Carlos Robalo Cordeiro: «O tabaco é o inimigo público número um da saúde respiratória»

Carlos Robalo Cordeiro, médico pneumologista: Grande entrevista

Embora «não haja hoje ninguém que fume e não saiba o mal que faz», como refere o médico pneumologista Carlos Robalo Cordeiro, há sintomas que são muitas vezes desvalorizados e que contribuem para que as doenças respiratórias estejam entre as principais causas de morte em Portugal.

  • PorCarlos Eugénio AugustoJornalista
  • FotografiaArtur

  • Entrevista aProfessor Doutor Carlos Robalo CordeiroMédico pneumologista, professor catedrático e diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra

Segundo o Instituto Nacional de Estatística, o número de casos de doenças respiratórias e mortalidade associada em Portugal tem vindo a crescer nos últimos anos. Essa tendência é confirmada pela última atualização do Health at a Glance, relatório anual da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico sobre saúde na Europa, ao indicar que a taxa de mortalidade por pneumonia em Portugal é o dobro da média europeia, com cerca de 57 mortes em cada 100 mil habitantes. «De facto, vivemos um cenário preocupante no que toca à saúde respiratória dos portugueses. No entanto, as causas estão identificadas e acredito que possamos inverter esta tendência através de um esforço conjunto entre a classe médica e a população em geral», assegura Carlos Robalo Cordeiro, médico pneumologista, à Revista Prevenir. «Além disso, é urgente unir as estruturas e instituições responsáveis pela divulgação da saúde respiratória em Portugal, pois, quando falarem a uma só voz, vamos ter uma promoção mais efetiva e eficiente da prevenção, enquanto principal arma para combater as doenças do aparelho respiratório», defende o especialista.

Grande entrevista: Carlos Robalo Cordeiro, médico pneumologista

Carlos Robalo Cordeiro, médico pneumologista: Grande entrevista

O que está na origem da tendência crescente do número de casos de doenças do aparelho respiratório em Portugal?

Existem várias razões. Desde logo, o facto de Portugal ser um dos países com maiores índices de envelhecimento a nível mundial, e, por norma, uma doença como a pneumonia, que é uma das nossas maiores preocupações, é especialmente prevalente nos maiores de 65 anos. Além disso, a população idosa está mais fragilizada, pois tem múltiplas doenças e morbilidades, como diabetes, insuficiência cardíaca ou outra patologia respiratória, ficando assim mais vulnerável. Algo que também “manipula” as estatísticas é o facto de muitas das mortes por pneumonia em Portugal acontecerem no contexto hospitalar, mesmo que a causa inicial do internamento seja, por exemplo, uma descompensação por doença cardíaca ou diabetes. Depois, questões como uma certa fragilidade económica, falta de apoio social e de maior acompanhamento das próprias estruturas de saúde, e a resistência à prevenção, são outras causas que dispararam o número de casos de doença respiratória e consequentes óbitos.

Além da pneumonia, que outras doenças do aparelho respiratório mais afetam os portugueses?

Em termos da relação do número de casos com a taxa de mortalidade, o cancro do pulmão ocupa o primeiro lugar. Depois surge a pneumonia e, em terceiro lugar, estão as patologias obstrutivas das vias aéreas, como a doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC). Infelizmente, o cancro do pulmão é cada vez mais prevalente, principalmente devido a uma população mais envelhecida e ao contacto com substâncias tóxicas e potencialmente cancerígenas, com o tabaco a ocupar um lugar destacadíssimo, e os poluentes ambientais logo a seguir. Mas existem outras duas áreas que se têm evidenciado nos últimos anos, ainda que não tão associadas à mortalidade, mas por uma maior capacidade de diagnóstico: a patologia do sono, com causas respiratórias, e a fibrose pulmonar.

Consegue estabelecer o perfil de quem está mais em risco de vir a sofrer de uma dessas patologias?

