Psicogeografia: como os lugares influenciam a forma como nos sentimos

Descrição: A psicogeografia é a ciência que estuda a influência que os locais onde vivemos, trabalhamos

Segundo a psicogeografia, a nossa casa, o local onde trabalhamos e a natureza influenciam (e muito) o que fazemos e a maneira como nos sentimos, explicou-nos Colin Ellard, professor de Psicologia, em entrevista. Leia e pondere sobre os seus.

  • PorCarmen SilvaJornalista

A psicogeografia é a ciência que «desmistifica a relação entre lugar e comportamento», descreve Colin Ellard. É o estudo, como refere o filósofo francês Guy Debord, das leis exatas e dos efeitos precisos do meio geográfico, conscientemente planeado ou não, que agem diretamente sobre o comportamento dos indivíduos. Em entrevista à Revista Prevenir, o autor de A Alma dos Lugares (contraponto) conta-nos o que esta ciência já descobriu.

«À medida que o mundo se adensa a um ritmo alarmante, o impacto do design urbano na saúde mental vai acelerando»

O que o motivou a escrever sobre psicogeografia em A Alma dos Lugares?

O principal motivo que me levou a escrever este livro foi o facto de estarem a acontecer muitos desenvolvimentos no meu campo de trabalho que acredito terem impacto na condição humana. Por exemplo, à medida que o mundo se adensa a um ritmo alarmante, o impacto do design urbano na saúde mental vai acelerando. Onde quer que se esteja e qualquer que seja o ambiente, os locais da nossa vida exercem uma influência profunda e constante no que fazemos e na maneira como nos sentimos. Ao ter consciência disto, os cidadãos informados podem participar no processo de moldagem do seu ambiente.

«O meio envolvente tem uma influência decisiva no ser humano. Afeta os nossos pensamentos, as nossas emoções e a nossa resposta física, quer nos sintamos deslumbrados pelo Grand Canyon ou pela Basílica de São Pedro», lê-se no seu livro sobre psicogeografia. Hoje, as pessoas tendem a preferir locais como o Grand Canyon ou a Basílica de São Pedro?

Existem vários motivos para se preferirem locais. Alguns são inatos (elegemos lugares onde nos sentimos protegidos) e outros são aprendidos (gostamos de estar em lugares que, de algum modo, nos sejam familiares). Alguns de nós também procuram sensações como excitação e deslumbramento e lugares como o Grand Canyon conseguem certamente suscitar esses sentimentos, sendo que certos estados emocionais como o espanto são bons para a nossa saúde física.

«Existem vários motivos para se preferirem locais. Alguns são inatos (lugares onde nos sentimos protegidos), outros são aprendidos (lugares que nos sejam familiares)»

Se pensarmos que existem lugares que têm uma má influência em nós, o que poderemos fazer para alterar a situação?

É preciso perceber por que razão um lugar não funciona. Usando ferramentas da ciência da psicogeografia ficamos mais bem equipados para saber como fazer mudanças eficazes. Um exemplo simples tem a ver com padrões de tráfego. Como nos movemos num espaço é influenciado pela sua geografia. Ao mudarmos a sua geografia, podemos facilitar o tráfico.

Em A Alma dos Lugares, explora como «as nossas casas, locais de trabalho, a natureza – tudo locais para os quais nos escapamos e dos quais não podemos escaparmo-nos – nos têm influenciado ao longo da História, e como os nossos cérebros e corpos respondem a diferentes tipos de lugares virtuais e reais». Por que sentimos esta necessidade de escapar e por que há lugares dos quais não conseguimos escapar?

Muitos lugares quotidianos exercem uma espécie de efeito adverso cognitivo sobre nós. O ambiente de cidades movimentadas, por exemplo, pode produzir altos níveis de stresse que são prejudiciais. Uma resposta adaptativa a este tipo de situação é encontrar maneiras de poder explorar a Natureza. Uma das descobertas mais importantes no meu campo de estudo é relacionada com aquilo a que chamamos a “resposta restaurativa”, que descreve o impacto surpreendente que uma breve exposição ao cenário natural tem na mente e no corpo.

