Fake news na saúde: aprenda a distinguir a verdade da mentira

Fake news na saúde: aprenda a distinguir a verdade da mentira

Na internet, notícias verdadeiras misturam-se com informação falsa, as chamadas fake news, que põem em risco a sua saúde. Aprenda a distinguir a verdade da mentira.

  • PorSofia TeixeiraJornalista

  • ColaboraçãoProf. Doutor António Vaz Carneiro
    Médico e diretor do Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência (CEMBE) e Cochrane Portugal
  • Dr. David Silvério Rodrigues
    Médico especialista em Medicina Geral e Familiar e professor da NOVA Medical School
  • Prof. Doutor David Marçal
    Bioquímico e comunicador de ciência
  • Prof. Doutor Luís António Santos
    Professor de Jornalismo e investigador da Universidade do Minho
  • Dra. Ana Pinto Martinho
    Investigadora do Centro de Investigação de Estudos de Sociologia (CIES -IUL) e editora online do EJO (Observatório Europeu do Jornalismo) em português
  • Dr. Filipe Carrera
    Coordenador da pós-graduação em Marketing Digital do IPAM

“As vacinas causam autismo.” “A dieta alcalina altera o pH do corpo.” “Um estudo descobriu que o açafrão potencia a memória” … Na internet, multiplica-se a desinformação sobre saúde. Notícias verdadeiras, “notícias” falsas, publicidade disfarçada, clickbait, entretenimento e opiniões misturam-se no feed das redes sociais e na pesquisa do Google e outros motores de busca, deixando os utilizadores com dificuldade em distinguir a verdade da mentira. Eis o retrato de uma nova realidade que obriga ao empenho de todos nós no campo da literacia em saúde.

Fake news na saúde

«Um estudo federal descobre que a marijuana é 100 vezes menos tóxica do que o álcool e mais segura do que o tabaco.» Este é o título do artigo na área da saúde mais partilhado no Facebook durante 2018 – com mais de um milhão de partilhas – colocado online pelo extinto site UrHealthGuide.com. O problema? Apesar de parte da informação factual não estar errada, está descontextualizada. É usado só um estudo como fonte e não são mencionadas as limitações metodológicas, é feita uma interpretação abusiva dos resultados e não é feita referência aos efeitos adversos da canábis já conhecidos. Estes são alguns dos problemas apontados pela Health Feedback, uma rede que se dedica a rever a cobertura de assuntos de saúde que, em parceria com a Credibility Coalition, fez a avaliação do conteúdo do artigo e que classificou-o como «não credível e potencialmente nocivo». O caso não é único: no top 10 dos conteúdos sobre saúde mais partilhados em 2018, apenas três passaram no crivo destas organizações, sendo considerados informação científica credível.

O conceito de fake news foi popularizado depois de ter sido usado, em 2016, por Donald Trump, durante a campanha eleitoral, «não por causa de notícias falsas, mas de notícias das quais não gostava e que não lhe eram favoráveis», lembra Luís António Santos

As várias faces da desinformação

O termo fake news (“notícias falsas”) popularizou-se nos últimos anos e acabou por se tornar uma categoria onde se enquadram muitas situações: mentiras e meias-verdades, erros que partem de um trabalho honesto, conteúdo criado propositadamente para enganar, artigos de órgãos de comunicação social, mas também de páginas que não obedecem aos mesmos critérios e que qualquer um pode criar. A Ethical Journalism Network define “fake news” como «informações deliberadamente fabricadas e publicadas com a intenção de enganar e induzir os outros a acreditar em falsidades ou a duvidar de factos verificáveis» – uma definição que pressupõe a intencionalidade de enganar com um objetivo e que, por isso, não abarca a totalidade do problema de desinformação que existe hoje.

