos
Raquel Santos
Oficina do Livro

Vida Acrescentada, Nuno Santos (Oficina do Livro)

Vida Acrescentada, Nuno Santos (Oficina do Livro)

«Este livro reúne relatos e desabafos que a minha irmã, durante a fase da doença, não teve coragem de me revelar. É um projeto que só foi possível depois de amputar a perna, pois, até aí, não sabíamos se resistiria ao sofrimento. Por outro lado, é um teste à nossa capacidade de superação, de dar voz a um silêncio contido durante anos e algo que, espero, faça acreditar que é possível derrotar o pesadelo da doença.»

Última revisão: Julho 2019

Mais sobre:

Testemunhos

artigos recomendados

Previous Next
Close
Test Caption
Test Description goes like this