Os efeitos das alterações climáticas na sua saúde

Os efeitos das alterações climáticas na sua saúde

As alterações climáticas não são uma miragem distante. São um problema real e que já está a afetar a nossa saúde e a causar mortes prematuras. Saiba como proteger-se.

  • PorSofia TeixeiraJornalista
  • EdiçãoVanda Oliveira

O impacto das alterações climáticas na saúde não é uma miragem distante. É um problema real, que já nos afeta a todos e causa muitas mortes prematuras, sobretudo entre os mais vulneráveis, como os idosos. O aumento dos problemas respiratórios, cardiovasculares e de pele, bem como de algumas doenças oculares e infecciosas, está diretamente ligado a fenómenos decorrentes da crise climática. Nem a nossa saúde mental escapa a este impacto. Como nos podemos proteger?

O impacto das alterações climáticas no sistema respiratório

As doenças respiratórias matam 40 pessoas por dia em Portugal e, pese embora o consumo de tabaco continue a ser um dos maiores culpados, a poluição, sobretudo nas cidades, é um fator de risco cada vez mais importante. Um estudo recente publicado no European Heart Journal, e desenvolvida pelo Instituto Max Plank de Química e a Universidade Médica de Mainz, ambos na Alemanha, estima que, em 2015, tenham ocorrido no nosso País cerca de 15 mil mortes provocadas pela poluição atmosférica, grande parte delas associada a problemas respiratórios.

Desde 2007, o número de estudos científicos sobre saúde e alterações climáticas aumentou mais do que o triplo, de acordo com o The Lancet

Os efeitos na saúde respiratória

Os impactos das alterações climáticas nos problemas respiratórios, de acordo com o médico pneumologista Jaime Pina, acontecem por várias vias: «Uma delas são os fenómenos meteorológicos extremos, nomeadamente as ondas de calor, que afetam muito as pessoas que tem insuficiência respiratória crónica — nomeadamente doença pulmonar obstrutiva cronica (DPOC) — quer descompensando, quer provocando a morte. Outra está relacionada com o aumento dos incêndios florestais, em que se verifica um aumento dos episódios de bronquite, asma e infeções respiratórias». Por outro lado, o aquecimento e a menor humidade do ar, «causa ilhas de poluição nas cidades com consequências a curto prazo – no aumento das pneumonias e da descompensação da DPOC – e a longo prazo, a nível da incidência de cancro do pulmão». Além destes elementos, há em Portugal outro tipo de poluição, com potencial de causar inflamação no aparelho respiratório: «a poluição transfronteiriça, com nuvens de poeiras que vêm das áreas desérticas, no nosso caso do Norte de Africa».

Grupos de risco

  • Pessoas com doenças respiratórias crónicas, como a DPOC.
  • Pessoas mais fragilizadas social ou economicamente, no caso das ondas de calor.

O que pode fazer
O médico pneumologista Jaime Pina recomenda, sobretudo nas alturas em que há fenómenos da poluição atmosférica mais intensos:

  1. Sair da cidade para o campo, sempre que possível.
  2. Evitar fazer exercício físico na rua.
  3. Usar máscara na cidade.

Através do site waqi.info, é possível conhecer os níveis de poluição atmosférica da zona em que se encontra

O impacto das alterações climáticas no sistema cardiovascular

Um estudo publicado no European Heart Journal sugere que a contaminação atmosférica pode ter causado cerca de 8,8 milhões de mortes em 2015, quase o dobro das estimativas. Entre 40 e 80 por cento dos óbitos estão relacionados com doenças cardiovasculares. De acordo com os autores do estudo, investigadores do Instituto Max Plank e da Universidade Médica de Mainz, os principais responsáveis são as chamadas partículas finas que entram na circulação sanguínea, causando inflamação local e lesões vasculares como a aterosclerose, o que leva ao aumento de doenças cardiovasculares, como o enfarte do miocárdio e a insuficiência cardíaca.

Em 2016, o número de pessoas com mais de 65 anos expostas a ondas de calor aumentou 125 milhões face ao ano 2000, de acordo com o The Lancet

Os efeitos na saúde cardiovascular

O presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia, Manuel Carrageta, aponta os verões cada vez mais quentes e os invernos cada vez mais frios como um fator de risco cardiovascular. «No inverno, o frio leva as artérias a contraírem-se, o que vai diminuir o afluxo de sangue ao coração, que tem de fazer um esforço maior para o fazer chegar às diferentes partes do organismo. Para compensar, a frequência cardíaca e a pressão arterial sobem, o que ainda vai sobrecarregar mais o coração», explica. Já no verão, só quando as temperaturas ultrapassam os 30 graus e, nomeadamente, quando ocorrem vagas de calor, volta a observar-se um aumento dos ataques cardíacos, «já que o aparelho circulatório é submetido a um grande esforço para evitar a subida de temperatura do organismo, com sudação abundante que pode levar à desidratação, o que torna o sangue mais denso e difícil de circular».

