Aníbal Marinho: «Os suplementos nutricionais orais não são substitutos de refeição»

Aníbal Marinho. «Os suplementos nutricionais orais não são substitutos de refeição»

Apesar de serem produtos de venda livre fora da alçada do Infarmed, os suplementos nutricionais orais «têm fins medicinais específicos, não são para a população em geral», esclarece Aníbal Marinho em entrevista à Prevenir.

  • PorVanda OliveiraJornalista

Entrevista aDr. Aníbal Marinho
Médico intensivista, presidente da Associação Portuguesa de Nutrição Entérica e Parentérica (APNEP)

Os suplementos nutricionais orais são produtos de venda em farmácias não sujeitos a receita médica. Estão acessíveis a toda a população, mas não são para toda a gente. Na maioria dos países da Europa, onde estes produtos são comparticipados em alguns casos a 100 por cento, é mais fácil perceber que se destinam a situações específicas de doença. Em entrevista à Revista Prevenir, Aníbal Marinho, médico intensivista, presidente da Associação Portuguesa de Nutrição Entérica e Parentérica (APNEP), esclarece as principais dúvidas. Leia as respostas e veja os vídeos.

«Estes produtos devem ser utilizados apenas por indicação de um profissional de saúde»

O que são exatamente suplementos nutricionais orais?

Os suplementos nutricionais orais são soluções nutricionais que utilizamos em casos de malnutrição associada à doença. Destinam-se a uma alimentação especial, com fins medicinais específicos com o objetivo de satisfazer as necessidades nutricionais de quem não consegue obter essas necessidades nutricionais pela via tradicional, através da alimentação habitual. Têm o benefício óbvio de ganho de peso e de ganho de massa muscular, evitando as complicações associadas à malnutrição, como a perda de força muscular, a perda de qualidade de vida e internamento hospitalar. Portanto, estamos a falar de produtos com fins medicinais específicos e não para a população em geral.

Em que situações clínicas específicas costuma aconselhar a sua toma?

Os suplementos nutricionais orais são usados com alguma frequência em doentes com patologia oncológica, diabetes, doenças renais ou demência, em doentes geriátricos e em situações pós-operatórias. Ou seja, quando não conseguimos pela alimentação habitual que o doente atinja a carga calórica necessária para que não ocorra perda de peso, usamos este tipo de suplementação, para complementar a ingestão calórica diária. Estes produtos devem ser utilizados apenas por indicação médica ou indicação de um profissional de saúde, como o nutricionista.

Os suplementos nutricionais orais «têm de ser monitorizados porque interferem na nossa massa muscular, mas também podem interferir na vitalidade dos nossos órgãos», alerta Aníbal Marinho

No entanto, estão acessíveis a qualquer pessoa…

Sim. Uma vez que estes produtos não estão sob orientação do INFARMED, não estão sujeitos a receita médica e são de venda livre. A Associação Portuguesa de Nutrição Entérica e Parentérica (APNEP) anda há vários anos a pedir ao Ministério da Saúde para que estes suplementos passem para a tutela do INFARMED, de forma a regulamentar a sua utilização e garantir que são utilizados de uma forma adequada.

Que ideias erradas estão associadas a estes suplementos nutricionais orais?

Aquilo que nós verificamos é que, muitas vezes, as pessoas interpretam estes suplementos como sendo polivitamínicos e, inclusivamente, há quem os use como suplementação proteica para a atividade de ginásio. Ora, não é este o fim destes suplementos. Além de que devem ser utilizados sob a supervisão de um profissional de saúde desde a sua recomendação à posterior monitorização e revisão terapêutica.

«É excessivo pensarmos que podemos substituir uma refeição por este tipo de produtos. As pessoas devem comer normalmente»

Por que é importante a monitorização da toma destes suplementos por um profissional de saúde?

Estes produtos têm de ser monitorizados porque interferem na nossa massa muscular, mas também podem interferir na vitalidade dos nossos órgãos. Se nós estamos a dar um suplemento, por exemplo, proteico a uma pessoa que tem disfunção renal ou tem problemas renais vamos agravar o seu estado clínico, portanto, todos estes produtos necessitam de uma vigilância clínica apertada. Não podemos estar a banalizar a sua utilização. Além disso, é excessivo pensarmos que podemos substituir uma refeição por este tipo de produtos. As pessoas devem comer normalmente.

A falta de apetite associada a uma doença pode ter indicação para a toma de suplementos nutricionais orais?

Sim, o exemplo típico é após o diagnóstico de uma patologia neoplásica. Quando o paciente recebe a notícia perde o apetite, levando a uma perda de peso que depois é agravada pela própria terapêutica oncológica e que vai ter impacto negativo no prognóstico da doença. Nessas situações faz sentido utilizarmos este tipo de suplementos para que as pessoas que têm falta de apetite possam na mesma ter um aporte calórico desejável para que não tenham perda de peso nem antes, nem durante, nem após o tratamento. Repare, nós temos doentes que recebem tratamentos de ponta, que custam milhares de euros, e que até podem curar a sua doença, mas ficam com um estado nutricional tão debilitado que depois não conseguem ter qualidade de vida. Muitos deles até acabam por falecer apenas pelo seu estado nutricional que é extremamente debilitado. Temos, por exemplo, doentes internados em cuidados intensivos em que nós fazemos um esforço enorme para os recuperar e quando chegamos à fase de desligar os ventiladores, estes doentes têm uma perda de massa muscular tão substancial que não conseguem ser autónomos do ventilador, ou seja, não têm força muscular suficiente para se conseguirem separar do ventilador e muitos deles, infelizmente, acabam por falecer.

Portugal é dos poucos países europeus que não tem comparticipação para suplementos nutricionais orais, apesar de serem «vitais para o prognóstico de muitos doentes», como explica Aníbal Marinho

O que falta fazer para melhorar a literacia sobre nutrição clínica em Portugal?

É importante que as pessoas tenham uma ideia geral de que os suplementos nutricionais orais têm um papel muito sério no suporte terapêutico clínico de um doente que está internado no hospital, de um doente que tem uma malnutrição associada à doença ou de uma pessoa idosa que tem uma perda de apetite significativa. Estamos envolvidos na campanha europeia (ONCA) de nutrição adequada para todos, que envolve 18 países e em que Portugal tem um papel muito ativo desde 2016. Temos um suporte muito grande por parte do Ministério da Saúde e a Direção-Geral da Saúde tem feito sair normas para regulamentar a utilização destes produtos. Portanto, há muita coisa que tem sido feita, mas há muito mais coisas a fazer. Portugal é dos poucos países europeus que não tem uma comparticipação para este tipo de produtos que são vitais para o prognóstico de muitos doentes. Se nós banalizamos a utilização destes produtos para situações que não para fins exclusivamente clínicos, acabamos por não conseguir convencer nenhum governo a apoiar a comparticipação destes produtos que apesar de não serem extremamente onerosos, acabam por ser onerosos para quem realmente precisa deles.

Pode enumerar alguns países onde estes produtos já sejam comparticipados?

Um deles está mesmo ao nosso lado. Espanha já comparticipa estes produtos desde o século passado, pelo menos há 21 anos.

Última revisão: Março 2021

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