Sem dúvida, o fumador. Se olharmos para as doenças que referi, o tabaco – seja sob a forma de cigarro tradicional ou eletrónico, ou tabaco aquecido – é o inimigo público número um da saúde pulmonar, e o principal fator de risco para cancro do pulmão, DPOC e infeções respiratórias
Por outro lado, ser maior de 65 anos, não se vacinar contra a pneumonia ou gripe ou estar sujeito a substâncias tóxicas ou poluição ambiental e ocupacional são outros pressupostos que se adequam ao perfil. Em relação a esse último fator, em 2019, pela primeira vez, a Organização Mundial da Saúde apontou mesmo a deficiente qualidade do ar como uma das principais causas de doença respiratória.

Carlos Robalo Cordeiro, médico pneumologista: Grande entrevista

«Quanto mais se taxar o tabaco, e aumentar o preço, mais inibição se cria. Essa medida é mesmo preferível do que recorrer a imagens nos maços de cigarros sobre os seus efeitos na saúde. Até porque não há hoje ninguém que fume e não saiba o mal que faz», refere Carlos Robalo Cordeiro

Aponta o tabagismo como “o inimigo número um” da saúde respiratória. O que se tem feito em Portugal para combater esse problema?

Felizmente, temos estado muito ativos nessa luta, mas podemos e devemos fazer sempre mais. Hoje temos uma legislação muito mais abrangente, que inibe o ato de fumar em locais fechados e outros ambientes, mas devia ser mais atrevida. A prova disso é que países com leis mais incisivas sobre os hábitos tabágicos em locais públicos, como Irlanda, Canadá, Austrália ou Uruguai, são os que apresentam uma curva descendente mais acentuada na prevalência do ato de fumar. Por outro lado, temos tido uma taxação muito significativa do preço final dos produtos, medida que considero a mais eficaz. Quanto mais se taxar o tabaco, e aumentar o preço, mais inibição se cria, principalmente em países como Portugal, com claras dificuldades económicas. Essa medida é mesmo preferível do que recorrer a imagens nos maços de cigarros sobre os seus efeitos na saúde. Até porque não há hoje ninguém que fume e não saiba o mal que faz.

Voltando às estatísticas, os números mostram que morrem mais homens devido a doenças respiratórias. Ser do sexo masculino é um fator de risco acrescido?

Isso está muito relacionado com o facto de ainda serem os homens a fumar mais. Mas o panorama está a inverter-se. Nas faixas etárias mais jovens, são as mulheres que mais fumam. Mais, nos países mais desenvolvidos, está também a verificar-se que o número de mortes por DPOC ou cancro do pulmão na mulher estão a aproximar-se do homem. Depois, existem atividades profissionais que proporcionam uma maior exposição a fatores de risco, como o trabalho industrial e o contacto com substâncias tóxicas, e que são habitualmente associadas ao universo masculino. Mas, independentemente, do sexo, e para reduzir a incidência e gravidade destas doenças, é fundamental defendermo-nos, estar atento a potenciais sinais de alarme a nível respiratório e agir imediatamente.

Pode dar exemplos desses sinais?

A tosse é um deles, seja seca ou acompanhada de expetoração (por vezes ensanguentada) e se prolongada no tempo. Isso pode estar associado a, por exemplo, bronquiolites, bronquite crónica ou DPOC. No caso da pneumonia, são muitos os casos que evoluem de quadros desvalorizados de febre, mal-estar geral, cansaço e dores musculares. Tal também é frequente no cancro do pulmão, pois é uma doença que pode ter origem na bronquite ou DPOC. Nos fumadores com bronquite, as crises de tosse são muitas vezes desvalorizadas, por serem atribuídos à própria doença e não se pensar que podem ser indícios de outro problema. É fundamental que se entenda que temos de ser o mais proativos possível sob pena, caso exista um problema, de não o conseguir resolver a tempo, pois o diagnóstico tardio é outro dos problemas que eleva a mortalidade nestas doenças.

Carlos Robalo Cordeiro, médico pneumologista: Grande entrevista

«O aparelho respiratório, mais concretamente o pulmão, não dá grandes sintomas, e, quando o doente nos chega, pode ter a doença num estádio muito avançado», afirma o médico pneumologista Carlos Robalo Cordeiro

De que forma poderemos ter uma prevenção mais eficaz?

