Minimalismo: viver com o essencial, privilegiar experiências e não objetos, escolher o que realmente importa. O estilo de vida minimalista está cada vez mais em voga e traz vantagens para a saúde, para a carteira e para as relações interpessoais. Saiba o que é exatamente esta filosofia de vida e como implementá-la na sua vida.
A origem
Enquanto estilo de vida, o movimento minimalista teve origem nas décadas de 60 e 70, muito ligado aos movimentos de contracultura e como reação à escalada da sociedade de consumo. Nos anos 80, ganhou novo fôlego com a edição do livro Voluntary Simplicity, do norte-americano Duane Elgin, historiador e palestrante internacional. Desde então, o minimalismo foi sofrendo altos e baixos de popularidade, até que, nos últimos anos, com as questões da sustentabilidade ambiental e consumo consciente cada vez mais na ordem do dia, tem vindo a ganhar terreno.
«O minimalismo pode ajudar-nos a libertarmo-nos das armadilhas da cultura consumista à volta da qual construímos as nossas vidas»
Minimalismo: o que é
Transposto para a vida de todos os dias, pode ser encarado como um estilo de vida que privilegia o que é essencial em detrimento do supérfluo. Joshua Fields Milburn e Ryan Nicodemus, autores do site The Minimalists defendem que o minimalismo «ajuda as pessoas a questionar quais as coisas que acrescentam valor às suas vidas. Ao livrarmo-nos da tralha (…) criamos espaço para os aspetos mais importantes da vida: a saúde, as relações, a paixão, o crescimento e a contribuição», explicam. Para os dois gurus do minimalismo, seguir este estilo de vida não implica necessariamente uma vida nómada reduzida aos mínimos básicos da sobrevivência. «Se existe o desejo de viver com poucos bens materiais ou não ter um carro ou uma televisão, ou viajar por todo o mundo, o minimalismo pode dar uma ajuda, mas esse não é o aspeto principal. O minimalismo é uma ferramenta que pode ajudar-nos a encontrar liberdade: do medo, das preocupações, da culpa, da depressão e das armadilhas da cultura consumista à volta da qual construímos as nossas vidas», afirmam no site. Encarado como um estado de espírito, o minimalismo também pode ser visto, de acordo com o psicólogo Fernando Magalhães, como uma «filosofia de vida, baseada em crenças sobre a melhor forma de viver a vida com maior satisfação através da simplicidade dirigida àquilo que valorizamos».
«Sentia-me assoberbada pela quantidade de coisas que tinha para fazer devido à quantidade de coisas que tinha em casa»
A mudança
Foi em 2016 que uma situação familiar levou Cláudia Ganhão e o marido a ponderar acerca do estilo de vida que tinham até então. «Trabalhei durante 15 anos na indústria farmacêutica, viajava muito e estava muito tempo ausente, tal como o meu marido que é piloto de aviação. Percebemos que não dava para continuarmos os dois nesta loucura e eu decidi tirar uma licença sem vencimento», conta à Revista Prevenir. Para surpresa de Cláudia, a expectativa inicial de que iria ter muito mais tempo e disponibilidade para os aspetos importantes do dia a dia não se concretizou. «Sentia-me assoberbada pela quantidade de coisas que tinha para fazer devido à quantidade de coisas que tinha em casa», recorda. Foi então que decidiu juntar o útil ao agradável: o minimalismo era uma temática que a interessava, seguindo inclusive sites e blogues internacionais, e passou a implementá-lo no dia a dia. Começou pelo roupeiro – uma tarefa facilitada pelo facto de já não precisar da roupa que usava no emprego, que não tinha sequer o seu estilo habitual. Do roupeiro passou para o quarto e daí para o resto da casa. O resultado foi um “destralhe geral”. Vendeu algumas coisas – em plataformas online e fez uma venda com umas amigas na Lx Factory –, doou outras.
Dizer “não” «é um dos princípios básicos para não voltarmos a ficar com a casa atulhada de coisas. Digo não a promoções, ofertas em loja e mesmo a amigos que têm uma coisa para dar», conta Cláudia Ganhão
Envolver a família (ou não)
A mãe e a sogra de Cláudia também quiseram ficar com algumas coisas, mas a reação inicial não foi boa. «A minha mãe é de uma geração que passou por uma ditadura, em que as coisas não eram de fácil acesso. E ao aperceber-se que eu me estava a desfazer de tantas coisas que ela tinha tido tanta dificuldade para conseguir, tivemos alguns choques», conta Cláudia. Com o marido também surgiram algumas divergências. «Por isso foi importante não entrar no domínio dele. Ao fim de algum tempo, sinto que atingimos um certo equilíbrio: as minhas coisas pessoais e as coisas que estão mais sob a minha gestão regem-se pela minha filosofia. Já em espaços onde estamos todos, como a sala de estar ou o escritório dele, está tudo mais de acordo com a forma de estar dele. Não podemos obrigar ninguém a seguir um estilo de vida que para nós é útil, mas que para outra pessoa pode não ser», assume. Entretanto, para garantir que tudo o que retirou de casa não volta a entrar, Cláudia Ganhão foi avisando família e amigos da transição para o novo estilo de vida. Pelo caminho, aprendeu a dizer “não”. «É um dos princípios básicos para não voltarmos a ficar com a casa atulhada de coisas. Digo não a promoções, ofertas em loja e mesmo a amigos que têm uma coisa para dar. Antes, acabava por aceitar para não fazer uma desfeita à pessoa, hoje, digo: “Obrigada, mas não, estou a tentar evitar ter a casa cheia de coisas…”», explica.
«Não temos de abdicar dos nossos gostos para ter menos. Se calhar precisamos é de ter menos coisas que não são importantes»
Das compras às viagens
Cláudia Ganhão não se considera uma minimalista «mas alguém que aplica o minimalismo em várias áreas da vida. A começar pelas tralhas mas também na gestão do meu tempo. Porque o que o minimalismo nos diz é que temos de encontrar aquilo que nos é essencial e eliminar o resto», e garante ser hoje uma pessoa mais calma e ponderada quer nas compras, quer na gestão do tempo e na gestão emocional. Isto passa tanto por eleger apenas compromissos que lhe sejam essenciais ou que possam ajudar terceiros, como por fazer uma gestão mais minimalista da despensa. «Antes, tinha a despensa cheia de coisas. Agora, só compro o que preciso, o que sei cozinhar e apenas se precisar. Não vou comprar maionese se a uso uma vez por mês. É mais simples fazer em casa», exemplifica Cláudia, que também passou a fazer uma alimentação mais equilibrada, evitando alimentos processados e gorduras saturadas. «Tento comprar localmente e a pequenos produtores e, como sou mais consciente nas compras, acabo por trazer menos embalagens, tento comprar a granel. Sinto que produzo mais lixo orgânico e menos lixo reciclável», diz Cláudia, que estendeu o minimalismo às viagens, para as quais leva cada vez menos bagagem. «O minimalismo pode ser aplicado em todas as áreas da nossa vida. Só nos pede que escolhamos o que é verdadeiramente importante para nós», esclarece. O que não quer dizer eliminar objetos só porque sim. «Não temos de deixar de gostar de coisas. Eu adoro ler e continuo a ter uma coleção considerável de livros. Não temos de abdicar dos nossos gostos para ter menos. Se calhar precisamos é de ter menos de coisas que não são importantes», afirma.
«Pela minha experiência, a maior parte da roupa e objetos que as pessoas têm nos seus armários, nas suas casas e nas suas vidas não é utilizada», afirma Rafaela Garcez
Minimalismo como tendência
A experiência de Cláudia está longe de ser a única. Um pouco por todo o mundo multiplicam-se os sites e blogues dedicados ao tema, prova da cada vez maior popularidade deste estilo de vida. «Existe uma saturação natural de todos nós perante o excesso, a acumulação, o materialismo e o consumismo, levando à procura do que nos é essencial e do que realmente precisamos. E precisamos de muito pouco para sermos felizes», afirma Rafaela Garcez, organizadora profissional e consultora certificada do metodo KonMari, criado pela japonesa Marie Kondo, que aponta ainda a multiplicação de livros e blogues como disseminadores da tendência. «Todos eles defendem que devemos ter apenas aquilo que nos é essencial, focar o nosso tempo e energia no que nos é importante e estar alinhado com o que somos. Para tal, é necessário fazer um trabalho de questionamento tanto do que mantemos em nossas casas, como do que mantemos na nossa cabeça, crenças, limitações, valores», afirma. Os benefícios de viver com menos tornaram-se cada vez mais evidentes, com a palavra “destralhar” a integrar o léxico comum de cada vez mais pessoas. «Todos nós temos noção de que o sentimento de felicidade que temos quando compramos algo é efémero, enquanto que se tivermos tempo para viver experiências e momentos alinhados connosco, conseguimos alcançar uma felicidade interna. Pela minha experiência, a maior parte da roupa e objetos que as pessoas têm nos seus armários, nas suas casas e nas suas vidas não é utilizada», afirma Rafaela Garcez para quem a lógica de viver com menos também se aplica à escolha de rotinas, decisões diárias, relações e escolhas profissionais. «Será que encher a nossa agenda de compromissos sociais faz-nos sentir realmente felizes? Ir ao ginásio todos os dias traz-nos alegria? Pode trazer, como não trazer. Temos apenas de fazer escolhas conscientes e alinhadas com o que queremos e nos deixa satisfeitos», diz.
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Inspire-se
Cláudia Ganhão deixa algumas sugestões de livros, filmes e redes sociais onde pode saber mais sobre minimalismo.
Livros
- Menos é Mais
Francine Jay
Arena
Um guia divertido que revela os segredos de uma vida com menos consumo e mais plenitude e que ensina a organizar e simplificar a vida. - O Poder do Menos
Leo Babauta
Plátano Editora
Um guia prático que mostra como racionalizar o quotidiano e privilegiar o essencial.
Na TV
- Minimalism
O documentário, disponível na Netflix, foi produzido pelos autores do site The Minimalists, Joshua Fields Milburn e Ryan Nicodemus, e foca-se nas coisas verdadeiramente importantes da vida.
Online
- Zen Habits
Leo Babauta ensina a viver com menos, dando exemplos de como ele próprio implementou esse hábito. - Becoming Minimalist
Da autoria de Joshua Becker, palestrante e autor bestseller para «inspirar outros a perseguir as suas paixões, possuindo menos bens», lê-se no site.
No Instagram
- Minimallista
A brasileira Natália Grazziotin, autora do site homónimo, oferece inspiração para manter o foco no essencial. - Minimalist Me
O Instagram da consultora certificada do método KonMari e autora do site Minimalist Me oferece inspiração e sugestões de organização.
«Acumular demasiados objetos pode resultar em maior stresse, pelo tempo e preocupação a obter ou a limpar e organizar estes bens, pelo que as pessoas que os acumulam tendem a sofrer mais de ansiedade e depressão e, consequentemente, a ter uma saúde pior»
Antes de ir às compras: faça este exercício em casa
A cada mudança de estação aumentam as tentações nas lojas de pronto a vestir. Cláudia Ganhão explica o que fazer para evitar as compras inúteis.
- Defina o seu estilo pessoal de acordo com os seus compromissos.
- Defina as peças-chave ou básicas de que necessita.
- Retire do armário e gavetas toda a roupa que tem.
- Selecione as peças com as quais quer ficar.
- Evite peças repetidas, em mau estado, que não servem, de que não gosta ou que não são versáteis.
- Seja criativa e experimente vários conjuntos.
- Se precisar de comprar alguma peça-chave, faça uma lista e compre quando a encontrar ou puder.
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Mais minimalismo, menos stresse
Acumular objetos inúteis não é só prejudicial para o espaço e para o orçamento como tem efeitos nocivos para a saúde. «Acumular demasiados objetos ― com pouca ou nenhuma probabilidade de serem usados nos próximos três anos ― pode resultar em maior stresse, pelo tempo e preocupação a obter ou a limpar e organizar estes bens, pelo que as pessoas que os acumulam tendem a sofrer mais de ansiedade e depressão e, consequentemente, a ter uma saúde pior», afirma o psicólogo Fernando Magalhães. O especialista refere ainda que a posse excessiva de objetos está relacionada com a infelicidade. «Estudos indicam que as pessoas mais centradas em valores materiais tendem a ser menos empáticas, mais egoístas e menos generosas, portanto, mais infelizes». De acordo com o psicólogo, a explicação para este efeito pode estar no facto de o cérebro emocional do ser humano não ficar mais “feliz” com bens materiais, apesar de ser essa a mensagem passada pela sociedade de consumo. Contudo, mesmo com provas cientificas de que o consumismo não traz felicidade, a acumulação de objetos parece ser inata: «Os seres humanos estão predispostos a acumular objetos, pelo que ter coisas que são frequentemente usadas devido à sua utilidade, função ou memória emocional, será benéfico e proporciona uma sensação de conforto até um certo limiar, mas a nossa cultura de consumo bombardeia-nos constantemente com a ideia de “comprar”», comenta Fernando Magalhães. E, quando a preocupação em obter bens materiais supera a de investir em experiências mais emocionais ou boas relações humanas, os níveis de felicidade ressentem-se. «As pessoas com demasiados bens materiais tendem a sentir menos emoções positivas durante o dia, por outro lado, as pessoas mais satisfeitas com a vida investem mais em experiências gratificantes do que em bens materiais», afirma Fernando Magalhães. «A quantidade de objetos ótima para cada pessoa será relativa, mas vários estudos sugerem que menos bens materiais relacionam-se com mais felicidade já que as pessoas vivem apenas com o que lhes traz valor para a vida, ocupam-se mais com os outros e com a Natureza, o que as torna mais felizes», resume o psicólogo.
«Ter mais espaço ajuda a ganhar tempo, ao arrumar e limpar menos objetos. E ter menos objetos significa menos estímulos para o cérebro pensar, o que produz um maior relaxamento», explica o psicólogo Fernando Magalhães
O efeito terapêutico do minimalismo
A realização de “purgas” periódicas a tudo o que se acumula ao longo do tempo tem múltiplas vantagens, desde logo porque, de acordo com Fernando Magalhães, permite «ganhar um foco sobre o que é importante na vida», à medida que o desnecessário e o supérfluo são eliminados. Mas o psicólogo elenca ainda outros benefícios associados ao “destralhar”. «Permite sentir a casa mais leve e organizada, ajuda a reduzir o stresse – demasiados objetos desorganizados aumentam-no. Além disso, ter mais espaço ajuda a ganhar tempo, ao arrumar e limpar menos objetos. E ter menos objetos significa menos estímulos para o cérebro pensar, o que produz um maior relaxamento», garante. Com o tempo, a prática de uma vida mais minimalista torna-se natural e, para Fernando Magalhães, os ganhos emocionais são importantes. «Existe mais tempo e disponibilidade para as relações humanas, para se ser mais empático, e ter maior consciência ambiental, pois torna-se mais fácil adquirir apenas o necessário, evitar o supérfluo e o desperdício», garante.

Defina o seu objetivo
Definir um objetivo antes de iniciar a grande mudança rumo ao minimalismo torna mais fácil a escolha do que deve ser ou não mantido em casa, defende Rafaela Garcez. «Se definirmos que queremos ter um estilo mais sofisticado ou confortável, quando tivermos de decidir se queremos ficar com uma peça ou não, podemos sempre perguntar se ela está contextualizada ou presente na nossa visualização de vida ideal», explica a organizadora de espaços. A partir daí, não há regras fixas, já que o processo deve ser ajustado ao estilo de vida de cada um. «O método KonMari sugere uma ordem específica para organizarmos as categorias que temos em casa, começando pela roupa, depois os livros, os documentos/papeladas, o komono (as restantes categorias por ordem de dificuldade) e, por fim, os itens sentimentais. Esta ordem tem uma razão de ser, mas, enquanto consultora, se perceber que o cliente esta mais confortável ou precisa urgentemente de começar por uma outra categoria que não a roupa, por um motivo próprio, o método não perde a eficácia por isso. É apenas uma recomendação», afirma Rafaela Garcez.
Minimalismo: por onde começar
Rafaela Garcez dá uma ajuda a quem quer começar uma vida mais simples já hoje. O critério? A inutilidade dos objetos.
- Roupa que não revela o melhor de si e/ou que não voltaria a comprar
- Peças que não lhe servem ou que não veste há mais de um ano
- Roupa desconfortável
- Meias com buracos
- Revistas antigas que já não vai consultar
- Cabos eletrónicos que não sabe para que servem
- Recibos, contas e documentos sem utilidade
- Medicamentos fora de validade
- Brincos sem par
- Utensílios de cozinha que não usa
Quantas coisas são coisas a mais?
O minimalismo não defende que haja uma quantidade ideal de itens de cada coisa para todas as pessoas, mas sim um número ideal para cada uma. Para encontrar o seu, deve colocar-se a si própria algumas questões sobre esses objetos.
Quantos tem?
Quantos pijamas, conjuntos de ginásio, casacos, carteiras, detergentes, cosméticos… tem (por estação do ano, por função)? _
Quantos usa?
Quantas dessas peças realmente usa por semana? Quantas vezes por semana lava a roupa? Quantos produtos (cosméticos, maquilhagem, detergentes) tem para a mesma função?
É útil?
Utiliza todos os acessórios de moda ou produtos frequentemente? Os produtos estão na validade ou abertos há mais de um ano? Qual o mais indicado para cada situação?
Fonte: Adaptado a partir de informação cedida por Rafaela Garcez, consultora certificada do método Konmari e disponível em claudiaganhao.pt