Suplementos alimentares e prevenção de doenças cardiovasculares e cancro: qual a relação?

Suplementos alimentares e prevenção de doenças cardiovasculares e cancro: qual a relação?

Se a inflamação e o stresse oxidativo têm um papel no desenvolvimento das doenças cardiovasculares e do cancro, será que os suplementos alimentares podem ter efeitos anti-inflamatórios e antioxidantes que ajudem a prevenir estas doenças?

  • Professor Doutor António Vaz CarneiroMédico especialista em Medicina Interna, Nefrologia e Farmacologia Clínica, Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, onde preside ao Instituto de Saúde Baseada na Evidência. Diretor da Cochrane Portugal e coordenador do Choosing Wisely Portugal, projeto da Ordem dos Médicos

Os suplementos alimentares constituem uma indústria de grandes dimensões: só nos Estados Unidos, calcula-se que o valor deste negócio seja superior a 10 mil milhões de dólares anuais. Esta prática está presente no mundo inteiro, com milhões de pessoas ingerindo diversos tipos de suplementos alimentares, numa perspetiva preventiva de diminuição da mortalidade global, cardiovascular e oncológica, manutenção da saúde ou aumento energético.
A crença sobre os benefícios dos suplementos alimentares tem várias causas: a noção de que “se é natural, deve ser bom”, de que as intervenções são dicotómicas (isto é, se não faz mal, deve fazer bem…), mas também numa ausência de compreensão sobre os efeitos destes compostos na saúde e a conhecida tendência para se considerar melhor errar por exagero do que por omissão.
Como em todos os casos que têm a ver com ingestão de substâncias ativas, a sua utilização regular deve basear-se em dados científicos sobre os dois aspetos mais importantes: o benefício e o risco.

Os suplementos alimentares podem ter efeitos anti-inflamatórios e antioxidantes. Este é o racional que tem servido de justificação para se associar a toma de suplementos à prevenção destas doenças

O ponto de partida para um novo estudo

Mais de metade da população adulta norte-americana (52 por cento) toma pelo menos um suplemento alimentar e 31 por cento relata o uso de um suplemento multivitamínico-mineral. Os motivos mais apontados são a promoção da saúde e o bem-estar geral e o preenchimento de lacunas de nutrientes na dieta. Está demonstrado que a inflamação e o stresse oxidativo têm um papel no desenvolvimento das duas principais causas de morte nos Estados Unidos, as doenças cardiovasculares e o cancro. Por seu lado, os suplementos alimentares podem ter efeitos anti-inflamatórios e antioxidantes. Este é o racional que tem servido de justificação para se associar a toma de suplementos à prevenção destas doenças. Recentemente, a prestigiada US Preventive Services Task Force (USPSTF), uma agência americana dedicada ao estudo e implementação de medidas preventivas na saúde, decidiu fazer uma revisão de estudos e pôr à prova esta teoria.

Análise do benefício e risco

A revisão sistemática da literatura médica foi publicada recentemente (doi:10.1001/jama.2022.8970) e teve como objetivo definir a eficácia e segurança da suplementação alimentar com nutrientes isolados ou em combinação, e/ou multivitaminas, na redução do risco de doença cardiovascular e cancro em adultos (grávidas excluídas). As análises sobre o benefício/risco da amostra combinada destes estudos – na ordem das centenas de milhares de pessoas saudáveis – concluem pela inexistência de benefício sobre a mortalidade global, cardiovascular e oncológica das vitaminas A, C, E, D (com ou sem cálcio), B3 e b6 – tomadas isoladamente ou sob a forma de multivitamínicos – do cálcio, do ácido fólico (com ou sem vitamina B12) e das vitaminas B3 e B6. Verifica-se, no entanto, um aumento da mortalidade e da incidência de cancro do pulmão com a utilização dos betacarotenos (com ou sem vitamina A).

Em conclusão

A USPSTF concluiu que a evidência atual é insuficiente para avaliar o equilíbrio de benefícios e riscos do uso de suplementos multivitamínicos ou de nutrientes isolados para a prevenção de doenças cardiovasculares ou cancro e desaconselha o uso de suplementos de betacaroteno ou de vitamina E.
Em conclusão, para promover a saúde e bem-estar geral gaste os seus recursos, por exemplo, na prática de exercício físico regular.

Última revisão: Fevereiro 2023

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