Vulgarmente, entendemos por traição amorosa o comportamento daquele que não é fiel a um compromisso, que fere a nossa confiança e nos desrespeita. É um conceito subjetivo, porque o que para uma pessoa significa traição, para outra, pode não significar. Para algumas pessoas, uma traição pode ser um simples olhar. Para outras, esta atitude pode não ter importância nenhuma. O conceito de traição amorosa está muito relacionado com a nossa autoconfiança, as experiências do passado, os princípios e valores de cada um.
«A variante da traição amorosa muitas vezes determina a rutura ou não rutura da relação»
Em entrevista à Revista Prevenir, Margarida Vieitez, terapeuta de casal, mediadora familiar e autora de vários livros na área das relações, fala sobre o que é uma traição amorosa e o impacto que ela pode ter numa relação.
A traição continua a ser associada a um encontro sexual?
Sim, especialmente para os homens. Contudo, os homens têm cada vez mais dificuldade em lidar com a traição “emocional”. Ou seja, quando a companheira procura preencher as suas necessidades emocionais (atenção, partilha e apoio) com outra pessoa.
E a traição sexual continua a ser mais comum nos homens?
Sim. Mas, por outro lado, tenho observado, nos últimos anos, que são cada vez mais as mulheres a trair a nível sexual e os homens a nível emocional.
O que explica esta mudança?
Os homens começaram a querer afetos. Querem sentir-se queridos e amados. E também estão mais emocionais. Já expressam mais as suas emoções e já reconhecem que precisam de tudo isto para serem felizes. Por outro lado, as mulheres têm um papel mais ativo na sexualidade do que há 30 anos. E já falam sobre sexo abertamente. Da mesma forma, como dizem que têm direito a ser felizes, também dizem que têm direito a sentir-se realizadas do ponto de vista sexual.
A traição sexual e emocional têm consequências diferentes para o casal?
A variante da traição amorosa, se é emocional ou sexual, muitas vezes determina a rutura ou não rutura da relação, assim como a duração da traição. Perceber que o companheiro conversa com uma pessoa há cerca de uma semana é diferente de descobrir que há uma intimidade emocional há vários meses. Quando a traição já é perpetuada há muito tempo, é mais difícil reconstruir a confiança. Se a traição tiver durado pouco tempo, há uma maior probabilidade e o casal permanecer junto. Por outro lado, a traição sexual continua a ser a mais difícil de perceber. Talvez porque esta seja vista como o “apogeu” de uma traição emocional.
Homens e mulheres reagem de forma diferente à traição amorosa?
O sentimento de rejeição e de se sentir “trocado” é comum. Hoje em dia, quer os homens, quer as mulheres se preocupam com a traição emocional e sexual. Enquanto que, há uns anos, o homem queria saber apenas se a mulher tinha “ido para a cama” com outra pessoa, atualmente, já querem saber que necessidades emocionais não conseguiram satisfazer para a mulher ir à procura de outra pessoa. Por outro lado, as mulheres também se preocupam muito em saber que necessidades emocionais mas também sexuais não conseguiram preencher. Em ambos os casos, o impacto na autoestima e na confiança próprias é quase sempre brutal e a desconfiança e a insegurança são uma constante.
Podemos evitar uma traição amorosa?
Pode ser algo evitável, se estivermos atentos aos sinais, e os sinais são muitos, mas as pessoas ignoram-nos sistematicamente. Intolerância, impaciência, irritação; evitar conversar; passar mais tempo no local de trabalho; não revelar interesse em fazer programas em conjunto são alguns sinais de distanciamento.
A traição amorosa tem sempre um grande impacto na autoestima de quem é traído?
O pensamento “eu não sou capaz de fazer esta pessoa feliz” e a pergunta “o que tem a outra pessoa que eu não tenho?” são inevitáveis. Há sempre uma comparação e uma curiosidade em saber quem é a pessoa que está do outro lado. As mulheres querem saber se a outra mulher é bonita e elegante, e os homens procuram saber o que o outro homem faz profissionalmente e qual é o poder que tem.
«[A traição amorosa] pode ser algo evitável, se estivermos atentos aos sinais, e os sinais são muitos, mas as pessoas ignoram-nos sistematicamente»
Há casos em que é preferível omitir?
Essa é uma decisão muito íntima e ninguém pode tomá-la por ninguém. Devemos dizer e fazer sempre o que a nossa consciência, intuição, valores, princípios, educação e dignidade nos disserem para fazer. Colocarmo-nos no lugar do outro também é um bom exercício. Há uma tendência para esconder, porque há receios relacionados com o medo da separação e do impacto que a revelação possa ter nos filhos, mas é possível fazê-lo num diálogo aberto e sincero. É importante expressar as emoções e criar empatia com o outro face ao que aconteceu, nomeadamente com a sua dor. Em alguns casos, até existem surpresas e revelações de que não é só um que está a trair; são os dois ao mesmo tempo.
É possível superar uma traição amorosa?
Sim. Ao longo dos anos, acompanhei muitos casais que conseguiram superar uma traição, construir uma nova relação e que continuam juntos. É muito difícil conseguir ultrapassar a traição sozinhos e, muitas vezes, precisam de ajuda especializada. Primeiro precisam de “dissecar” a dor da traição, compreender porque aconteceu, em que medida os dois são responsáveis, conhecerem e perceberem as suas reais necessidades e expectativas, e depois, é preciso construir uma nova relação. E quando existe amor, é possível.
Em alguns casos, a traição amorosa pode ajudar a “reacender a chama”?
Não concordo. As pessoas que assumem que a traição não teve repercussões e que até deu um upgrade à relação estão a tentar negar e “camuflar” o que aconteceu.
Que conselhos quer deixar a quem está tentado a trair?
Devem refletir sobre o seu estado interior, olhar para si e tentar perceber o que está a acontecer consigo e por que razões querem ter um caso extraconjugal. Depois, devem refletir sobre a sua relação e sobre as repercussões que a traição amorosa pode ter na sua vida, nomeadamente, o que pode significar para o companheiro.