Quem nunca temeu receber aquele recado da educadora a explicar que tem havido “visitantes indesejados na sala”, recomendando aos pais que vigiem a cabeça dos filhos, que levante o braço. Em causa está uma infestação do couro cabeludo por pediculus humanus capitis, o nome técnico dos piolhos, insetos de seis patas, de cor castanho-acinzentada e cerca de três milímetros, que vivem exclusivamente no couro cabeludo humano, alimentando-se de sangue através de picadas. São um problema comum, mas um inferno para as crianças e para os pais.
Como surge o contágio
Os piolhos podem surgir em qualquer altura do ano, mas, como quase todos os insetos, gostam de calor e atacam com mais frequência quando o tempo está quente. Na escola, as brincadeiras que promovem o contacto físico criam as condições ideais para que se propaguem entre as crianças. Evitar este contágio não é fácil. «A principal forma de prevenir é evitando o contacto. Os piolhos não voam, nem saltam, pelo que se transmitem apenas pelo contacto direto. Podem ser usados champôs preventivos em alturas em que surge uma infestação nos colegas ou amigos próximos, mas por rotina não acho necessário», explica Hugo Rodrigues, medico pediatra, à Revista Prevenir. Mas se é fácil recomendar à criança que evite trocas de chapéus e acessórios de cabelo, que podem ser veículos de transmissão, mais difícil é pedir que não entre nas brincadeiras que envolvem proximidade física com os colegas.
«Quando a criança tem piolhos, toda a família deve fazer o tratamento, mesmo sem sinais de infestação»
Como se propagam
Tratando-se o piolho de um parasita exclusivamente humano, que se alimenta de sangue, acaba por sobreviver cerca de 15 a 20 horas fora do couro cabeludo, morrendo por desidratação. No entanto, estas horas em que sobrevive são suficientes para que sejam necessários outros cuidados para evitar o contágio, além da eliminação da cabeça das crianças: basta uma troca de chapéus ou uma fronha de almofada mal lavada para se iniciar o ciclo de propagação. As roupas e lençóis da criança devem ser mudados e lavados no dia do tratamento, «idealmente com água acima dos 30 graus», explica Hugo Rodrigues. Além disso, «quando a criança tem piolhos, toda a família deve fazer o tratamento, mesmo sem sinais de infestação», defende o medico pediatra. «Basta uma lêndea para causar uma infestação — cada lêndea pode originar até dez piolhos — e é muito fácil passarem despercebidas se forem poucas.» Por essa razão, a maioria dos produtos requer duas aplicações, tendo em conta o ciclo de vida do piolho: a primeira mata os piolhos adultos e as ninfas — os piolhos-bebé — e a segunda, geralmente sete a dez dias depois, elimina os que nasceram das lêndeas que possam ter ficado no cabelo.
«Convém seguir as instruções dos produtos e não abusar da sua utilização, principalmente dos que contêm inseticidas, para não estimular o surgimento de resistências»
Como tratar
Como explica o Grupo Português de Dermatologia Pediátrica, da Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia (SPDV), no documento sobre a pediculose, o parasita aloja-se sobretudo na região da nuca e retroauricular, onde a temperatura e humidade são favoráveis, vivendo, em média, 30 dias. A infestação manifesta-se por comichão, resultado da reação a saliva do piolho. No entanto, desde o início da parasitose até surgir o desconforto, decorrem cerca de duas semanas, tempo suficiente para a infestação adquirir grandes proporções. Os pais têm à disposição muitos tipos de produtos para eliminar piolhos, o problema e saber o que escolher. «O ideal e começar por um produto que mate por asfixia e sem inseticidas, porque e mais inócuo. Se não resolver, podem testar-se estes últimos, com inseticida», sugere o medico pediatra, que defende ser fundamental seguir as instruções de aplicação e utilizar um pente de dentes finos, passando-o por todo o cabelo, para remover as lêndeas que tenham ficado agarradas. «Convém seguir as instruções dos produtos e não abusar da sua utilização, principalmente dos que contem inseticidas, para não estimular o surgimento de resistências», alerta o medico pediatra. Quanto a tratamentos mais alternativos, Hugo Rodrigues não os recomenda. «Os pentes eletrónicos têm uma eficácia muito variável e não existem recomendações sobre a sua utilização. Quanto as mezinhas caseiras, também não tem grande eficácia e não devem ser uma alternativa aos produtos específicos para estas situações.»
