A vez da psicoterapia

Mesmo quem não sofre de depressão, fobias, ansiedade ou distúrbio obssessivo-compulsivo pode ter motivos para recorrer à psicoterapia. Será que é o seu caso?

  • PorVanda OliveiraJornalista

Toda a gente tem problemas. Mas a maioria das pessoas tem também a capacidade de os solucionar ou de aprender a viver com eles, quando não é possível resolvê-los. No entanto, quando as dificuldades se adensam e provocam um sofrimento que se torna incapacitante, existe um tratamento que atua a nível psicológico. Como refere à Revista Prevenir Vítor Cotovio, médico psiquiatra e psicoterapeuta, «não podemos desvalorizar a capacidade de introspeção das pessoas para se autodesenvolverem e se autotransformarem, porém, quando os problemas atingem uma tal dimensão, ao nível da persistência e da intensidade, com consequências disfuncionais no dia a dia, a um ponto em que a pessoa sente que já não consegue resolvê-los, faz sentido encontrar uma solução». É aí que entra a psicoterapia.

Psicoterapia, o que é?

«É um tratamento psicológico que se desenvolve através de uma relação terapêutica entre um paciente e um psicoterapeuta, para trabalhar os conflitos que se estão a traduzir em sentimentos, pensamentos e comportamentos que o paciente vive dentro de si e/ou na relação com os outros e que lhe estão a provocar sofrimento e/ou disfuncionalidade», explica Vítor Cotovio. O método terapêutico utilizado depende do modelo que é seguido pelo especialista, seja ele psicólogo ou psiquiatra, com formação em psicoterapia. As abordagens psicoterapêuticas distinguem-se pela forma como os seus autores olham para os conflitos das pessoas e a sua origem.

«Mais importante do que escolher um especialista que siga o modelo psicoterapêutico que tenha mais a ver consigo, a empatia que terá com ele é fundamental para que o processo terapêutico tenha êxito»

As terapias cognitivo-comportamentais focam-se nas crenças e nos comportamentos disfuncionais que fazem parte do consciente dos pacientes; as terapias psicodinâmicas, de base freudiana, procuram explicar os conflitos pessoais com base no inconsciente do paciente; as terapias humanistas e existenciais acreditam na capacidade de a pessoa se autorrealizar e potenciam a vontade, a liberdade e a responsabilidade do próprio. Existem muitas outras correntes, como a das terapias transpessoais que integram o paciente no seu plano espiritual.

A importância da relação terapeuta-paciente

É possível saber qual a corrente que cada terapeuta segue através da sociedade psicoterapêutica a que pertence. «Em Portugal, existe, por exemplo, a Sociedade Portuguesa de Psicanálise, a Associação Portuguesa de Terapias Comportamental e Cognitiva e a Sociedade Portuguesa de Psicoterapias Breves, com um modelo integrado psicodinâmico e existencial», indica Vítor Cotovio. Mas, mais importante do que escolher um especialista que siga o modelo psicoterapêutico que tenha mais a ver consigo, a empatia que terá com ele é fundamental para que o processo terapêutico tenha êxito, algo que só descobrirá após as primeiras sessões. «Está provado que o que cura é a relação empática que aquele especialista, com um determinado modelo e uma determinada técnica, vai explorando no quadro de relação com o paciente, a chamada aliança terapêutica», afirma Vítor Cotovio.

O processo de transferência

Por vezes, nessa relação empática pode acontecer o paciente colocar no psicoterapeuta sentimentos que não têm a ver com ele, como ver no psicoterapeuta um pai ou outra pessoa significativa com quem se relacionou. É a chamada transferência. Por outro lado, também o terapeuta pode fazer contratransferência, um processo idêntico, em que este experimenta emoções em relação ao paciente relacionadas com circunstâncias sentidas na sua própria vida, que o afetaram consciente ou inconscientemente, e que podem surgir em resposta à transferência do paciente. A diferença é que o terapeuta deverá ser capaz de tomar consciência destes sentimentos, podendo geri-los pela sua vigilância interna ou através da supervisão de um terapeuta didata.

Ferramenta de autodescoberta

Além dos casos em que existe um diagnóstico clínico (ansiedade, depressão, fobias e obsessões), existem outros motivos que podem levar alguém a procurar a ajuda da psicoterapia. «Quando a pessoa procura a possibilidade de se autoconhecer, de potenciar os seus recursos e de criar algumas mudanças que a levem a obter uma maior qualidade de vida e bem-estar na relação consigo e com os outros. Por isso, se a pessoa quer entender-se melhor ou quer desatar alguns nós na sua vida, identificar alguns conflitos internos, se quer trabalhar melhor a sua assertividade, a sua autoestima ou a sua confiança, se tem dificuldade em lidar com a adversidade e em controlar os seus impulsos, ou seja, se acha que tem alguma questão na forma de sentir, de pensar e de agir, que traz complicações naquilo que é a relação consigo própria e com os outros e pretende fazer alguma transformação na sua vida que a aproxime mais de momentos de felicidade, pode fazer sentido procurar um psicoterapeuta», afirma Vítor Cotovio.


