"Quero mudar!": o passo a passo para conseguir

Por que não consegue mudar e o que fazer para não desistir

Definir objetivos é mais fácil do que levá-los adiante, mas não tem de ser assim. Com a ajuda de um psicólogo e de um coach elaborámos um guia com o que precisa de saber para começar a tirar os planos do papel. E mudar de vida.

  • PorBárbara BettencourtJornalista

 

  • ColaboraçãoOsvaldo Santos
    Psicólogo clínico e da saúde, assistente convidado da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e investigador do Instituto de Saúde Ambiental
    Pedro Vieira
    Coach, autor do livro Spider — Como Definir Objetivos Irresistíveis (Pergaminho)

Não começamos com uma boa notícia. A crer nas estatísticas, só cerca de 30 por cento dos planos e intenções de mudança resultam de facto em mudança, revela o psicólogo clínico e da saúde e investigador do Instituto de Saúde Ambiental (ISAMB) Osvaldo Santos. A verdade é que mudar é difícil e as teorias de que basta força de vontade ou de que o que custa é começar não passam de mitos (ver caixa). A boa notícia é que podemos mudar. A ideia de que as pessoas não mudam também é falsa. Também não é verdade que haja pessoas com um grande dom para atingir objetivos e outras não. Segundo o coach Pedro Vieira, autor do livro Spider — Como Definir Objetivos Irresistíveis (Pergaminho), «todos temos áreas de vida onde a mudança é mais acessível e outras onde é mais difícil. Por vezes, atletas de alta competição ou CEO têm facilidade em concretizar metas profissionais, mas são incapazes de fazer mudanças nos relacionamentos», assevera. Se costuma definir objetivos que não consegue cumprir, vale a pena investigar o que pode estar na origem do problema e aprender a tomar as rédeas da sua vida. É que, como diz James Clear, autor do livro Hábitos Atómicos (Lua de Papel), «o sucesso é o produto de hábitos diários, não de transformações que acontecem uma vez na vida».

«Tomamos cerca de 200 decisões alimentares por dia, a maior parte de forma automática. Quando, numa pastelaria, nos perguntam se queremos café, tendemos a responder com a resposta habitual neste cenário. Quanto mais repetimos uma escolha, mais fácil ela fica de se fazer no futuro»

O poder do hábito no processo da mudança

A ciência corrobora a ideia de que somos animais de hábitos. Estamos programados para seguir a lei do menor esforço e procurar o prazer imediato. «Quando falamos de mudanças a longo prazo, estamos a falar na construção de novos hábitos. Tecnicamente um hábito é uma memória, mais precisamente uma memória associativa entre um estímulo e uma resposta. Na sua formação estabelecem-se ligações neurológicas mais rápidas do que outras que são concorrentes. É isto que permite tomar dezenas de decisões diariamente quase sem pensar», explica Osvaldo Santos. A maior parte das coisas que fazemos funcionam desta forma. «Há um estudo que refere que tomamos cerca de 200 decisões alimentares por dia, a maior parte de forma automática. Quando, numa pastelaria, nos perguntam se queremos café, tendemos a responder com a resposta habitual neste cenário. Quanto mais repetimos uma escolha, mais fácil ela fica de se fazer no futuro. Por isso, é mais fácil mudar apenas um comportamento de cada vez. Para eliminarmos um hábito temos de repetir um comportamento alternativo o número de vezes suficiente para ele se tornar predominante e ficar automatizado», explica o psicólogo.

“Agora” soa melhor do que “Depois”

Outra das razões que tornam difícil a mudança de hábitos é o facto de sermos “máquinas” de gratificação imediata: preferimos o chocolate agora à recompensa de estar em forma daqui a dois meses. «Todas as escolhas que são associadas a recompensas ativam os circuitos de prazer no cérebro e tornam muito difícil dizer “não”. Se estamos a fazer dieta e nos perguntam se queremos sobremesa, temos de optar entre o prazer imediato de um pudim e a ausência de qualquer gratificação momentânea, o que requer um esforço muito maior», exemplifica Osvaldo Santos. Felizmente, há estratégias para conseguir pôr estes mecanismos a trabalhar a nosso favor.