Grupos de risco

  • Idosos com patologias subjacentes.

O que pode fazer
Idealmente, as pessoas mais idosas ou aquelas com risco cardiovascular identificado devem, tanto quanto possível:

  1. Evitar a exposição a temperaturas muito altas ou muito baixas.
  2. Evitar ambientes poluídos em dias de muito calor.
  3. Fazer a vacinação contra a gripe. «A febre deixa o coração em esforço e a gripe provoca uma inflamação que torna o sangue mais viscoso e dificulta a sua circulação», explica Manuel Carrageta.

As alterações climáticas e as doenças infecciosas

O impacto do aquecimento global, na área das doenças infecciosas prende-se com a expansão geográfica de doenças transmitidas por vetores, como os mosquitos. A maior preocupação na Europa, explica Jorge Atouguia, especialista em Infeciologia e Medicina Tropical e presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina do Viajante, é «o surgimento de doenças virais como o zica, o chikungunya e o dengue, transmitidas pelos mosquitos do género Aedes». E exemplifica: «Houve dengue na ilha da Madeira em 2012; casos de chikungunya em Itália, em Espanha e França, casos autóctones de zica em França e, no passado mês de novembro, foi descrito o primeiro caso confirmado de transmissão sexual de dengue, em Espanha».

80% da população mundial está em risco de contrair doenças transmitidas por vetores

Grupos de risco
As grávidas, crianças, idosos e pessoas com doença crónica são, como habitualmente, mais suscetíveis a complicações, mas, neste caso, o grupo de risco «são todos aqueles que nunca contactaram com a doença, portanto, quase todas as pessoas que residem no país onde a doença é nova», explica Jorge Atouguia. «Quando o nosso sistema imunitário não conhece o agressor, há a probabilidade de as manifestações serem mais graves.»

O que pode fazer
Protegermo-nos, explica o médico, «passa pela adoção de medidas que previnam a picada dos mosquitos quando viajamos para sítios onde estas doenças são endémicas, nomeadamente com a colocação de redes mosquiteiras, aplicação de repelentes e outras medidas que são sempre detalhadas na Consulta do Viajante – que todos devem fazer antes de partir de viagem. É importante as pessoas terem noção de que o risco começa com elas: se são infetadas, vão transportar os agentes infecciosos consigo para o seu pais de origem».

O impacto das alterações climáticas na segurança alimentar

As alterações climáticas têm um impacto na segurança dos alimentos, com subsequentes efeitos adversos na saúde humana. «Aumentam a exposição dos alimentos e, consequentemente dos humanos, a certos patógenos e toxinas — como a Salmonella, Escherichia coli (E. coli) e Campylobacter —, assim como a contaminantes e resíduos químicos, nomeadamente metais, dioxinas, resíduos de pesticidas e outros contaminantes químicos. O uso crescente destes químicos na produção de alimentos, nomeadamente pesticidas, está relacionado com a necessidade de melhorar a produção e a qualidade nutricional dos alimentos como resposta às dificuldades impostas pelas alterações climáticas», explica Diogo Pestana, professor auxiliar convidado na área de Nutrição e Metabolismo da NOVA Medical School e investigador.

Grupos de risco

  • Grávidas
  • Crianças
  • Idosos
  • Doentes crónicos

O que pode fazer

  1. Optar por alimentos de agricultura biológica, locais e sazonais, como recomendado pela Dieta Mediterrânea — um importante contributo para uma alimentação sustentável.
  2. Comprar alimentos em locais que promovam e/ou implementem a monitorização da qualidade e segurança dos alimentos para evitar exposição.
  3. Estar atento aos alertas dos profissionais de saúde, que têm a responsabilidade de agir publicamente, comunicando as ameaças ao público e aos decisores políticos.

Em 2003, a onda de calor que atingiu a Europa Ocidental provocou um aumento de 70 mil mortes, elevando para quase 50 por cento o número de mortes

O impacto das alterações climáticas na saúde mental

As temperaturas altas afetam o nosso bem-estar, – nomeadamente através da diminuição da qualidade do sono e da diminuição da atividade física, – mas também na alteração do humor e nos comportamentos desviantes em grupos mais vulneráveis, explica Daniela Esteves, psicóloga clínica e da saúde. «Contrariar os efeitos do calor no corpo – que se traduz em reatividade emocional e irritabilidade – nem sempre é fácil, seja porque estes efeitos são fisiológicos, seja porque nem sempre estes grupos de risco têm acesso a ferramentas, como a meditação, que poderiam ajudar.»