Unir esforços em três frentes: erradicar o tabaco, seguir um estilo de vida saudável e sensibilizar para a participação em rastreios. Esse último ponto, a par das idas regulares ao médico e da realização de exames periódicos que permitam avaliar a função respiratória e a saúde pulmonar, como a espirometria (ver caixa Espirometria, um exame fundamental), são essenciais para chegar a um diagnóstico precoce. Principalmente, pelo facto de o aparelho respiratório, mais concretamente o pulmão, não dar grandes sintomas, e, quando o doente nos chega, pode ter a doença num estádio muito avançado. Isto é particularmente importante para quem é fumador, profissionais em risco de inalar substâncias tóxicas, e/ou a partir dos 40/45 anos na população em geral. Outra questão é melhorar a adesão às vacinas, principalmente nos grupos de risco, em que a taxa de vacinação é ainda baixa.

Como alterar a fraca adesão às vacinas?

Informar mais e melhor de que sem a toma de vacinas como as da gripe e pneumocócica estamos mais vulneráveis face às doenças respiratórias. A Sociedade Portuguesa de Pneumologia em parceria com a Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, e uma empresa da indústria farmacêutica, já desde há uma década fazem campanhas regulares contra a infeção sazonal por influenza/gripe e dispõem de uma ferramenta que avalia o grau de adesão dos grupos de risco em tempo real, via inquérito, que é o Vacinómetro, iniciativa que tem sido um sucesso. Mas não devemos ficar por aqui. Outra questão decisiva, noutra dimensão da saúde respiratória, é melhorar a acessibilidade à reabilitação.

E o que pode ser feito nesse sentido?

Acima de tudo, apostar na formação dos profissionais de saúde e sensibilizá-los, definitivamente, para que a reabilitação faça parte do tratamento, à semelhança dos fármacos. Depois, aumentar o número de espaços que se dediquem à reabilitação respiratória, em todo o país. O desafio é fazê-lo, passo a passo, e, quando o conseguirmos, vamos conseguir uma melhor saúde respiratória para todos.


Espirometria, um exame fundamental

Carlos Robalo Cordeiro, médico pneumologista, explica em que consiste este exame que considera «essencial para observar o estado de saúde do aparelho respiratório e ajudar na realização de um diagnóstico precoce».

  • O que é
    «Trata-se de um teste muito simples da função respiratória, indicado para avaliar potenciais riscos de DPOC e asma. Permite avaliar o volume de ar inspirado e expirado e os respetivos fluxos respiratórios. Para o fazer, deve respirar-se para um “tubo” que está ligado a um aparelho (espirómetro), enquanto tem colocado no nariz uma pinça que impede o ar de sair», explica o especialista.
  • Quem deve fazer
    «Em casos de suspeita de asma, é obrigatório. Além disso, é um exame especialmente indicado a idosos, fumadores de longa duração ou pessoas cuja profissão implica a inalação de substâncias nocivas», indica Carlos Robalo Cordeiro.
  • Frequência
    «Uma vez que avalia a função respiratória, deveria ter uma frequência igual a rastreios como a tensão arterial, colesterol ou glicemia, que se fazem, por norma, anualmente. Isso permitiria comparar e avaliar a função respiratória ao longo do tempo, a partir dos 40 anos.»

Casa do pulmão: o sonho de Carlos Robalo Cordeiro

«Uma forma de consciencialização em relação às doenças do aparelho respiratório seria replicar um projeto como a Casa do Pulmão, como o que existe em França e na Alemanha», garante Carlos Robalo Cordeiro, médico pneumologista. «Aceitaria de bom grado ser um elemento facilitador para levar este projeto a bom porto. Uma iniciativa deste género, que congregaria instituições responsáveis pela promoção e divulgação da saúde respiratória em Portugal, seria a ponte ideal entre essas entidades, comunidade médica, população e doentes, conseguindo, de uma forma mais competente, aproximar a ciência das pessoas, através de informação verdadeiramente útil.»

Última revisão: Abril 2020

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