Prepare-se para não desistir

São muitos os fatores que nos podem fazer perder a motivação. Preparar-se é o melhor antídoto, garante o coach Pedro Vieira.

Use o método dos checkpoints
«Se o objetivo é perder dez quilos em seis meses, defina em que ponto quer estar daqui a três meses, dois meses ou uma semana. Ter minimetas ajuda a recolher evidências dos progressos, o que dá alento. Pode ser sentir-se com mais energia ou subir as escadas sem ficar ofegante. Estes miniobjetivos também são úteis para fazer eventuais ajustamentos ao plano se não estiver a haver resultados.»

Preveja situações críticas
«Se estamos de dieta e sabemos que temos dois aniversários, planeamos de antemão o que vamos fazer. Se vamos, se não vamos, se mantemos a dieta ou não. Podemos prever cumprir o plano em 90 por cento do tempo, deixando margem para algumas más escolhas como fazem alguns nutricionistas com o célebre “dia da asneira”.»

Não espere estar sempre motivado
«Todos os anos corro uma maratona e quando estou a treinar sei que nem todos os dias me vai apetecer correr, mas não tomo esse sinal como algo para não ir. A pergunta que pode ajudar é: “O que é mais importante agora?” A palavra motivação significa “motivo para a ação”. Às vezes esquecemos o motivo e ficamos mais interessados na gratificação momentânea. Se me conecto com a importância da mudança, é mais fácil implementá-la.»

Em 90 por cento dos casos «o problema que a pessoa quer resolver não é a questão mais importante. Quando vamos mais fundo, vemos que há questões nos relacionamentos mais próximos que são mais relevantes, mas a pessoa evita» Pedro Vieira, coach

Os mitos da mudança

  1. “As pessoas não mudam”
    O facto: «A personalidade não é estática e depende muito das aprendizagens. As pessoas mudam desde que percebam a necessidade de mudança, que há um comportamento alternativo e eficaz para atingir o objetivo», explica o psicólogo Osvaldo Santos.
  2. “Mudar é simples, basta força de vontade”
    O facto:
    «Querer é fundamental, mas não chega. É preciso sermos capazes de adotar comportamentos alternativos, o que depende dos recursos que temos», explica o psicólogo Osvaldo Santos.
  3. “O que custa é começar”
    O facto:
    «O que custa é manter. Todos somos bons a começar; tentamos várias vezes. Mais complicado é adquirir os hábitos», esclarece Osvaldo Santos, psicólogo.

4 motivos que podem explicar por que não consegue mudar

De acordo com o coach Pedro Vieira, há quatro coisas que tipicamente falham quando definimos objetivos rumo à mudança.

1. O objetivo não está alinhado com os valores mais importantes para si

«Exemplo: este ano defini um objetivo ambicioso na carreira. Mas, depois, para lá chegar tenho de passar tempo longe da família e a família é a coisa mais importante para mim. Resultado: vou sabotar o objetivo.»
O que pode fazer Antes de definir os objetivos, tenha claros os valores importantes para si. «Se não o fez, não tem de deitar o objetivo fora, pode pensar: “De que forma é que posso redefinir esta meta para estar mais alinhada com os meus valores? Como fazer dieta e continuar a ter prazer a comer?” ou: “Como posso progredir no trabalho sem comprometer a família?”. Colocando os valores na pergunta vai gerar respostas mais criativas.»

2. Não tem em consideração os recursos necessários

«Definimos metas irrealistas e só quando começamos a implementar vemos que não temos os recursos, seja tempo, pessoas que suportem ou outras condições.»
O que pode fazer «Primeiro, pesquise os recursos necessários e depois defina o objetivo tendo em conta esses recursos. Se não consegue ter duas horas para ir ao ginásio, talvez possa ter a meta de fazer meia hora de exercício em casa. Pergunte: “O que posso fazer com 30 minutos por dia para melhorar a condição física?”.»

3. Não tem coragem para fazer o que é necessário

«O objetivo está alinhado com os valores e tem recursos externos mas faltam recursos internos: a confiança. Toda a mudança implica o desconforto de fazer coisas novas e para isso é preciso coragem.»

