Alteradores endócrinos: isto “mexe” com as suas hormonas

Alteradores endócrinos: o que são

Presentes em muitas das coisas que fazem parte da nossa vida diária, os alteradores endócrinos são impostores: fazem-se passar por hormonas, infiltram-se no nosso organismo e sabotam a nossa saúde.

  • PorRita AlvesJornalista

  • ColaboraçãoProfa. Dra. Conceição CalhauProfessora associada com agregação de Nutrição e Metabolismo da NOVA Medical School, Universidade Nova de Lisboa e investigadora CINTESIS

“Alteradores endócrinos.” Conhece esta expressão? Possivelmente, não, mas com certeza já se “cruzou” com eles muitas vezes, a partir dos cremes que aplicou logo pela manhã, do talão das compras que guardou na carteira, até no almoço que reaqueceu no trabalho, ainda dentro da caixa de plástico. De acordo com o relatório Linhas de Orientação sobre a Contaminação de Alimentos, da Direção-Geral da Saúde (DGS), os alteradores endócrinos «são compostos estranhos ao organismo, mas que “imitam” as nossas hormonas, interferindo em diversas vias de atuação das mesmas, como seja na sua síntese, degradação e excreção ou mesmo, ligando-se ao(s) seu(s) recetor(es) e levando a uma ativação ou inibição das vias de sinalização celular». Tendo «as hormonas um papel fundamental no nosso desempenho, fisiologia e desenvolvimento», a presença de alteradores endócrinos no nosso organismo pode ter consequências negativas para a nossa saúde, alertou Conceição Calhau, investigadora na área da Nutrição, Metabolismo e Toxicologia, no contexto do encontro Alteradores Endócrinos, um perigo invisível para a saúde, promovido pelos laboratórios SVR. Evitá-los é difícil, «sendo importante o estudo dos seus efeitos a longo prazo e a realização de testes de segurança adequados», salientou a especialista.

Os alteradores endócrinos estão em toda a parte: nos cosméticos, nos plásticos, nos alimentos, nos pesticidas e inseticidas, em materiais impermeáveis, na tinta dos jornais e dos talões de compras e nos produtos de limpeza

Alteradores endócrinos: onde é que eles estão?

São constituintes de um vasto leque de produtos que utilizamos no nosso quotidiano, desde «os cosméticos, os plásticos – como as garrafas de água, embalagens, revestimento plástico das latas de conserva (que é o mesmo para uma lata de tinta ou uma de salsichas) e até materiais hospitalares –, alimentos (como é o caso da soja, que contém isoflavonas), pesticidas e inseticidas, materiais impermeáveis (como tachos e frigideiras antiaderentes, calçado e vestuário), tinta dos jornais e dos talões de compras e produtos de limpeza. Também estão presentes nos anticoncecionais hormonais cuja toma indiscriminada, em larga escala a nível mundial, está também a contaminar o ambiente, dado que os seus vestígios são, depois, eliminados pela urina, contaminando a água com estrogénios», explicou Conceição Calhau.

Substâncias que não se degradam

Embora os alteradores endócrinos possam ser «quimicamente muito diferentes entre si, têm uma particularidade: persistem no ambiente. Ou seja, uma pessoa utiliza determinado produto que os contém e estará a expor-se a si própria, mas, depois, através da urina ou ao deitar fora a embalagem, estará a contaminar o ambiente e, como o composto não se degrada pelo calor, luz ou microrganismos, vai persistindo ao longo de décadas», relatou Conceição Calhau, especialista na área de Nutrição, Metabolismo e Toxicologia. Um estudo, publicado na revista Environmental Research, em 2014, comprovou este facto ao detetar no tecido adiposo – estes compostos são lipossolúveis – de mulheres obesas sujeitas a cirurgia bariátrica a presença de um inseticida proibido desde os anos 70 em Portugal», referiu.

Os vários nomes dos disruptores endócrinos

  • DDT
  • Dioxinas
  • PCB’s
  • Cádmio
  • Ftalatos
  • Bisfenol A
  • PFAS’s
  • Isoflavonas

«Ao longo da nossa vida, estamos expostos a quantidades muito baixas de alteradores endócrinos, resultantes de várias fontes, mas que, pelo seu efeito cumulativo, terão um impacto negativo na nossa saúde»

Alteradores endócrinos: quais os riscos

«Ao longo da nossa vida, estamos expostos a quantidades muito baixas de alteradores endócrinos, resultantes de várias fontes, mas que, pelo seu efeito cumulativo, terão um impacto negativo na nossa saúde», alerta Conceição Calhau. De acordo com o relatório da DGS, este risco é especialmente elevado em determinadas fases da vida: «O risco associado à exposição a alteradores endócrinos, sobretudo em momentos do ciclo de vida com maior suscetibilidade, como são a fase de desenvolvimento intrauterino, a obesidade e/ou cancro, é já muito robusta». O documento refere ainda que há uma «forte associação entre a exposição a alteradores endócrinos presentes nos alimentos e a doença metabólica, como a obesidade, diabetes, cancro, doença degenerativa, doença cardiovascular, entre outras». Em relação ao cancro, Conceição Calhau especifica, associando «a exposição destes compostos ao desenvolvimento de cancros estrogénio-dependentes, como, por exemplo, da mama, endométrio e ovário, durante a vida adulta».

Existe uma dose segura?

Este é um tema que preocupa cada vez mais a comunidade científica, que não tem certezas sobre a existência de um limite máximo de exposição segura. Segundo o relatório da DGS, «é difícil, em relação a compostos com este tipo de efeitos adversos (alteração de vias hormonais), assegurar ausência de toxicidade para concentrações inferiores às consideradas como “não apresentando efeitos adversos”», tendo-se vindo a identificar «efeitos nefastos, graves, em consequência de exposição crónica e acumulação nos organismos (bioconcentrando e amplificando)».

«O risco associado à exposição a alteradores endócrinos, sobretudo em momentos do ciclo de vida com maior suscetibilidade, como são a fase de desenvolvimento intrauterino, a obesidade e/ou cancro, é já muito robusta»

Como reduzir a exposição aos alteradores endócrinos

Quando o objetivo é evitar a exposição a fontes de alteradores endócrinos, a melhor defesa assenta na máxima “menos é mais”, quer nos cuidados da casa, nos rituais de beleza e até na alimentação.

  1. Reduza o uso de cosméticos
    Use verniz, maquilhagem e tinta para cabelo apenas em ocasiões especiais e elimine-os em caso de gravidez. Existem cosméticos cujo rótulo indica que foram testados para alteradores endócrinos.
  2. Não exagere nos produtos de limpeza
    Limite a utilização de pesticidas, inseticidas ou detergentes ao essencial. Se os usar, proteja-se usando luvas.
  3. Prefira os alimentos biológicos
    Contêm menos compostos tóxicos. Prefira os embalados e não os vendidos a granel, pois são os únicos que dão a garantia de ser dessa origem através do selo na embalagem.
  4. Faça um uso consciente do plástico
    Deixe a comida arrefecer antes de a guardar numa caixa de plástico, não a reaquecendo dentro deste tipo de recipiente, e não deixe as garrafas de água expostas ao sol nem as reutilize. Sempre que possível, o melhor material será o vidro.
  5. Evite alimentos gordos e retire a gordura visível dos alimentos
    Uma vez que os alteradores endócrinos são lipossolúveis, o consumo de alimentos gordos de origem animal, com óleos ou à base de natas, poderão constituir um risco.
  6. Intercale o consumo de água da torneira com água engarrafada
    As análises feitas à água da rede pública não testam a presença de alteradores endócrinos.

Fontes: Profª. Conceição Calhau, professora associada com agregação de Nutrição e Metabolismo da Nova Medical School, Universidade Nova de Lisboa e investigadora CINTESIS, e Linhas de Orientação Sobre Contaminantes de Alimentos, da Direção-Geral da Saúde

Última revisão: Maio 2018

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