Uma explosão de hormonas e de neurotransmissores, como o cortisol, a adrenalina e a noradrenalina, ocorre no organismo sempre que stressamos. Trata-se de uma resposta fisiológica, que pode ter impacto em «todo o organismo, quer a nível das componentes metabólicas quer mesmo a nível imunológico», podendo «baixar as defesas do organismo», explica Vítor Viegas Cotovio, psiquiatra e psicoterapeuta, à Revista Prevenir. Contudo, o stresse também tem um lado bom: «Pode ser importante para nos manter alerta em situações potencialmente perigosas ou problemáticas», adianta o médico de Medicina Geral e Familiar João Ramos. Quanto às causas, existem várias, sendo que «tanto podemos ter stresse por excesso (de trabalho, por exemplo) como pela inexistência dele», refere Vítor Cotovio. Confuso? Não stresse. Pare, sente-se numa posição que lhe permita estar alerta e relaxado, ao mesmo tempo que respira fundo algumas vezes, e leia este artigo. Vamos dizer-lhe o que tem de fazer para lidar com o stresse.
Biologia do stresse
O stresse salva-nos…
É um mecanismo de sobrevivência do organismo. É uma resposta fisiológica ativada quando precisamos de responder a um determinado estímulo, explica Vítor Cotovio. «Se estivermos numa competição, numa corrida por exemplo, o stresse leva a libertação de adrenalina, que faz com que o coração bata mais depressa e o metabolismo acelere; o oxigénio vai para os sítios em que é necessário para que possamos ter um bom desempenho. Isto é aquilo a que se chama eustresse, o stresse bom, de curto prazo. Este é também útil numa situação de perigo porque não nos deixa congelar, por exemplo, se surgir um carro em contra-mão, desperta-nos para a fuga.
…Mas também nos paralisa
O stresse mau, ou distresse, ocorre quando há uma desadequação da resposta a um desafio que, pela sua intensidade e permanência, se traduz em sofrimento e disfuncionalidade com consequências físicas e emocionais. Concentramo-nos pior, dormimos mal e permanecemos numa agitação interna sem controlo e que já não surge apenas em função do estímulo – é constante. É este o stresse de que habitualmente falamos e nos queixamos. «Pode provocar dores de cabeça, tensão, queda do cabelo, dores de costas ou no peito, parecendo que o ar não entra como deveria», afirma o psiquiatra.
O que o desperta
Existem vários tipos de acontecimentos que nos provocam este stresse mau: quando é posta em causa «a nossa capacidade de subsistência e a dos nossos (dificuldades financeiras, dívidas); quando é posta em causa a nossa segurança ou o sentimento de pertença a um grupo (problemas no seio da família, conflitos, doença); ou a nossa realização pessoal (desemprego)». Claro que «existem pessoas que, devido à genética ou a experiências de vida mais stressantes, são mais vulneráveis ao stresse mau, por terem mais tendência para olhar para o «lado negativo das coisas, menos tendência para a resiliência e menos capacidade de lidar com a frustração», explica Vítor Cotovio.
Stresse: homens versus mulheres
Apesar de não existirem estudos que sustentem qual dos géneros é mais suscetível ao distresse (o mau stresse ou stresse cronico), o psiquiatra Vítor Cotovio acredita que possam «existir fatores de stresse ligeiramente diferentes para homens e mulheres». Mesmo numa sociedade que tende a evoluir para a igualdade de géneros, «não deixa de haver um stresse que tem que ver com uma certa sobrecarga que a mulher continua a ter», adianta. Alem disso, o stresse crónico pode «alterar os ciclos menstruais ou originar a sua ausência (amenorreia)», refere João Ramos, médico especialista em Medicina Geral e Familiar.
De acordo com o relatório Saúde Mental em Números 2014, existem 16,5 por cento de portugueses afetados com perturbações da ansiedade e do stresse, o que corresponde a mais de um milhão e meio de pessoas
Consequências do stresse no organismo
Geralmente de origem psicológica, o stresse baseia-se na «incapacidade de gerir a incerteza relativamente a alguma situação em particular ou à generalidade da própria vida e tendência para encarar o futuro com negativismo e até catastrofismo», explica João Ramos, médico especialista em Medicina Geral e Familiar. Quando crónico, o stresse «pode bloquear a maior parte dos órgãos endócrinos, afetando, assim, todo o funcionamento hormonal», podendo originar várias doenças, adianta.
Sistema nervoso central
Perante uma adversidade, o sistema nervoso aciona as glândulas adrenais para libertarem adrenalina e cortisol. É a chamada reação de “luta ou fuga”. Ultrapassado o sentimento de medo, o sistema deveria voltar ao normal, o que não acontece no stresse crónico. Como resultado, há uma sensação de angústia exacerbada, cansaço, irritabilidade, dores de cabeça, perturbações do sono e da concentração, por estarmos em constante alerta.
Sistema respiratório
Quando estamos stressados, a respiração fica acelerada devido ao esforço feito para distribuir rapidamente o oxigénio e o sangue por todo o corpo. Quando já existem problemas respiratórios, como a asma ou enfisema, o stresse pode agravar estas doenças.