O que pode fazer «Procure examinar as suas crenças em relação a quem é e ao que é capaz de fazer. Pode ser útil a ajuda de um psicólogo ou coach já que muitas crenças têm origem na infância. O objetivo passa a ser ultrapassar estas limitações.»

4. As metas não são entusiasmantes

«Definimos a meta de fazer exercício físico, mas detestamos isso ou queremos brincar mais com os filhos, mas isso não é estimulante para nós. Não há um estímulo positivo.»
O que pode fazer «Quando formular o objetivo, pense logo na motivação: “De que forma é que isto pode ser divertido?”.»

«Em média, para alterar comportamentos simples, como comer fruta em vez de pudim à sobremesa, precisamos de repetir a opção de forma consistente: pelo menos 2 meses, todos os dias. Quanto mais repetir menos probabilidade de recair, em especial se mantiver o hábito além de seis meses», explica o psicólogo Osvaldo Santos.

O caminho para qualquer mudança. Descubra em que fase está

«Mesmo que às vezes pareça que a mudança foi repentina, as pessoas mudam sempre de forma construída», explica Osvaldo Santos. Analisar o discurso dos pacientes permite ao psicólogo clínico e da saúde perceber em que fase do processo da mudança se encontram. Pode usar o mesmo método para analisar os seus objetivos e perceber se vai fazer parte dos 30 por cento que mudam ou dos 70 por cento que ficam na mesma.

  1. Fase pré-contemplativa
    É a fase em que se nega o problema. «São aquelas pessoas que vão a consultas porque a mulher ou o marido pediram. Dizem: “Em rigor não tenho um problema com o álcool, devia ver os meus amigos, esses é que têm problemas!”». Se está nesta fase, ainda nem chegou a criar um objetivo.
    Faça assim: Se duas 1. poderá estar em negação.
  2. Fase contemplativa
    Já reconhece o problema, mas vê mais prejuízo do que benefício na mudança. Você pensa: “Agora não posso fazer dieta porque estou muito stressada”. «Os argumentos são verdadeiros, mas apontam para a dificuldade». Se se revê nesta fase, saiba que esta pode durar, pelo menos, seis meses.
    Faça assim: «O primeiro passo para a mudança é a alteração de crenças. Comece a pensar de forma diferente sobre as coisas que quer mudar. Pergunte-se: “Este objetivo serve para quê?” Ficar consciente dos valores na base dos objetivos aumenta a probabilidade de agir de forma alinhada com eles. Reflita sobre a pessoa que quer ser e defina valores essenciais para si».
  3. Fase preparatória
    Tem a motivação necessária para mudar em breve. «Está convencida do problema, quer mudar e tem uma motivação acrescida. Aponta uma data específica e entretanto, vai-se documentando, faz pesquisas. Já está a agir apesar de ainda não ter encetado a mudança.»
    Faça assim: «Em vez de se focar na meta, procure focar- -se nas ações necessárias para a atingir. Por exemplo, em vez de se motivar para perder 5 kg, motive-se para fazer 30 minutos de exercício físico por dia. O problema das metas é que depois de as atingir não há mais nada.»
  4. Fase da ação
    Está finalmente a fazer as coisas que definiu, mas o seu discurso ainda está centrado no que perde. Você pensa: “Isto custa-me tanto”. “O primeiro cigarro da manhã era um espetáculo”, “Antes tinha a fuga do gelado… “. A probabilidade de recaída é alta nesta fase que, por norma, dura cerca de seis meses.
    Faça assim: Pense que está a tomar decisões que fazem com que viva mais alinhada com o que valoriza. «Se preza a família e a proteção dos filhos, e fumava, sabendo que tem risco de AVC, pode valorizar conscientemente o facto de não fumar a aproximar-se mais de ser uma boa mãe. Assim tira gratificação dessa escolha».
  5. Fase de manutenção
    É a fase em que já vê os ganhos da mudança. A probabilidade de recaída baixa 30 por cento.
    Faça assim: «É importante manter-se motivada para os comportamentos que a tornam a pessoa que quer ser. Continua a focar-se nos comportamentos: em vez de correr 10 km em menos de uma hora, pense em treinar quatro vezes por semana, a ação necessária para continuar a ser alguém que pratica exercício físico. Isto permite manter a motivação.»