«As redes sociais amplificaram o fenómeno, na medida em que deram oportunidade a que cada um de nós seja um meio de comunicação. Antes, a única pessoa na aldeia que não acreditava na vacinação sentia-se isolada, agora percebe que pertence a uma tribo de milhões e todos se alimentam mutuamente com a mesma falsa informação»

É exatamente por haver tantas variáveis pelas quais a informação pode não estar correta que Luís António Santos, professor de Jornalismo e investigador da Universidade do Minho, prefere usar o termo “ambiente de desinformação” em vez de fake news, por entender que abarca melhor a complexidade do tipo de conteúdos e responsabilidades. O conceito de fake news é, na sua opinião contraditório em si mesmo: «É bizarra a ideia de que uma notícia possa ser falsa. Se é falsa, não é uma notícia». O conceito foi popularizado depois de ter sido usado, em 2016, por Donald Trump, durante a campanha eleitoral, «não por causa de notícias falsas, mas de notícias das quais não gostava e que não lhe eram favoráveis. Muitas delas verdadeiras e de acordo com todos os critérios do trabalho jornalístico», lembra Luís António Santos.

Tipos de informação distorcida

O Conselho Europeu patrocinou um relatório que menciona três tipos de distorção da informação, indica Ana Pinto Marinho, investigadora do Centro de Investigação de Estudos de Sociologia (CIES-IUL):

  • Desinformação (disinformation)
    «Informações falsas deliberadamente criadas para prejudicar uma pessoa, grupo social, organização ou país.»
  • Mal-informação (malinformation)
    «Informações baseadas na realidade, usadas para causar danos a uma pessoa, organização ou país.»
  • Má informação (misinformation)
    «Informações falsas que não são criadas com a intenção de causar danos, por exemplo, um engano por parte do jornalista.»

A revolução das redes sociais

Mentiras, boatos e propaganda não são realidades novas. O que é novo é o Facebook, o Google e o Twitter, que tornam esta difusão mais rápida e mais eficaz. «As redes sociais amplificaram o fenómeno, na medida em que deram oportunidade a que cada um de nós seja um meio de comunicação. E temos indivíduos que têm mais poder de influência que alguns meios de comunicação tradicionais», descreve Filipe Carrera, coordenador da pós-graduação em Marketing Digital do Instituto Português de Administração de Marketing (IPAM). A este fenómeno não é alheia a constituição de “tribos online”, que disseminam informação. Pertencer a uma tribo e permanecer perto dela é um mecanismo de sobrevivência de muitos animais, humanos incluídos. Acontece que as redes sociais mudaram a dinâmica das tribos e deram-lhe mais força. «Hoje, a pertença a uma tribo não está condicionada pela geografia, como dantes. Essa é a grande mudança do século XXI. Veja-se o exemplo das pessoas antivacinas: antes, a única pessoa na aldeia que não acreditava na vacinação sentia-se isolada, agora percebe que pertence a uma tribo de milhões e todos se alimentam mutuamente com a mesma falsa informação», sublinha Filipe Carrera.

As fake news têm 70 por cento mais probabilidades de serem retuitadas do que a informação verdadeira, que leva, em média, seis vezes mais tempo a chegar a 1500 pessoas do que a falsa

A partilha exponencial

Em 2018, investigadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT) publicaram, na revista Science, um trabalho no qual analisaram cerca de 4,5 milhões de tweets de perto de três milhões de utilizadores do Twitter. Concluíram que as fake news têm 70 por cento mais probabilidades de serem retuitadas do que a informação verdadeira, que leva, em média, seis vezes mais tempo a chegar a 1500 pessoas do que a falsa. A explicação apontada pelos autores é esta: as pessoas gostam de coisas novas e, na informação falsa, há sempre carácter de novidade, sendo as emoções mais associadas aos tweets com esta informação falsa a surpresa e a indignação. Mais cliques e mais partilhas fazem com que o algoritmo vá dando cada vez mais relevância e visibilidade ao conteúdo. E aquilo que muitos entendem como “verdade” é descoberto, por exemplo, no feed do Facebook, que condiciona o mundo com que cada um tem contacto. A grande questão é que o algoritmo não quer saber se a informação que nos coloca à frente é verdadeira ou falsa. Para combater a desinformação será preciso criar políticas legislativas, a resolução de alguns problemas por parte de plataformas, como o Facebook, e será essencial mais cidadania e literacia: de acordo com o relatório do Observatório da Comunicação – Obercom As Fake News numa Sociedade Pós-verdade, de 2018, 76,1 por cento dos inquiridos não sabem como é escolhido aquilo que lhes é dado a ver.

