Médico de família: o médico universal

médico de familia: o médico universal

Acompanha-o ao longo da vida, conhece a história da sua família e o meio em que se insere. Afinal quem não precisa de um médico de família?

  • PorVanda OliveiraJornalista

  • Entrevista aDr. João RamosMédico especialista em Medicina Geral e Familiar

Fala com paixão da especialidade médica que escolheu e deseja que cada vez mais as pessoas saibam que o médico de família não é um especialista de “segunda”, mas sim, o primeiro a ser contactado antes de qualquer outro.  João Ramos, médico especialista em Medicina Geral e Familiar, trabalhou em centros de saúde e hospitais, dedicando-se a todo o tipo de pacientes e doenças, da saúde infantil aos mais idosos, acompanhando, ao mesmo tempo, pais, filhos e netos.

«Oitenta por cento ou mais dos problemas de saúde dos portugueses são tratados pelo médico de família»

No seu livro editado pela Manuscrito, Um Médico para toda a Família, fala acerca dos mais variados temas, provando que o médico de família não só pode ajudar a prevenir a doença como a tratar os mais diversos problemas de saúde. «Não há outra especialidade assim, é a mais completa», refere em entrevista à Revista Prevenir.

Grande entrevista a João Ramos

Há quem tenha a ideia de que o médico de família é um médico que não tirou nenhuma especialidade…

Antigamente os “médicos da caixa”, como lhes chamávamos, eram médicos que, depois do curso, iam para os centros de saúde fazer clínica geral, mas isso mudou quando foi criada a especialidade de Medicina Geral e Familiar, em 1985. Hoje, o médico de família tem uma especialidade como qualquer outro médico. Depois dos seis anos no curso de Medicina, cada médico escolhe a sua especialidade e esta implica mais quatro anos de formação. A única diferença é que esta é a única especialidade que não é hospitalar – não trabalhamos no hospital, mas sim no centro de saúde – embora possamos ser chamados ao hospital para fazer urgências nos serviços de Ginecologia Obstetrícia ou Pediatria.

A que se dedica concretamente a Medicina Geral e Familiar?

O grande objetivo desta especialidade é a prevenção, através do acompanhamento da pessoa pela vida fora. O médico de família faz o acompanhamento da gravidez, observa os bebés desde as primeiras vacinas e trata das patologias mais comuns na infância, vigia a saúde na idade adulta e, por exemplo, vai a lares de idosos, como é o meu caso, cuidar dos mais velhos.

Pode dar-nos exemplos de problemas de saúde que o médico de família ajuda a tratar?

Oitenta por cento ou mais dos problemas de saúde dos portugueses são tratados pelo médico de família. Tudo o que não exige internamento, nós tratamos. Fazemos o acompanhamento de quem sofre de depressão ou ansiedade, de fibromialgia ou tendinite, bem como de doenças crónicas como diabetes ou hipertensão. Também fazemos pequenas cirurgias, como a remoção de sinais e quistos. Trabalhamos muito em rede. Cada médico de família tem os seus contactos, colegas de outras especialidades a quem recorre quando surge alguma dúvida. Só os casos mais graves são encaminhados para outro especialista. Por vezes, é também o médico de família que faz o diagnóstico do cancro da mama e que depois reencaminha a pessoa para um especialista da mama ou para o IPO.

«Quem diagnostica a demência é, muitas vezes, o neurologista, mas quem acompanha o doente é o médico de família»

Ainda assim, muita gente só recorre ao médico de família quando precisa de um atestado médico…

A parte burocrática, relacionada com os atestados médicos, as baixas, a prescrição de medicação, as credenciais para análises e as declarações médicas para a Segurança Social, é sempre feita por nós, mesmo quando o doente é seguido no privado. No entanto, o acompanhamento médico que prestamos é igualmente fundamental. Por exemplo, o número de casos de demência no nosso país é muito elevado. Não existem neurologistas em Portugal suficientes para tratar todos os doentes com demência. Por isso, quem diagnostica a demência é, muitas vezes, o neurologista, mas quem acompanha o doente é o médico de família. O mesmo se passa com a depressão. Se cada pessoa que estivesse com uma depressão precisasse de um psiquiatra, não havia psiquiatras suficientes. O médico de família tem formação suficiente, dada pelos próprios especialistas, para fazer este trabalho.

Como podemos saber se devemos procurar o médico de família ou outro especialista para um problema concreto?

Na minha opinião, toda a gente deve ter um médico de família, quer seja no centro de saúde ou, se tiverem seguro de saúde, num hospital privado, e devem procurá-lo em primeiro lugar para que este possa orientá-las.

Mesmo quem tem um seguro de saúde e vai a diferentes especialistas?