Os piolhos podem surgir em qualquer pessoa e não estão relacionados com falta de higiene
Os piolhos não escolhem cabeças
O silêncio é um dos maiores inimigos de um combate eficaz e atempado aos surtos de pediculose nas escolas. Segundo as normas da Direção-Geral da Saúde, não estamos perante uma doença de evicção escolar obrigatória, o que significa que a criança pode continuar a ir à escola. No entanto, manda o bom senso que a escola seja informada, de forma a poder detetar precocemente a existência do surto, colocando de sobreaviso os pais de todas as crianças, para que possam verificar a cabeça dos filhos com mais frequência ou usar produtos preventivos. Este silêncio nasce da vergonha: continuam a existir mitos e preconceitos que os associam à falta de limpeza. «Ainda existe esse estigma, mas é importante que as pessoas tenham a noção de que é completamente errado. Os piolhos podem surgir em qualquer pessoa e não tem nada que ver com falta de higiene. Cabe-nos a nós, profissionais de saúde, esclarecer isso de forma clara. Além disso, os professores também deviam abordar o assunto nas escolas, aproveitando algum caso para desmistificar preconceitos», defende o médico pediatra. Apesar de não se perceber porquê, parece haver crianças mais propensas à pediculose. «Pensa-se que pode estar relacionado com as características próprias do cabelo e/ou couro cabeludo», explica o médico pediatra.
Guerra aos piolhos
Para resolver o problema o mais rapidamente possível, assegure-se de que cumpre estas recomendações:
- Inicie o tratamento imediatamente — na criança e na família —, cumprindo escrupulosamente as instruções de aplicação e reaplicação do tratamento.
- Use sempre um pente de dentes finos para retirar as lêndeas.
- Aconselhe os mais novos a não partilhar chapéus e gorros com outras crianças.
- Lave lençóis, roupa e acessórios de cabelo a 30 graus.
- Informe a escola que a criança tem piolhos.
- Observe a cabeça do seu filho com frequência durante três a quatro semanas.
- Se o tratamento for ineficaz, deve consultar o pediatra ou médico de família. Pode haver resistência e ser necessário um preparado com prescrição médica.
Fonte: Adaptado de dados fornecidos pelo médico pediatra Hugo Rodrigues e por dados incluídos no documento sobre pediculose do Grupo Português de Dermatologia Pediátrica, da Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia (SPDV)
Piolhos: não faça isto
Com a pressa de acabar com os piolhos, os pais podem adotar estratégias que podem afetar as crianças e não ter o resultado esperado.
- Cortar o cabelo da criança. Pode ajudar a identificar os piolhos, mas não fará diferença na contaminação ou tratamento, já que os piolhos vivem junto ao couro cabeludo;
- Optar por mezinhas caseiras como substitutos dos produtos de farmácia testados e indicados para o efeito, à exceção do uso de um pente embebido em vinagre, que ajuda a retirar as lêndeas;
- Dramatizar a situação junto da criança, recomendar que se afaste dos amigos na escola ou impedi-la de ir à escola, porque aumenta o tabu em relação aos piolhos. Além disso, depois de fazer o tratamento, o problema fica resolvido, não havendo necessidade de outras medidas, além de tratar corretamente com os produtos adequados.
Fonte: Adaptado de dados fornecidos pelo médico pediatra Hugo Rodrigues e por dados incluídos no documento sobre pediculose do Grupo Português de Dermatologia Pediátrica, da Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia (SPDV)