“Pós-verdade” foi a Palavra do Ano em 2016, eleita pelos dicionários britânicos Oxford. A expressão alude a circunstâncias em que os factos objetivos têm menos influência na formação da opinião pública do que os apelos emocionais e as opiniões pessoais

Como funciona o algoritmo?

Os algoritmos são cálculos matemáticos que, a partir dos dados disponíveis, tentam calcular uma situação futura. Online, operam tendo como base o enorme rasto de informação que deixamos a cada movimento – o big data. E, quando o algoritmo percebe como vemos o mundo, “alimenta-nos” com conteúdos que encaixem no perfil que criou para nós: vemos no email anúncios de viagens se foi isso que pesquisámos recentemente no Google, vemos mais vezes as atualizações de perfil de amigos de Facebook que têm gostos parecidos com os nossos e os resultados de pesquisa no motor de busca são baseados naquilo que as pessoas mais procuram, clicam e partilham globalmente, mas também do tipo de pesquisa que cada um faz, razão pela qual a ordenação de resultados muda de computador para computador. «Os algoritmos são um espelho daquilo que nós somos. Tudo o que fazem é tentar perceber o que as pessoas gostam e colocá-las em contacto com isso», explica Filipe Carrera, coordenador da pós-graduação em Marketing Digital do IPAM.

Factos versus opiniões

Apesar de as redes sociais terem um papel na desinformação, não são um problema em si mesmas, mas o reflexo de uma tendência de oposição ao conhecimento estabelecido. No universo da saúde, de acordo com António Vaz Carneiro, diretor do Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência (CEMBE) e da Cochrane Portugal, os conteúdos falsos nascem e disseminam-se no contexto de um movimento global anti-ciência que tem duas características: «Por um lado, a posição relativista de que todas as ciências e metodologias de explicação da realidade – incluindo a saúde – se equivalem e são igualmente válidas; e, por outro, a ideia de que os peritos são uma classe corrupta e egoísta, que se autopromove e não fala com o cidadão comum». Não por acaso, o livro que o médico publicou, Mitos e Crenças na Saúde (Livros Horizonte, 2019) tem como subtítulo “Não é uma opinião. É evidência científica.” Segundo o autor, a noção de que são duas coisas diferentes tem sido perdida e é também isso que leva a informação falsa a espalhar-se tão rapidamente. Luís António Santos, professor de Jornalismo, reforça esta visão: «A confiança que o cidadão tinha nas instituições tradicionais foi sendo abalada e transferida para uma crença cega nas informações veiculadas por pequenos grupos. E isso é trágico».

Já ouviu falar em pseudociência? É uma expressão que traduz qualquer tipo de informação que se diz ser baseada em factos científicos, mas que não resulta da aplicação de métodos científicos

A proliferação de ideias sem validade científica pode começar com informação errada disseminada em pequenos grupos, mas, por vezes, vai escalando até alcançar uma dimensão que atinge o próprio conhecimento estabelecido e instituições tradicionais. Para o exemplificar, António Vaz Carneiro aponta o caso da homeopatia: «Não possui qualquer estudo que prove o seu impacto na saúde ou na doença, pelo que não deve ser considerada uma alternativa de tratamento seja para que patologia for. Contudo, isto não impede que os medicamentos homeopáticos tenham ganho um lugar nas farmácias, o que vai, por sua vez, persuadir mais pessoas de uma eficácia que, comprovadamente, não têm».

A influência da forma de comunicar

Na disseminação de informação sobre saúde, quer seja fidedigna ou não, a forma de a comunicar é determinante. Filipe Carrera, especialista em marketing, dá como exemplo o caso do mediático Dr. Oz. Acusado por parte da comunidade científica de defender produtos duvidosos, o médico norte-americano foi, em 2014, chamado ao Senado para dar explicações, tendo admitido usar “linguagem floreada” ao falar sobre o tema. «Apesar disso, continua a fazer sucesso, a ver seguidos os seus conselhos e a fazer endorsement para marcas. Porquê? Porque sabe comunicar. Dantes era valorizado o conteúdo da comunicação. Agora é valorizada a capacidade de comunicação», retrata o especialista em marketing. O facto de a importância da forma de comunicar se ter sobreposto à importância do conteúdo é também apontado por David Marçal, bioquímico e autor do livro Pseudociência, uma expressão que traduz qualquer tipo de informação que se diz ser baseada em factos científicos, mas que não resulta da aplicação de métodos científicos.

Um dos maiores “sinais vermelhos” de que um produto ou tratamento não é fiável é a promoção de técnicas que dependem do nome de uma pessoa, que é a mesma que a inventou e a única que a aplica

Segundo David Marçal, entre as estratégias mais frequentes estão «o uso abusivo de linguagem aparentemente científica e de argumentos de autoridade», ou seja, dizer que algo é verdade porque é afirmada por pessoas relevantes: «A ciência não se baseia na palavra de pessoas importantes, mas em provas. No caso da medicina com base na ciência, são raros os casos em que conhecemos o nome de algum investigador envolvido no desenvolvimento de um determinado tratamento. E os seus nomes não são usados para vender os tratamentos. Já na pseudociência é o contrário: na falta de provas, restam os argumentos de autoridade. É o velho do paradigma pré-científico do médico guru que diz que só ele e os seus discípulos é que sabem o segredo». Por isso, alerta, um dos maiores “sinais vermelhos” de que um produto ou tratamento não é fiável é a promoção de técnicas que dependem do nome de uma pessoa, que é a mesma que a inventou e a única que a aplica.

Literacia em saúde: o que é?

É definida pela Organização Mundial da Saúde como o conjunto de «competências cognitivas e sociais e a capacidade dos indivíduos para acederem à compreensão e ao uso da informação, de forma a promover e manter uma boa saúde». Segundo o estudo Literacia em Saúde em Portugal (2016), da Fundação Calouste Gulbenkian, esta é ainda uma competência escassa:

  • 49% da população não tem competências suficientes para aceder e compreender este tipo de informação.
  • 38% tem um nível considerado “problemático”.
  • 11% tem um nível de literacia “inadequado”.

A importância da literacia em saúde para combater as fake news

Os conteúdos com informações incorretas – muitas vezes, publicidade disfarçada de informação idónea – alimentam-se de algo de que todos gostamos: histórias de sucesso, como o testemunho de quem se sentia doente e agora já se sente bem ou as fotos do “antes” e “depois”. «Esses testemunhos não provam nada porque é difícil tirar conclusões em casos isolados. É por isso que se fazem ensaios clínicos», explica David Marçal, segundo o qual a forma mais eficaz de luta à desinformação é o investimento na cultura científica, de forma a permitir que «as pessoas saibam distinguir melhor o que é ciência do que não é». Uma opinião partilhada por David Silvério Rodrigues, médico e professor da NOVA Medical School: «A nossa sociedade não tem contacto com conceitos de epidemiologia simples, como riscos, incidências, prevalências e muito menos com ideias mais complexas, como os diferentes tipos de desenhos de estudo científico para responder a diferentes perguntas. Por exemplo, a eficácia de tratamentos demonstra-se com um desenho de estudo, que é o ensaio clínico, feito em centenas ou milhares de pessoas através de métodos rigorosos». Se as pessoas estivessem a par disso, «saberiam, por exemplo, que podem existir imensas razões para que alguém se sinta melhor e que não é correto afirmar que isso se deve àquele tratamento tendo apenas em conta a experiência do vizinho ou amigo», remata.

Os testemunhos não provam nada porque é difícil tirar conclusões em casos isolados. É por isso que se fazem ensaios clínicos

Fake news e a crise no jornalismo

A dificuldade do cidadão atual em conseguir distinguir informação veiculada pelo jornalismo (associada à isenção de conteúdos) da promovida pela publicidade, opinião ou entretenimento (que seguem outros parâmetros da comunicação) também contribui para a desinformação. «Muito do que se está a passar não tem a ver diretamente com o jornalismo, mas com a forma como é disseminada hoje em dia a informação. E há imensos sites, blogs e contas de redes sociais que veiculam informação que parece jornalística e não é. Os utilizadores, muitas vezes, confundem as coisas», retrata Ana Pinto Martinho. A investigadora do Centro de Investigação de Estudos de Sociologia (CIES -IUL) também admite que o sector está com problemas, «tentando encontrar o seu lugar e a sua sustentabilidade numa sociedade em rápida mudança, onde o poder de disseminar informação passou das mãos de uns poucos para as mãos de muitos. A situação financeira não é boa, as condições de trabalho também não são as melhores e, quando isto acontece, conseguimos perceber os problemas com a qualidade». Também Luís António Santos está convicto de que não é possível deixar a comunicação social fora desta reflexão. «É desonesto dizer que as fake news são culpa dos jornalistas. Mas também é verdade que o sector tem de se credibilizar mais. Se o jornalismo quer voltar a ser relevante, vai ter de fazer uma autocrítica muito grande», defende.

