Crianças vegetarianas: haverá riscos?

Crianças vegetarianas são também crianças saudáveis, mas existem cuidados a adotar para que não haja carências nutricionais.

São cada vez mais os pais que querem implementar os regimes alimentares que consideram ser mais saudáveis na dieta dos filhos, logo após o período da amamentação. Mas estarão a fazer a opção certa? Que cuidados devem ter ao tornarem as suas crianças vegetarianas?

  • PorSofia Santos CardosoJornalista

  • ColaboraçãoDra. Conceição CalhauNutricionista

A alimentação nos primeiros anos de vida, inclusive aquela que é feita pela mãe durante a gravidez, influencia as escolhas alimentares das crianças. Chega mesmo a ser decisiva nas escolhas da vida adulta. Além disso, tem também influência na predisposição para desenvolver determinadas patologias, como a diabetes, a hipertensão arterial ou as doenças cardíacas. «Existem trabalhos científicos a mostrar que o tipo de alimentos que a grávida ingere condiciona as futuras escolhas alimentares do bebé. A gestação é um período crucial de programação metabólica, mas também de exposição a sabores», afirma Conceição Calhau, nutricionista, docente de Nutrição e Metabolismo da NOVA Medical School da Universidade Nova de Lisboa e investigadora CINTESIS das áreas da Bioquímica, da Nutrição e da Toxicologia Alimentar, à Revista Prevenir.

Os primeiros mil dias de vida (desde a fase da conceção até aos dois primeiros anos de vida) são uma “janela de oportunidade”. Por isso, as escolhas dos pais são relevantes. «A decisão de adotar determinados regimes alimentares deve ser muito bem ponderada. Devemos apenas fazer escolhas cuja evidência científica seja conhecida e com o devido acompanhamento médico», sublinha Conceição Calhau.

Dieta vegetariana: sim ou não?

Conceição Calhau, uma das especialistas presentes no evento Primeiros 1000 dias – Impactos na Saúde Futura do Bebé, organizado pela Nestlé Nutrição Infantil, confirma que «existem estudos científicos que mostram as vantagens da dieta vegetariana». Além destes, são «várias as publicações científicas internacionais que reconhecem a segurança deste padrão alimentar durante a gravidez e os primeiros anos de vida». E tudo «sem comprometimento do pleno desenvolvimento das capacidades psicomotoras do bebé», adianta. A especialista alerta que há uma série de cuidados indispensáveis a seguir para garantir uma alimentação saudável e verdadeiramente equilibrada. Afinal de contas, é um regime alimentar que exclui as principais fontes de proteína, os ácidos gordos ómega-3 e ferro, nutrientes fundamentais, especialmente nesta fase de desenvolvimento e crescimento.

Alternativas seguras e saudáveis

Um dos nutrientes mais importantes fornecidos pelos alimentos de origem animal e que é eliminado da alimentação vegetariana é a proteína de alto valor biológico. No entanto, a dieta das crianças vegetarianas não terá de ficar comprometida pela ausência da proteína de origem animal. «Apesar de as proteínas de origem vegetal conterem alguns dos aminoácidos essenciais, se combinarmos proteínas de diferentes origens, mesmo que seja em diferentes refeições, conseguimos obter um valor biológico elevado». O arroz e o feijão, por exemplo, são dois alimentos que se complementam.

«Um alimento biológico poderá não ser uma opção muito interessante se for proveniente de um país cuja importação implicou muito tempo de viagem e condições de armazenamento menos adequadas»

O ferro é outro nutriente fundamental. Apesar de este se encontrar na forma menos biodisponível nos vegetais, há estratégias comprovadas que aumentam a sua absorção. Uma delas é a associação com fontes de vitamina C (os citrinos, como a laranja, o quivi e o limão; a batata; e as castanhas). Por outro lado, a especialista lembra que «os vegetarianos passam a ter uma maior capacidade de absorção intestinal de ferro, porque se adaptam fisiologicamente com o tempo. Já os ácidos gordos ómega-3 (EPA e DHA), cuja fonte natural são os peixes gordos, e a vitamina B12, de origem exclusivamente animal, são dois nutrientes essenciais que só podem ser ingeridos nas doses necessárias através da suplementação».

Alimentação orgânica: vale a pena?