A primeira sessão

Na primeira consulta, o psicoterapeuta vai querer saber um pouco sobre a história de vida do paciente. «A primeira pergunta que se pode fazer é “O que o trouxe até aqui?” ou “Como é que espera que eu o possa ajudar?”», refere Vítor Cotovio. A partir daí, vai-se fazendo aquilo a que se chama “anamnese associativa”. «Se a paciente responder “vim cá porque estou preocupada com o meu filho”, eu posso perguntar-lhe: “Quantos filhos tem?”. E, assim, de forma associativa, vou conhecendo aquela pessoa sem parecer que lhe estou a fazer um interrogatório», descreve.

Tempo necessário

A duração do tratamento e a duração e frequência das sessões de psicoterapia variam muito consoante o modelo terapêutico seguido. «Nos modelos cognitivo-comportamentais, o número e tempo das sessões podem ser mais curtos e estas serem mais espaçadas, de forma a que haja tempo para que se produzam as alterações propostas no comportamento ou na forma de pensar do paciente; nos modelos psicodinâmicos, as sessões tendem a ser mais longas e tanto podem ser semanais como, num momento de aflição, acontecer mais do que uma vez por semana. Nestes modelos mais interpretativos, em que se trabalha ao nível dos conflitos e da personalidade do paciente, o processo terapêutico tende a demorar mais», comenta Vítor Cotovio.

A evolução da terapia

À medida que a relação com o paciente se desenvolve, o psicoterapeuta «vai descodificando os conflitos que limitam aquela pessoa na sua funcionalidade e que lhe provocam sofrimento de forma a que haja uma evolução ou a mudança que lhe permita sair da zona de mal-estar para um zona de mais bem-estar», refere.

«Colocamos à superfície as capacidades que as pessoas têm para depois elas próprias as desenvolverem»

O facto de a pessoa se sentir compreendida e não julgada pelo psicoterapeuta é um bom catalisador para essa mudança. «Para mudarmos, precisamos de sentir que somos aceites, que nos compreendem e não nos julgam», explica Vítor Cotovio. Outro papel importante do psicoterapeuta é identificar as potencialidades que o paciente não reconhece em si quando tem uma autoestima baixa. «Colocamos à superfície as capacidades que as pessoas têm para depois elas próprias as desenvolverem», explica o psicoterapeuta.


Psicoterapia em números

  • 30 a 60 minutos É o tempo médio de uma sessão de psicoterapia, variável em função do modelo terapêutico.
  • 7 a 15 dias É o tempo médio de intervalo entre sessões. À medida que a pessoa vai evoluindo, vão-se espaçando as sessões, podendo passar a ser quinzenais ou de três em três semanas.
  • 6 meses a 2 anos É o tempo médio de tratamento psicoterapêutico.

Os psicoterapeutas também fazem psicoterapia

Durante a sua formação, o psicoterapeuta sujeita-se à psicoterapia. «Especialmente se pertence à corrente psicodinâmica e/ou existencial, é fundamental que a pessoa conheça o seu inconsciente. É a chamada psicoterapia didática», comenta Vítor Cotovio. Mais tarde, quando começa a receber os primeiros pacientes, o psicoterapeuta faz a supervisão, «colocando os seus casos e a forma como está a dirigi-los a um psicoterapeuta sénior, para que este veja se está a acompanhá-los bem», explica. Quando o psicoterapeuta já está mais treinado, pode já não precisar da supervisão, «o que não quer dizer que em determinados casos não tenha necessidade de ir ter com um colega para ter um outro olhar e então vai ter uma sessão de supervisão».


Psicoterapia de grupo

Além da terapia individual, de casal e familiar (quando, para além do casal, envolve, por exemplo, os filhos) existe a psicoterapia de grupo, em que, por exemplo, pacientes com problemas idênticos, como a dependência do álcool ou a anorexia, partilham o que sentem sob a orientação de um psicoterapeuta.


Vários tipos de terapia: Qual a melhor para si?

Existem várias correntes que podem ser agrupadas em três planos principais.

  1.  Plano do consciente: Terapias cognitivo-comportamentais
    É a abordagem mais utilizada quando se identificam comportamentos ou crenças disfuncionais no paciente, de maneira a torná-lo mais eficaz na resolução de problemas.
    Poderá ser indicado para quem tem um pensamento generalizado acerca da sua vida (“a mim tudo de mau me acontece”) ou tem uma fobia específica (por exemplo, não consegue atravessar uma ponte).
  2. Plano do inconsciente: Terapias psicodinâmicas
    É um modelo interpretativo que pretende resolver os conflitos através da sua análise e compreensão. Tem as suas origens na psicanálise, tendo por base autores como Freud e outros de orientação analítica.
    Poderá ser indicado para quem pretende explorar a forma como o seu inconsciente pode influenciar o seu comportamento e a sua vida.
  3. Plano da existência: Terapias humanistas existenciais
    Trabalha as questões relacionadas com angústia existencial, colocando o foco na capacidade de fazermos as nossas próprias escolhas com liberdade e responsabilidade.
    Poderá ser indicado para quem procura o sentido para a vida, vive com a inquietação da morte ou com o medo da responsabilidade.
Última revisão: Fevereiro 2016

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