A ditadura do clickbait

Na origem do problema está, como aponta o relatório da OberCom – Observatório da Comunicação sobre fake news, o facto de vários órgãos de comunicação social seguirem um modelo de negócio que se cruza com o da economia da atenção online, levando-os a criar notícias com base no denominado clickbait. «Usando-se uma relação direta entre número de visualizações e receitas, são produzidos títulos e/ou conteúdos que, de forma deliberada, servem para ser clicados pelos utilizadores», lê-se no relatório. E isso interfere com a qualidade do trabalho, levando a que hoje seja essencial ser crítico quando se lê um jornal ou revista. «As notícias de saúde são particularmente maltratadas pela comunicação social», afirma David Marçal, dando como exemplo notícias acerca de novos tratamentos, em «que se exagera acerca da gravidade ou prevalência da doença e há ausência de referências a outros tratamentos para o mesmo problema ou a efeitos secundários porque são feitas a partir de uma única fonte». Por outro lado, acrescenta David Marçal, frequentemente os media dão voz a pessoas que não estão habilitadas para comentar os assuntos em questão: «Acontece com algumas dietas, como a do pH, que é um disparate, pois não é possível através da alimentação alterar o pH das nossas células. Nesses casos, o problema é a falta de contextualização e a reprodução acrítica dos disparates que os gurus da moda dizem».

David Silvério Rodrigues conta que já recebeu crianças com a asma descontrolada porque os pais decidiram retirar a medicação prescrita e optar por produtos homeopáticos, com a falsa crença que são “naturais” e que não vão ter efeitos secundários

Fake news: 88 por cento dos portugueses consultam o Dr. Google

Um inquérito da Comissão de Tecnologias de Informação em Saúde do Health Parliament – Portugal, divulgado em 2017, revelou que a esmagadora maioria dos portugueses usa a Internet para fazer pesquisas sobre saúde. O relatório verificou também que:

  • 60% dos inquiridos procura os sintomas da doença e o seu significado online.
  • 47% faz pesquisas sobre os tratamentos disponíveis.
  • 41% pesquisa sobre prevenção de doenças.
  • 78% aponta a credibilidade como o maior problema da informação online.
  • 6% considera que esta é uma fonte tão credível como um profissional de saúde.

As consequências das fake news na nossa saúde

Nem todas as informações falsas são mal-intencionadas, mas, independentemente da boa ou má intenção que lhes está na origem, podem ter consequências para a saúde. «Quando se escreve, por exemplo, que o colesterol não é um fator de risco cardiovascular, um conjunto importante de doentes questiona o seu médico assistente sobre se vale a pena tratar ou não a hipercolesterolemia», conta António Vaz Carneiro. «O médico, que não tem tempo para contextualizar este tema, arrisca-se a ser ignorado nas suas recomendações. O doente, por seu lado, poderá vir a sofrer as consequências da não modelação deste fator de risco e ter, por exemplo, um enfarte, nem que seja anos depois», exemplifica o especialista.

Muitas destas fake news são extremamente apelativas do ponto de vista emocional e criam crenças e mitos difíceis de compatibilizar com um raciocínio científico

Também o médico de família David Silvério Rodrigues conta que já recebeu crianças com a asma descontrolada porque os pais decidiram retirar a medicação prescrita e optar por produtos homeopáticos, com a falsa crença que são “naturais” e que não vão ter efeitos secundários. Um exemplo que encerra os três motivos pelos quais informação falsa tem um impacto negativo na saúde: «Primeiro, porque gera crenças e expectativas de eficácia dos tratamentos anunciados que não se verificam na realidade. Segundo, porque pode desviar as pessoas de tratamentos importantes para a sua condição de saúde e, terceiro, é que em muitos dos tratamentos, desconhecemos dados de segurança, apesar de muitos referirem que são “naturais”, palavra que dá uma falsa sensação de segurança», afirma David Silvério Rodrigues.