Apologistas de um estilo de vida saudável ou com preocupações ambientais, são muitos os pais que querem incluir na dieta dos filhos alimentos de agricultura biológica, isenta de pesticidas, químicos ou organismos geneticamente modificados. Um dos principais objetivos da agricultura biológica é precisamente produzir alimentos de elevada qualidade e saudáveis. A especialista Conceição Calhau confirma que estes alimentos são «nutricionalmente mais ricos. Os legumes, os vegetais e os frutos criados num sistema de agricultura biológica contêm uma maior quantidade de fitoquímicos, reconhecidos pela sua ação antioxidante e anti-inflamatória. As uvas biológicas, por exemplo, são mais ricas em resveratrol. O tomate e a cenoura também podem conter uma maior percentagem de betacaroteno e lipoceno», exemplifica a nutricionista.


Critérios a ter em conta

Os alimentos biológicos não devem ser uma prioridade em todos os contextos e é preciso analisar se estamos realmente perante um produto de origem biológica. «Estes produtos têm de estar certificados, com um rótulo nutricional de fácil identificação para o consumidor. Por outro lado, precisamos de ter em atenção a região de origem. Um alimento biológico poderá não ser uma opção muito interessante se for proveniente de um país cuja importação implicou muito tempo de viagem e condições de armazenamento menos adequadas. Nutricionalmente, poderá perder vantagens», alerta a nutricionista. A mesma recomendação aplica-se aos produtos biológicos de origem animal. São uma escolha mais saudável em relação aos tradicionais desde que a produção seja nacional.

Os benefícios dos “superalimentos”

Os chamados “superalimentos” têm aparecido a um ritmo nunca antes visto. Ricos em doses extraordinárias de nutrientes essenciais e em propriedades antioxidantes, são apresentados como alimentos muito poderosos. A clorela, o açaí, a spirulina e as sementes de chia são alguns exemplos dos novos alimentos que vieram juntar-se ao cardápio dos alimentos saudáveis. A sua composição nutricional está comprovada. E todos eles são boas opções nutricionais, mesmo na primeira infância, não representando riscos. A chia e a clorela, por exemplo, são muito ricas em ácidos gordos essenciais e podem ser nutricionalmente interessantes para as crianças. No entanto, precisamente por se tratarem de alimentos novos e não fazerem parte da nossa história alimentar, o seu consumo requer algumas precauções. Especialmente quando consumidos numa fase precoce da vida, de acordo com a especialista Conceição Calhau.

A suplementação alimentar em crianças vegetarianas é essencial para garantir o aporte necessário de alguns nutrientes

Não caia no exagero

Se quisermos passar a incluir estes alimentos com mais frequência na nossa alimentação, especialmente na dos nossos filhos, «devemos fazê-lo com a devida moderação». As doses ideais ainda não foram estudadas, mas a especialista recomenda «usar o bom senso. E não cair no erro de pensar que os superalimentos poderão substituir aqueles que já fazem parte da nossa roda dos alimentos e que são considerados essenciais em qualquer dieta saudável e equilibrada. Não devemos interpretar estes alimentos como se fossem a panaceia de todos os males. Se o fizermos, corremos o risco de exceder a dose nutricional recomendada. Além de termos consequências menos esperadas, como o de optar por estes alimentos em detrimento de outros, comprometendo a variedade da nossa dieta», alerta a especialista.

Suplementos indispensáveis às crianças vegetarianas

A suplementação alimentar em crianças vegetarianas é essencial para garantir o aporte necessário de alguns nutrientes importantes. Na infância, o tipo de suplementos e as quantidades recomendadas variam de acordo com as necessidades nutricionais e a fase de desenvolvimento da criança, e deverão ser prescritos por um profissional de saúde.

  • Ácidos gordos “essenciais”
    O EPA (ácido eicosapentaenóico) e o DHA (ácido docosa-hexaenóico) estão completamente ausentes na dieta vegetariana, Mas eles têm um papel fundamental, por isso essenciais do ponto vista alimentar. O DHA é essencial no desenvolvimento do sistema nervoso central e da retina. A sua deficiência, quer na grávida, quer na primeira infância, poderá comprometer o desenvolvimento cognitivo e da visão. O EPA tem um papel relevante na prevenção da diabetes, doenças cardiovasculares ou doenças mentais.
  • Vitamina B12
    A ausência desta vitamina poderá causar anemia e, em casos mais graves, distúrbios neurológicos (neuropatia). Deverá ser ingerida através de suplementos ou de alimentos fortificados.
Última revisão: Julho 2017

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