Passe à prática: o que quer mudar?

Deixar de fumar, emagrecer e ser mais produtivo no trabalho são algumas das mudanças mais ambicionadas. Pedimos ao coach Pedro Vieira um roteiro com dicas básicas do que fazer e evitar em cada caso. Para começar já.

Deixar de fumar
A par da dependência química, há que criar um plano de mudança de hábitos para se livrar da dependência emocional:

Faça isto

  • «Escreva uma lista de dez coisas que vão melhorar na sua vida ao deixar de fumar. Isto faz com que se conecte com os benefícios específicos de deixar de fumar no seu caso e, no processo, pode ser que encontre benefícios em que não tinha pensado.»
  • «Partilhe o objetivo com pessoas próximas e peça para elas a apoiarem. Inclua os amigos fumadores. Quando falar com eles, diga: “Deixei de fumar”, em vez de “Estou a deixar de fumar” ou, ainda melhor: “Agora só respiro ar saudável”, de forma a definir o objetivo pela positiva.»
  • Crie um estímulo positivo. «Ao fim de 15 dias sem fumar, pode premiar-se ou ir celebrar em família. Partilhe o objetivo com os filhos e peça para eles todos os dias assinalarem uma marca num quadro de honra. Assim o processo fica associado a uma coisa divertida.»

Não faça isto

  • «Estar constantemente a lembrar como é bom fumar dizendo coisas como “Agora é que sabia bem um cigarro”.»
  • «Estar em contextos onde já sabe que é mais fácil ter vontade de fumar.»
  • «Pensar: “Só um cigarrinho não faz mal”. Basta fumar um cigarro para voltar a ativar o ciclo de dependência.»

Perder peso
Não se esqueça de que um plano para a perda de peso deve ser feito preferencialmente com ajuda profissional, já que é determinante aferir as causas do excesso de peso. Qualquer plano deve incluir dieta, exercício físico e, em casos específicos, acompanhamento psicológico. Se já estiver no processo, tenha isto em conta:

Faça isto

  • «Envolva outras pessoas. Convencer a família a fazer dieta pode ser difícil, mas pode definir o objetivo de comer de forma mais saudável. Assim, transforma a sua meta em algo relevante para eles.»
  • «Esteja preparada. Pode ser difícil comer bem se frequenta pastelarias. Andar com snacks trazidos de casa é uma boa ideia.»
  • «Descanse. Está provado que a perda de peso está associada a um bom padrão de sono.»

Não faça isto

  • «Ficar obcecada com o peso. Siga o plano traçado e faça as avaliações definidas.»
  • «Penalizar-se excessivamente se sair da dieta. Mandar tudo ao ar porque falhou ao pequeno-almoço não é boa ideia. Se falhou, limite-se a voltar ao plano.»

Ser mais produtivo no trabalho
Ter um aumento, estar mais satisfeito ou ser mais produtivo são alguns dos objetivos possíveis no que toca ao emprego:

Faça isto

  • «Elabore uma lista dos benefícios que tem em ser mais produtivo. Parece óbvio, mas as pessoas esquecem-se de muitos. Pense em tudo o que o seu trabalho lhe permite e pode ser que encontre mais motivos para fazê-lo bem.»
  • «Entenda quais são os seus fatores de perturbação, ou seja, identifique os limites à sua produtividade. O que é que a impede de ser mais produtiva? É o colega do lado que é negativo? É o chefe? O que pode fazer sabendo disso?»

Não faça isto

  • «Colocar o foco em coisas que não dependem de si, como o marketing ou as regras da empresa.»
  • «Adiar as tarefas mais importantes. É comum fazermos as coisas mais pequenas primeiro. Por vezes isto acontece porque não temos muito claro o que é mais importante e vamos fazendo o que aparece. Pararmos e pensar no que é mais importante faz a diferença.»
  • «Esquecer-se de que as relações são a base de tudo. Para sermos produtivos é importante estar em espaços com boas relações. Essa pode ser a razão da falta de produtividade.»

Última revisão: Março 2020

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