Sim. O médico de família é o único que tem uma visão global do paciente e um registo de todas as questões de saúde relacionadas com aquele paciente. As cirurgias que já fez, a medicação que tomou e que está a tomar, as reações alérgicas… Se a pessoa andar a saltar de médico em médico e não for ao médico de família, vai perder esse acompanhamento.

Mas hoje em dia com a propagação dos seguros de saúde, e o acesso facilitado a consultas com diferentes especialistas, há a tendência para procurar um médico específico para cada problema…

É verdade e, por um lado, existe um aspeto positivo nisso, uma vez que o Sistema Nacional de Saúde não consegue responder em tempo útil a todas as situações. Imaginando que você está com um problema no joelho, eu posso reencaminhá-la para um ortopedista, mas se calhar só terá consulta daqui a seis meses, ao passo que se for a um médico da rede do seguro de saúde possivelmente consegue consulta de uma semana para a outra. No entanto, esta facilidade traz um outro problema que é a falta de triagem e que faz com que, por exemplo, uma dor de cabeça motive a ida a um neurologista e à realização de exames que na maior parte dos casos não são necessários. Se, em vez disso, for em primeiro lugar ao médico de família, este poderá orientá-la e dizer-lhe o que precisa de fazer.

«Existe, fundamentalmente, um motivo que deve levar à procura de outro médico de família: a falta de empatia»

Existem diferenças entre o médico de família do centro de saúde e o do hospital privado?

Enquanto que nos centros de saúde, o médico de família faz o acompanhamento de bebés e crianças, grávidas, adultos e idosos, no privado, o médico de família acompanha apenas os adultos saudáveis. As crianças são seguidas pelo pediatra, as grávidas, pelos ginecologistas-obstetras… Outra diferença é que no privado a pessoa tem a possibilidade de escolher o seu médico assistente; no centro de saúde é-lhe atribuído um médico de família. A pessoa não pode escolher, mas pode mudar, bastando para isso fazer esse pedido por escrito, através de uma carta dirigida ao diretor do centro de saúde.

Que motivos devem levar à procura de outro médico de família?

Existe, fundamentalmente, um motivo que deve levar à procura de outro médico de família: a falta de empatia. Se vai ser seguida por um médico durante a sua vida inteira ou durante cinco, dez ou 30 anos, tem de haver uma empatia forte. Se não há empatia, mais vale mudar, pois sem vínculo terapêutico a medicação prescrita não é tomada, os exames não são realizados e os conselhos médicos não são seguidos.

Faz sentido ter dois médicos de família, um no privado e outro no centro de saúde?

Não. Quem tem médico de família num hospital privado pode e deve manter a ligação com o centro de saúde para quando precisa, por exemplo, de uma baixa, de credenciais para análises ou prescrição de medicamentos, mas não faz sentido ser seguido por dois médicos.

Existe vantagens em ter um médico que segue a família inteira?

Na minha opinião, existe. Eu acompanhei um senhor que tinha leucemia. Na capa do meu livro aparece o pai e a neta desse senhor que entretanto também passaram a ser meus pacientes. Conhecendo o pai e o avô dos meus pacientes, eu sei que eles vão estar particularmente ansiosos face à doença do avô, algo que um médico que não segue a família não tem facilidade em compreender. Ao seguir a família, eu não estou só a ver a pessoa, mas também o seu contexto familiar. Havia uma pediatra que estava a seguir um menino e quem ia à consulta com a criança era sempre o avô. A pediatra nunca tinha visto a mãe e achava que ela possivelmente estava sempre a trabalhar e não podia ir à consulta com o filho. Só mais tarde ela soube que a mãe, que era minha paciente, sofria de doença bipolar. Às vezes, o contexto em que se insere uma família pode parecer um pormenor, mas é muito importante.


Tem 15 minutos?

Este é o tempo médio de uma consulta de Medicina Geral e Familiar, que deve fazer uma vez por ano. «O check-up periódico é importante, pois permite detetar precocemente eventuais problemas de saúde que não dão sintomas, mas que provocam alterações nas análises, como colesterol elevado, anemia, doenças da tiroide ou do fígado. Deve levar os seus exames mais recentes, a lista dos medicamentos que está a tomar e levar perguntas anotadas», recomenda João Ramos.


Seja o paciente ideal do seu médico de família

  •  Não minta… acerca da medicação que o médico prescreveu e que não chegou a ser aviada ou tomada até ao fim.
  •  Não omita… outros tratamentos que esteja a fazer, nomeadamente medicinas alternativas.

Vá ao médico de família em caso de…

  • Sensação de que algo não está bem
  • Falta de energia para as coisas do dia a dia
  • Falta de apetite
  • Cansaço
  • Alteração de humor
  • Febre
  • Dores no corpo
  • Insónias

Fonte: Um Médico para toda a Família, Dr. João Ramos, Manuscrito

Última revisão: Junho 2016

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