Grupos de risco
«Em grupos mais vulneráveis como idosos, doentes psiquiátricos e pessoas desfavorecidas economicamente, pode existir a tendência para o aumento da violência, agressão ou suicídio

O que pode fazer
«Exercícios de respiração pausada podem ser úteis, bem como o contacto com espaços arborizados, como parques e jardins: não só porque há sombra e o ar e mais fresco, como porque o contacto com a Natureza normaliza os batimentos cardíacos, que tendencialmente aumentam com as temperaturas altas», explica Daniela Esteves.

As novas doenças da ecologia

«A ocorrência de catástrofes de ordem climática – cheias, furacões, secas, derrocadas, vagas de frio e incêndios florestais – pode provocar stresse pós-traumático, ecoansiedade e ecoluto, quer a situação tenha sido vivida, quer tenha sido observada através dos media», indica a psicóloga Daniela Esteves.

Ecoansiedade
«Pode ser descrita como um medo intenso da destruição ambiental e pode manifestar-se de várias formas como culpa, tristeza, raiva, depressão e desesperança pelo estado do planeta, sendo que os grupos de risco para esta situação são as pessoas com perturbação de ansiedade generalizada, jovens pais com filhos pequenos e crianças.»

Ecoluto
É a reação de luto pela perda de ecossistemas, tanto em catástrofes naturais, como nas provocadas pelo homem, que é acompanhada de grande sofrimento emocional. Daniela Esteves lembra que quem experiencia estes processos psicológicos demonstra sinais de boa saúde mental, já que não está em negação perante o que está acontecer diariamente no planeta.


O impacto das alterações climáticas na saúde da pele

«Embora a maioria dos estudos de impacto seja ainda teórica e observacional, sabemos com elevado grau de certeza que o aquecimento global tem um impacto na pele e surgem problemas em pessoas cada vez mais novas», explica a médica dermatologista Marta Almeida Pereira. De acordo com a especialista, além do cancro da pele, o aumento das temperaturas favorece ainda doenças de pele inflamatórias, fúngicas, alérgicas e bacterianas.

Grupos de risco

  • Crianças
  • Grávidas
  • Idosos
  • Pessoas com fototipo baixo (pele e olhos claros)
  • Indivíduos com predisposição (no caso dos eczemas)

Cancro cutâneo

O aumento do cancro cutâneo não pode hoje ser atribuído diretamente às alterações climáticas, mas sim à exposição solar. No entanto, há uma relação indireta: «o aquecimento global leva a temperaturas mais quentes, o que predispõe as pessoas a estar mais na rua, expondo-se mais ao sol».

Como prevenir

  1. Evitar a exposição solar entre as 11h e as 16h.
  2. Usar creme de proteção solar no mínimo com FPS 30.
  3. Usar t-shirt, chapéu e óculos de sol.
  4. Não fazer uma exposição solar intensiva durante o verão.
  5. Não frequentar solários.
  6. Recorrer a um dermatologista em caso de novos sinais.

Eczema e outras doenças

O aumento da temperatura e a poluição criam um ambiente que facilita o surgimento de doenças bacterianas, inflamatórias e fúngicas, «como eczema atópico e de contacto, doença mão-pé-boca, urticária, impetigo, pitiríase versicolor, micoses e hiperidrose», indica a medica dermatologista.

Como prevenir

  1. Boa higiene da pele, com um produto suave.
  2. Não usar água muito quente.
  3. Boa hidratação diária, sobretudo para quem tem pele seca.
  4. Evitar o uso excessivo de antibióticos ou corticoides tópicos.
  5. Ir ao médico em caso de lesão, não deixando o processo arrastar-se e piorar.

O impacto das alterações climáticas na saúde dos olhos

A progressiva destruição da camada de ozono, associada a uma maior exposição às radiações ultravioletas está associada a um risco mais elevado de doenças oculares como cataratas e síndrome do olho seco. Os fenómenos meteorológicos extremos aumentam ainda o risco de incêndios que, de acordo com o médico oftalmologista Luís Gouveia Andrade, estão associados à emissão de partículas que podem afetar os olhos, causando secura, inflamação ou fenómenos alérgicos.

