A diabetes é uma doença que, atualmente, ainda pode vir a condicionar a escolha da profissão. No entanto, a pessoa com diabetes é normalmente alguém «com capacidade total para o trabalho e que não apresenta qualquer tipo de limitação. São pessoas com elevado grau de autonomia na gestão da doença, devendo apenas ser-lhes reconhecido o direito a cuidados de saúde (prestados pelo próprio diariamente ou em consultas regulares pela equipa de saúde)», sublinha João Filipe Raposo, médico endocrinologista em entrevista à Revista Prevenir. O especialista defende que «há claramente uma necessidade, enquanto sociedade, de reconhecermos que muito do conhecimento que existia e que levou à criação de regras relativas às pessoas com diabetes e trabalho está hoje desadequado e deve com urgência ser modificado».
98 por cento da população ativa tem diabetes, de acordo com dados da Direção-Geral da Saúde
7 questões sobre diabetes no trabalho
João Filipe Raposo, médico endocrinologista, responde às principais preocupações relacionadas com diabetes o trabalho.
1. Que profissões não posso exercer?
«Pela idade de aparecimento da diabetes tipo 1, utilização exclusiva de insulina como forma de terapêutica e necessidade de monitorização mais frequente dos níveis de glicemia, algumas profissões excluem as pessoas com esta doença», revela João Filipe Raposo. Falamos, como indica o médico endocrinologista, de «profissões ligadas à aviação, às forças armadas e de segurança, a trabalho em navios de alto-mar, à condução de veículos pesados ou ligeiros profissionais e a profissões que envolvam trabalho em altura ou mergulho de profundidade». Quem tem diabetes tipo 2 também «pode ser excluído de algumas profissões (as mesmas referidas para a diabetes tipo 1) especialmente, se utilizam insulina ou outros fármacos que aumentem o risco de hipoglicemia».
2. Quais as principais condicionantes?
Em todas estas situações, a exclusão está fundamentada, como indica João Filipe Raposo, na perceção de «um risco aumentado de hipoglicemias (diminuição dos níveis de açúcar no sangue) e nas consequências das mesmas para a pessoa com diabetes e para outros que estejam dependentes dela no decurso da sua profissão ou do risco para equipamentos ou infraestruturas». Assim, para a maior parte destas profissões, «a exclusão é regulamentar ou legal, o que significa que não há exceções a esta regra». No entanto, como reforça o médico endocrinologista, «muitas destas regras foram criadas há já algumas décadas e não sofreram alterações com a evolução do conhecimento, das terapêuticas e da tecnologia entretanto atingida». Assim sendo, apesar de «o risco de hipoglicemia nunca ser excluído na vida de uma pessoa com diabetes, pode ser muito minimizado».
3. Que horários podem dificultar o controlo da diabetes?
Existe um conjunto de outras profissões que, pelas suas características, podem provocar «maior variabilidade no controlo desta doença e, mesmo otimizando o esquema terapêutico ou a vigilância, as pessoas têm com grande frequência híper ou hipoglicemias», sublinha João Filipe Raposo. É o caso típico de quem «trabalha por turnos, principalmente quando a rotatividade for grande. Por exemplo, quem muda diariamente de turno tem maior dificuldade em estabilizar o controlo da doença do que quem “roda” semanalmente». Neste caso pode haver uma «razão médica para excluir a prática de trabalho por turnos», acrescenta.
«É importante existir um colega que conheça a situação e que possa ajudar no caso de hipoglicemia se necessário»
4. Como posso minimizar o risco de hipoglicemia?
Através da «escolha adequada de terapêutica de acordo com as características da pessoa (incluindo a profissão) e pela introdução de tecnologia que permita uma maior monitorização dos níveis de glicemia (é hoje possível saber não só o nível do momento, mas ver todo o histórico e até fazer uma previsão de tendências para os próximos minutos)», explica o especialista. No entanto, nenhum destes fatores é tão importante como «a educação da pessoa com diabetes em relação ao seu tratamento». Isto porque têm de ser elas «as gestoras do seu tratamento e devem estar capacitadas no reconhecimento e tratamento das hipoglicemias utilizando os recursos que lhe são disponibilizados pelas equipas de saúde», salienta João Filipe Raposo.
5. O que devo fazer no local de trabalho?
É importante existir «um colega que conheça a situação e que possa ajudar no caso de hipoglicemia se necessário», recomenda o médico endocrinologista. Assim como «ter fácil acesso ao equipamento de vigilância de glicemia (leitor de glicemia ou sensor), a glicose ou açúcar (tratamento adequado da hipoglicemia) e eventualmente a Glucagon (um tratamento injetável para hipoglicemias graves)». Porém, a maior parte das hipoglicemias «não se trata, evita-se». Ou seja, as pessoas com diabetes «conhecem o seu padrão de evolução de glicemias e atuam por antecipação (corrigindo a terapêutica, alimentação ou atividade física)». Por outro lado, como «reconhecem também muitas vezes o início dos sintomas de hipoglicemia ou, utilizando o sistema de monitorização de glicemias, detetam as hipoglicemias no seu início, conseguem atuar rápida e eficazmente sem impacto na atividade laboral», conclui João Filipe Raposo.
«Em prol da relação de confiança que deve nortear uma relação laboral, será benéfico assumir a doença»
6. Devo informar no trabalho que tenho diabetes?
«É direito do trabalhador a reserva da intimidade da vida privada, onde se inclui o estado de saúde. No entanto, a sua omissão pode perturbar a relação de confiança com a entidade empregadora e constituir uma violação do dever de informar sobre aspetos relevantes para a prestação da atividade», sublinha o Departamento Jurídico da Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal (APDP).
O que fazer: «Em prol da relação de confiança que deve nortear uma relação laboral, será benéfico assumir a doença», aconselha a instituição.
7. Em tempos de pandemia, posso ficar em regime de teletrabalho?
As pessoas com diabetes são consideradas por lei um grupo de risco. Assim sendo, de acordo com o Gabinete do Cidadão da Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal:
- Pode recorrer ao teletrabalho;
- Pode justificar as faltas por declaração médica (até 30 dias) quando a função profissional não permitir trabalhar a partir de casa.
O que tem de fazer: Para ficar em teletrabalho ou ter as faltas justificadas, deve solicitar uma declaração assinada pelo médico assistente que justifique a sua condição e fazer chegar a mesma à entidade patronal.
Se vai voltar ao trabalho presencial… Deve falar «antecipadamente com o seu médico para avaliar riscos do regresso à atividade, nomeadamente em termos de segurança e higiene no local, como das viagens para lá chegar, sobretudo se utiliza transportes públicos», recomenda o Gabinete do Cidadão da Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal.
Se tem diabetes, tem direito a…
Além dos benefícios e deveres comuns aos trabalhadores em geral, a pessoa com diabetes tem direitos específicos que ajudam a gerir melhor a doença no trabalho, como, por exemplo:
- Solicitar a realização de pausas a cada duas horas para se alimentar;
- Recusar a prestação de trabalho suplementar e trabalho noturno.
O que tem de fazer: - Enviar uma comunicação formal à entidade empregadora, explicando o estado da doença, as implicações no quotidiano, nomeadamente a necessidade de pausas para alimentação a cada duas horas e o tempo necessário às mesmas, e as consequências de não serem cumpridas as prescrições médicas.
- Anexar relatório médico que prescreve a dieta alimentar a que se encontra sujeito.
Fonte: Adaptado a partir de informação fornecida pelo Departamento Jurídico da Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal