Psicadélicos: uma nova esperança contra a depressão (e não só)

Psicadélicos: uma nova esperança contra a depressão

Olhados com desconfiança pela sociedade, os psicadélicos podem constituir um tratamento revolucionário para a depressão, stresse pós-traumático ou alcoolismo. Efeitos imediatos, ausência de toxicidade e eficácia prolongada são algumas das vantagens. Portugal está na rota das investigações.

  • PorBárbara BettencourtJornalista
  • EdiçãoVanda Oliveira

No imaginário coletivo, cogumelos mágicos, LSD ou ecstasy estão associados à contracultura dos anos 60 e ao movimento hippie que os popularizou como “drogas do amor”. O que é menos conhecido é que nos anos 50 e 60 foram feitas dezenas de estudos científicos em patologias diversas, como depressão, ansiedade e até psicoses. As farmacêuticas Merck e Sandoz, que tinham sintetizado a psilocibina (substância presente nos fungos psicotrópicos) e o LSD em laboratório, enviavam-nas para os psicoterapeutas explorarem nos consultórios, onde eram usadas inclusivamente em terapia de casal. Os resultados eram promissores, mas numa reviravolta digna de filme policial acabaram proibidas nos EUA, em 1969, num movimento que se estendeu ao resto do globo e «cujo resultado foi uma interrupção de décadas no desenvolvimento de pesquisas científicas em todo o mundo», afirma o médico psiquiatra Albino Maia. Esta história é contada em detalhe pelo jornalista de investigação Michael Pollan no livro How to Change Your Mind – The New Science of Psychedelics (cuja edição portuguesa, Como Mudar a Sua Mente, da Primebooks, tem prefácio de Albino Maia), que explica como o ex-presidente dos Estados Unidos da América Nixon encetou uma guerra às drogas, pondo no mesmo saco psicadélicos e drogas como cocaína ou heroína, de efeito reconhecidamente destrutivo. O livro serviu de inspiração para uma minissérie com o mesmo nome que pode ser vista na Netflix.

400 mil pessoas são diagnosticadas com depressão todos os anos em Portugal. Cerca de dez a 20 por cento não melhora com os tratamentos

O regresso dos estudos

Na verdade, «os psicadélicos não causam toxicidade nem dependência e, dentro do contexto clínico e de investigação, não são conhecidos efeitos secundários sérios», assegura Albino Maia. «Pelo contrário, as pessoas tratadas com psilocibina têm sobretudo sentimentos positivos e, quando são negativos, é num sentido terapêutico, de cura. Referem amiúde uma sensação de renascimento para a vida numa experiência que é qualificada em alguns estudos como uma das mais importantes, equivalente ao nascimento de um filho ou a um casamento. Isto ocorre porque alterações que promovem no cérebro afetam o âmago do que é considerado o “eu”, fazendo um “reset” temporário nos circuitos neuronais habituais e promovendo uma nova forma de ver a vida», explica o psicólogo clínico João da Fonseca, um dos poucos especialistas portugueses em psicoterapia com psicadélicos e um dos responsáveis pelo acompanhamento dos doentes na pesquisa que a Fundação Champalimaud está a realizar sobre o efeito da psilocibina na depressão resistente ao tratamento, isto é, doentes que não responderam a, pelo menos, dois tipos de tratamento psiquiátrico para a depressão.

«Espera-se que os resultados possam replicar os de estudos anteriores em que 30 a 40 por cento das pessoas deixaram de ter sintomas e 70 a 80 por cento teve uma redução significativa»

Portugueses testam psilocibina

O estudo da Fundação Champalimaud integra uma pesquisa internacional, liderada pela biotecnológica britânica Compass Pathways, que inclui países como Reino Unido, Canadá, República Checa ou Países Baixos, num total de 200 pacientes. Em Portugal serão testados 12. «O objetivo é estabelecer a eficácia da dosagem da psilocibina. Vamos comparar uma dose pequena, outra média e uma dose grande, a indicada para este tipo de experiências. É um estudo duplo-cego (nem o terapeuta nem o doente sabem qual foi a dose administrada)», explica João da Fonseca. Espera-se que os resultados possam replicar os de estudos anteriores em que 30 a 40 por cento das pessoas deixaram de ter sintomas e 70 a 80 por cento teve uma redução significativa. «Se isso ocorrer e com segurança, o objetivo será validar esta abordagem com as agências regulamentares para que se possa tornar um medicamento», sublinha o coordenador nacional do estudo, Albino Maia.

«Os psicadélicos não devem ser chamados drogas, já que não preenchem os requisitos para esta definição. Não têm toxicidade, não causam dependência», explica João da Fonseca, psicólogo clínico

Psicadélicos: como atuam no cérebro

Os psicadélicos clássicos – que incluem além da psilocibina, o LSD, o DMT (presente na bebida indígena ayahuasca e no sapo Bufo alvarius), e a mescalina (presente nos catos Peyote e San Pedro) – «agem no cérebro sobre os recetores da serotonina, mais especificamente o recetor 5HT-2A produzindo efeitos subjetivos na experiência mental da pessoa. Nalguns estudos com ressonância magnética funcional, observa-se uma alteração na chamada Default Mode Network, um conjunto de áreas cerebrais que passam a ter um padrão funcional diferente», diz Albino Maia. Esta rede está ligada à nossa noção de identidade. «Hábitos, comportamentos ou aprendizagens, a noção de eu, o que gostamos… tudo fica associado ao funcionamento dessa rede», reforça João da Fonseca. Os psicadélicos parecem provocar uma instabilidade nesse padrão neuronal, o que faz com que várias áreas que por norma não comunicam o façam de forma inusitada. O que ocorre depois é a chamada viagem psicadélica.

«Ao invés de atuar só nos sintomas, os psicadélicos parecem dar a possibilidade de alterar a própria estrutura de pensar depressiva»

O que acontece na viagem?

Durante a experiência, que pode durar quatro a seis horas, «a nível percetivo, pode experimentar-se uma fusão dos sentidos, com sons, cores e sensações a parecerem uma só coisa, e alteração da perceção das formas ou da noção espaço-temporal; a nível emocional, os sentimentos podem ficar intensificados, nomeadamente a empatia, o êxtase e o amor, mas também, ocasionalmente, o medo, a desconfiança e a paranoia; em termos cognitivos, há um aumento da criatividade e do pensamento divergente, maior flexibilidade cognitiva e maior abertura à experiência; podem emergir memórias inconscientes e até experiências místicas de dissolução do ego, com sensação de unidade entre o sujeito e o mundo», exemplifica João da Fonseca. Com o acompanhamento certo, esta instabilidade, por vezes comparada ao agitar de um globo de neve, «é uma janela de oportunidade para catalisar processos terapêuticos essenciais, como a capacidade de processar traumas, ter acesso a um mundo interior e emocional antes vedado ou diminuir resistências psicológicas que prendem a pessoa em padrões de comportamentos rígidos», adianta o especialista.

«A psicoterapia com psicadélicos tem o potencial de alcançar em poucas horas mudanças terapêuticas que poderiam demorar anos», afirma João da Fonseca, psicólogo clínico e psicoterapeuta na Fundação Champalimaud

As vantagens dos psicadélicos

Para as pessoas com depressão resistente não havia até agora soluções satisfatórias. Tratamentos alternativos aos antidepressivos, como a terapia magnética transcraniana, além de caros, implicam visitas diárias ao hospital durante várias semanas. Por outro lado, os antidepressivos, além de terem de se tomar diariamente durante meses ou anos, «deixam a pessoa funcional à custa de um adormecimento da sua capacidade de sentir e repercutem-se muitas vezes de forma negativa no sono, energia e libido, o que não ocorre com os psicadélicos. A ausência de efeitos secundários pode fazer a diferença na qualidade de vida de muitas pessoas», lembra o psicólogo. Sobretudo, «ao invés de atuar só nos sintomas, os psicadélicos parecem dar a possibilidade de alterar a própria estrutura de pensar depressiva. Além disso, mostraram eficácia durante seis meses quase sem terapia. Com mais psicoterapia, estes resultados poderão ser ainda melhores», reforça. Os dados preliminares da pesquisa mais recente do Imperial College, no Reino Unido, sugerem resultados superiores da psilocibina comparativamente aos antidepressivos convencionais mais usados (os inibidores da recaptação da serotonina, como o Prozac), revelou recentemente o autor do estudo, Robin Carhart-Harris, ao jornal The Guardian. A confirmarem-se todos estes resultados, no futuro, «os psicadélicos poderão ser mais um tratamento disponível para complementar os já existentes», conclui João Fonseca.


Em que casos é possível beneficiar da terapia com psicadélicos?

Além dos doentes com depressão resistente, tem havido resultados promissores no tratamento de outras condições clínicas como indica o psicoterapeuta João da Fonseca:

  • Depressão não resistente
  • Depressão relacionada com o diagnóstico de doença terminal
  • Cefaleias
  • Ansiedade
  • Anorexia
  • Adicções
  • Perturbação obsessiva-compulsiva
  • Perturbação do stresse pós-traumático

Testemunho: «Sofria com sintomas depressivos há anos»

Pedro Teixeira: «Sofria com sintomas depressivos há anos»

Prof. Pedro Teixeira
Professor de Nutrição, Exercício e Saúde e investigador na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa

O livro de Michael Pollan, publicado em 2018, marcou profundamente o professor universitário Pedro Teixeira, que desde então tem-se dedicado a explorar o tema dos psicadélicos. «Sofria com sintomas depressivos há anos, embora não fosse medicado e tivesse uma vida funcional. Investiguei bastante e procurei pessoas que me pudessem ajudar», conta. Começou pela microdosagem de LSD, depois experimentou ayahuasca e psilocibina, entre outras substâncias. Está convencido de que o uso informado e consciente de psicadélicos tem potenciais benefícios para todos os que buscam conhecer-se melhor. «Há quem diga que uma sessão bem conseguida equivale a 100 horas de psicoterapia – algo que já fazia e ainda faço, mas, com estas experiências, sinto-me hoje mais capaz de ter uma vida satisfatória. A abertura à experiência, a flexibilidade mental e não ser demasiado defensivo são características que por norma não mudam com facilidade, mas que os psicadélicos modificam frequentemente. São benefícios que podem não ter expressão clínica, mas que para a qualidade de vida são muito importantes. Melhorar as relações com a família, descobrir gostos e vocações, estar mais atento e presente para as pequenas coisas do dia a dia, é também disto que a experiência da vida é feita», nota. Ajudar a promover a literacia sobre psicadélicos passou a ser uma atividade regular. Os artigos na imprensa, algumas palestras e o site Safe Journey são manifestações públicas do seu ativismo na causa psicadélica. Acabou também de submeter para publicação o seu primeiro artigo científico sobre este tema (Psychedelics and Health Behavior Change).

 

Última revisão: Outubro 2020

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