Grupos de risco

  • Idosos
  • Diabéticos
  • Portadores de doenças autoimunes e reumáticas
  • Portadores de doença ocular

Cataratas

«Estima-se que cerca de 20 por cento das cataratas resultem, em parte, da exposição à radiação ultravioleta que causa também outros tipos de doenças oculares, como a queratite (lesão da córnea), conjuntivite, cancro da córnea ou da conjuntiva», esclarece o médico oftalmologista Luís Gouveia Andrade.

O que pode fazer

  1. Usar óculos escuros com lentes adequadas que protejam os olhos das radiações ultravioletas durante todo o ano e mesmo sem sol.
  2. Usar lubrificantes oculares sempre que exista tendência para secura ocular.
  3. Consultas regulares de oftalmologia entre 6 a 12 meses, dependendo da existência ou não de doença ocular.

Síndrome do olho seco

«A síndrome do olho seco, quadro clínico cada vez mais prevalente, terá tendência a ser mais comum e mais grave face à redução dos níveis de humidade e ao aumento da temperatura atmosférica», explica Luís Gouveia Andrade.

O que pode fazer

  1. Usar lubrificantes oculares indicados pelo médico oftalmologista.
  2. Definir pausas regulares, para quem usa muito tempo o computador.
  3. Usar óculos escuros durante todo o ano, mesmo sem sol.

O que nos reserva o futuro?

Em 2018, as emissões de CO2 aumentaram dois por cento em relação ao ano anterior, atingindo o seu recorde, de acordo com dados do Global Carbon Atlas. A emissão destes gases para a atmosfera amplia o efeito de estufa natural que tem como consequência direta o aumento da temperatura global, indicou Jorge Marques, do IPMA no I Workshop Sobre o Impacto das Alterações Climáticas na Saúde, organizado pelo ISAMB/FMUL Além do impacto direto na saúde que já se faz sentir hoje, as alterações climáticas vão ditar uma mudança de cenário em Portugal nos próximos anos, prevê Myriam Nunes Lopes, engenheira ambiental e professora auxiliar na Universidade de Aveiro.

  • Incêndios «Teremos um aumento do risco meteorológico de incêndio e de intensidade destes eventos, o que poderá levar à perda de vidas diretamente pelo fogo e indiretamente pela poluição causada pelos incêndios. Os bombeiros estarão sujeitos a níveis de poluição cada vez mais alarmantes.»
  • Aquecimento global «O clima será mais quente — as temperaturas médias anuais em Portugal podem subir entre 2 e 4°C, sendo que nos meses de verão a subida possa atingir os 6°C — e globalmente mais seco. Prevê-se que o número de ondas de calor aumente em frequência e duração, atingindo temperaturas mais altas e sendo acompanhadas de fenómenos extremos de poluição atmosférica elevada, o que põe em causa a capacidade de adaptação do nosso organismo. Isso é especialmente preocupante perante uma população cada vez mais envelhecida, logo, mais suscetível.»
  • Escassez de água «Os períodos de seca serão mais prolongados, podendo provocar escassez de água nas torneiras, como aconteceu em outubro de 2017 na região de Viseu, Tondela e Lamego.»
  • Subida do nível das águas do mar «O nível das águas do mar em Portugal poderá subir até 81 centímetros em 2050, pondo em risco milhares de habitações e infraestruturas que se situam na faixa litoral do País.»
  • Ciclones e furacões «Uma mudança do regime de ventos fará com que cada vez mais furacões que se deslocam para oeste em direção à América atinjam a costa portuguesa, como aconteceu com o Ophelia, em 2017, cujos ventos fortes provocaram a propagação dos incêndios em Portugal.»
  • Precipitação intensa «Globalmente vai chover menos, mas de forma mais intensa e em períodos curtos, aumentando o risco de inundações. Além do risco de morte direta, aumentam os riscos para a saúde pública pela contaminação do transbordo dos esgotos.»
  • Agricultura «A água disponível para a agricultura também pode escassear, baixando a produção e aumentando os custos da irrigação — e consequentemente do produto final. Além disso, as altas temperaturas e os níveis elevados de poluição podem reduzir a produtividade de algumas colheitas, na silvicultura já vemos isso: as árvores têm maior nível de CO2 disponível, pelo que crescem mais rapidamente, mas muito mais frágeis e muito mais sujeitas a pragas.»

O que podemos fazer para travar estes fenómenos?

Individualmente, cada um de nós deve adotar comportamentos ecológicos, como:

  1. Diminuição do consumo em geral.
  2. Utilização de transportes públicos.
  3. Reutilização de materiais.
  4. Escolha de eletrodomésticos de classe energética elevada.
Última revisão: Janeiro 2020

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