A importância da relação medico-doente

Tudo isto tem vindo a alterar a relação médico-doente. David Rodrigues lembra que, em teoria, o médico deve ter a capacidade de entender as preocupações de quem o consulta, adaptar a linguagem e explicar o seu ponto de vista, mas, «na realidade, muitas destas fake news são extremamente apelativas do ponto de vista emocional e criam crenças e mitos difíceis de compatibilizar com um raciocínio científico». Apesar disso, faz também uma autocrítica à classe médica, que tem de se adaptar aos novos tempos. «Falhamos rotundamente na comunicação. É um capítulo altamente deficitário na formação médica pré-graduada e muitos médicos fazem toda uma carreira sem ter noção de estratégias de comunicação eficazes para ajudar as pessoas que os consultam. E isto não é compreensível quando a comunicação é das ferramentas mais poderosas que temos», defende. As consequências das fake news em saúde têm levado a que cada vez mais vozes defendam que não basta saber comunicar e que, nos casos em que é posta em causa o bem-estar de muitos – como no caso do movimento antivacinas – “proibir” ou “obrigar” possam ser o caminho. Itália, por exemplo, aprovou este ano legislação que contempla multas e o impedimento da inscrição na escola, depois de lidar, em 2018, com um surto de sarampo no país.

As muitas formas de desinformar

  • Falsa relação
    Quando os títulos ou ilustrações não são condizentes com o conteúdo.
  • Falso contexto
    Quando conteúdo verdadeiro é partilhado com informação contextual falsa.
  • Manipulação do contexto
    Quando a informação ou imagens verdadeiras são manipuladas para o intuito de enganar.
  • Sátira ou paródia
    Informação humorística, sem nenhuma intenção de enganar, mas que tem potencial para induzir em erro.
  • Conteúdo enganoso
    Uso enganoso de informações verdadeiras para enquadrar uma questão ou indivíduo.
  • Conteúdo impostor
    Quando são imitadas fontes verdadeiras, sejam elas uma pessoa ou marca.
  • Conteúdo fabricado
    Conteúdo novo, 100% falso, criado para enganar.

Fonte: Claire Wardle/ First Draft News


Alerta fake news: 12 passos para filtrar a informação que lê

  1. Procure, no site, informações sobre quem o faz. Na maioria dos sites com informação falsa, não há contactos, moradas ou nomes de colaboradores.
  2. Procure perceber se a informação está a ser relatada noutros sites de notícias que conhece. Se não está, desconfie.
  3. Use sites de verificação de factos, como o FactCheck, o FullFact, o Snopes ou, em português, o Poligrafo.
  4. Tenha em conta que muitos sites de notícias falsas tentam mimetizar nomes de órgão de comunicação social.
  5. Um artigo jornalístico é sempre assinado pelo seu autor e, em Portugal, não pode haver dois nomes profissionais iguais. Pode confirmar se o autor é jornalista no site da Comissão de Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ).
  6. Verifique a data da notícia. Frequentemente são disseminadas notícias ou informações antigas como se fossem atuais.
  7. Nem toda a falsidade é maliciosa. Há sites de sátira, sem uma finalidade informativa, mas com conteúdo humorístico.
  8. Não faça partilha de notícias sem ler integralmente o conteúdo. Os títulos podem ser enganadores.
  9. Olhe para o URL dos links que abre. O grafismo e logótipos de sites conhecidos podem ser imitados, mas o URL terá de ter diferenças.
  10. Duvide de artigos escritos com erros ortográficos, linguagem demasiado coloquial, com palavras em maiúsculas ou que fazem uso de muitos pontos de exclamação.
  11. Uma notícia verdadeira tem de ter fontes, deve haver pessoas e/ou fontes bibliográficas citadas, o que implica o uso de aspas. Um artigo sem fontes pode tratar-se de um artigo de opinião ou de uma falsa notícia.
  12. Se o artigo for online e tiver links, clique para ver para onde redirecionam e o que dizem.

Fonte: Adaptado de Ethical Journalism Network, International Federation of Library Associations and Institutions (IFLA) e Freedom Forum Institute

Última revisão: Julho 2019

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