«Quando percorremos a pé um espaço grande, uma das reações quase universais é olhar para cima. Esta concentração voltada para cima ajuda-nos a sentir a emoção e o conforto positivos que vêm da ligação a uma existência maior»

Como descreve o lugar perfeito para se viver, de acordo com a psicogeografia?

Até certo ponto, toda a gente tem os seus lugares perfeitos baseados na sua história e na sua personalidade. Mas há alguns locais quase universais que se aplicam a quase toda a gente: gostamos de estar perto de água e de ter vista para a Natureza. Mas, apesar de gostarmos de ter uma boa vista, também gostamos de sentir os braços protetores do confinamento.

Psicogeografia: taxas diagnosticadas de perturbações de ansiedade, depressão clínica e esquizofrenia são mais elevadas nos que vivem nas cidades

Como é que a tecnologia está a mudar a nossa relação com os lugares?

As mudanças tecnológicas estão definitivamente a ter um impacto nas nossas relações com os lugares. Estamos a ficar cada vez mais confortáveis com a ideia de espaços virtuais e híbridos que não se enquadram na geometria do dia a dia. De certo modo, isto já é verdade há algum tempo. Não achamos minimamente estranho ter uma conversa com alguém por telefone, apesar de não o vermos e de poder estar em qualquer parte do mundo. Mas há uma tendência acelerada agora, de nós, através de desenvolvimentos como a Internet, realidade virtual e aumentada e meios eletrónicos, por vezes, diminuirmos a importância dos lugares físicos. Julgo que isto é um erro e que não há substituto para o “estar lá” no sentido literal. E, eventualmente, iremos ver algum tipo de reação contra a tendência corrente de querer estar em vários lugares ao mesmo tempo através da tecnologia e gravitaremos para ambientes em que estamos primorosamente em contacto com o momento atual e o atual contexto espacial. Acredito que veremos estas ocasiões como bens preciosos, que iremos valorizar e procurar. Creio, aliás, que isto já está a acontecer atualmente.


Psicogeografia e os lugares da nossa vida

O meio envolvente tem uma influência decisiva em nós segundo a psicogeografia. Em A Alma dos Lugares, Colin Ellard descreve tipos de lugares com que nos deparamos e como nos influenciam, havendo uma relação entre estes lugares e os estados emocionais.

  • Lugares de afeto
    «A inovação de espaços dedicados a dormir para casados foi um marco importante na nossa mudança de ponto de vista em termos de sexualidade e privacidade (…) e ajudou a mudar a compreensão do relacionamento entre pais e filhos.»
  • Lugares de luxúria
    «O fascínio inegável do lugar-luxúria também nos pode atrair para lá do limite da razão (…). Podemos gastar mais do que sabemos que devíamos nos grandes empórios de lojas e podemos até cair numa espiral ruinosa (…).»
  • Lugares aborrecidos
    «Parece que o tédio é um elemento inevitável na vida moderna (…). Chegou a ser dito, leva-nos à criatividade, pois usamos a nossa perspicácia e inteligência natas para alterar ambientes aborrecidos e criar interesse.»
  • Espaços de ansiedade
    «Taxas diagnosticadas de perturbações de ansiedade, depressão clínica e esquizofrenia são mais elevadas nos que vivem nas cidades (…). Fatores sociológicos, como a coesão da vizinhança (ou, com mais precisão, a falta disso), podem ser responsáveis por crescentes níveis desse tipo de sofrimentos nas cidades.»
  • Espaços de espanto
    «Quando percorremos a pé um espaço grande, seja uma vista natural espantosa, uma catedral enorme (…). uma das reações quase universais é olhar para cima (…). Esta concentração voltada para cima ajuda-nos a dissolver as correntes terrenas (…) e a sentir a emoção e o conforto positivos que vêm da ligação a uma existência maior (…)».
  • Espaço e tecnologia
    «Deitando fora o laço da corporização simples com o espaço físico dos nossos corpos (…). começamos a entrar numa nova fase civilizacional. (…) Aqueles de nós que passam grande parte da sua vida suspensos algures entre o ambiente físico imediato e o conjunto de mensagens, sons e imagens que chega às nossas mãos através do telemóvel já vão a meio caminho.»
Última revisão: Julho 2019

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