Doenças cardiovasculares
A sobrecarga cardíaca associada ao aumento da tensão arterial causada pelo stresse crónico pode originar arteriosclerose precoce ou eventos agudos, como arritmias, enfarte agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral (AVC) ou acidente isquémico transitório (AIT ou mini-AVC).
Diabetes
O fígado é obrigado a produzir mais açúcar no sangue (glicose), de modo a dar mais energia ao organismo. Todo o açúcar que não é utilizado é, depois, absorvido pelo corpo. Mas no stresse crónico, o organismo pode não conseguir digerir corretamente o açúcar em excesso, podendo levar ao aumento do risco de desenvolver diabetes tipo 2.
Sistema imunitário
O aumento do cortisol agudo associado ao stresse crónico, com diminuição desta hormona do stresse por dessensibilização, faz com que a imunidade baixe e os estados pró-inflamatórios sejam mais frequentes, afetando todos os órgãos e sistemas.
Sistema muscular
Os músculos ficam mais tensos para se protegerem de eventuais lesões. Por não relaxarem, podem originar dores de costas, cabeça e ombros, bem como tremores no corpo.
Afeções dermatológicas
Uma vez que o stresse crónico pode bloquear os órgãos endócrinos, afetando o funcionamento hormonal, várias afeções dermatológicas podem ser agravadas, como psoríase, herpes ou eczema.

Fatores do stresse: O que nos stressa
Por se se tratar de uma resposta do organismo a uma eventual situação alarmante, o stresse pode ser causado por vários motivos. Mas nem toda a gente o perceciona da mesma forma: o que pode ser stressante para uma pessoa pode não ser para outra.
A vida profissional
Por vezes, o trabalho é um dos fatores que nos conduzem ao stresse. Mas Isa Silvestre, psicóloga e autora do livro Gerir 1 Ano de Stress (Chá das Cinco), retifica este senso comum, apontando que a «forma como investimos e encaramos o trabalho é que é determinante dos nossos níveis de stresse e ansiedade». Um workaholic, que se «revela perfecionista, controlador e inseguro», trabalha habitualmente «dez horas por dia e vive sob stresse constante, porque o tempo de trabalho nunca e suficiente», exemplifica. Contudo, apesar de esta característica estar associada a níveis de produtividade fora do comum, é uma «associação duvidosa, pois um perfecionista é obcecado pelo trabalho protela as suas tarefas, prejudicando a produtividade final», adianta.
Os outros
Sim, estar ao lado de alguém que está stressado pode influenciar-nos e levar-nos também a stressar. «Além de se manifestar emocionalmente, o stresse também tem manifestações comportamentais, como a irrequietude motora, andar de um lado para o outro, roer as unhas, irritabilidade, choro, entre outras. Consequentemente, quando estamos num ambiente de stresse ou quando lidamos diariamente com uma pessoa stressada, é muito difícil não nos deixarmos contagiar», explica Isa Silvestre.
Vivências traumáticas
Além do bom stresse (a curto prazo) e do mau stresse (crónico), existe ainda o stresse pós-traumático, em que as «pessoas ficam reféns de uma situação que foi altamente stressante», explica Vítor Cotovio, psiquiatra. Nestas situações, muito comuns em episódios de guerra, acidentes de automóveis ou perda de um ente querido, as pessoas «ficam num registo depressivo, de irritabilidade, de flashback, estando constantemente a lembrar-se daquela situação», refere o psiquiatra. Passa-se a viver «dentro de um condicionamento causado por um trauma relacionado com aquele stresse, criando uma instabilidade que pode ser crónica», adianta. Geralmente, só com a ajuda de um especialista, como um psicólogo ou psiquiatra, é possível resolver esta situação.
As novas tecnologias
Numa sociedade cada vez mais dependente de meios eletrónicos que permitem estar em constante contacto, surgiu um novo conceito: nomofobia. Trata-se de uma «fobia causada pela angústia ou desconforto por se estar incapacitado de comunicar através de telemóvel, smartphone, tablet ou computador. Tal contribui para o aumento do stresse perante a situação de se estar sem bateria nos equipamentos, o que influencia diretamente o bem-estar emocional e condiciona a vida social, familiar e profissional», refere Isa Silvestre. Outro motivo de stresse que as novas tecnologias trouxeram é a constante consulta do email ou de outro tipo de notificações, como as das redes sociais.
Burnout: quando o stresse é extremo
O burnout é uma das principais doenças dos europeus e dos norte-americanos, ao lado da diabetes e das doenças cardiovasculares, segundo um estudo da Organização Mundial da Saúde. Ocorre quando o «cérebro entra em processo de falência e não consegue recuperar a produtividade para trabalhar», explica a psicóloga Isa Silvestre. Trata-se de um «processo gradual que tem origem quando se é submetido a excessivos e prolongados níveis de stresse». Apesar de muito associado ao trabalho exagerado, o burnout é também uma doença de «estudantes e desempregados, devido a preocupações e nervosismo» constantes, desmistifica a psicóloga.