Mindfulness para principiantes

Mindfulness: o que é e como começar

Após a revista Time ter dedicado uma capa à “Revolução Mindfulness”, o conceito e a pratica espalharam-se pelo mundo. Na era da dispersão da atenção, devolve-nos o foco que concede equilíbrio.

  • PorCatarina Caldeira BaguinhoJornalista

  • Entrevista aVasco GasparPsicólogo e professor certificado em Search Inside Yourself – programa criado e desenvolvido na Google

A vida acontece no momento presente, ensina o mindfulness, uma «ferramenta que nos dá maior clareza e robustez» emocional, explica Vasco Gaspar, psicólogo e autor do livro Aqui e agora: Mindfulness (Matéria-Prima). «É uma capacidade que todos os seres humanos têm. É a capacidade inata de estar presente no que acontece neste momento, naquilo que acontece dentro de nós, nos nossos pensamentos, no nosso corpo, nas nossas emoções, no que se está a passar à nossa volta (pessoas com quem estamos a falar e ambiente). É o estar consciente do que está a acontecer. É aí que acontece a vida, mas nós, muitas vezes, andamos perdidos em pensamentos, (o que é normal). Podemos, contudo, cultivar a capacidade de vivermos mais, não no sentido de termos mais anos, mas de estarmos mais presentes nos anos que temos», conta em entrevista à Revista Prevenir.

«Encaro estas práticas como uma higiene mental. Não lavamos os dentes só no início da semana; temos de os ir lavando, porque se vão sujando e o mesmo se aplica à nossa mente que se vai “sujando” com preocupações, problemas e situações stressantes»

Como devemos ir preparados para uma sessão de mindfulness?

Não há nenhum pré-requisito. O único que possa existir é o de ir de coração e mente abertos, estar preparado para olhar para dentro de si. A pessoa tem de estar disponível para explorar, permitir surpreender-se com coisas que possa encontrar dentro de si. O importante é a vontade de querer praticar e investigar a experiência que está a viver no momento.

O que acontece numa primeira sessão?

Eu divido-a sempre em duas partes: na primeira, procuro desmistificar o tema. Explico o que é o mindfulness, o que a palavra meditação aponta – que não tem de ter nenhuma ligação religiosa ou esotérica –, abordo a neurociência que está na base destas práticas e mostro onde é que o mindfulness está a ser aplicado (empresas, hospitais, escolas). Na parte prática, explico como é que esta capacidade se pode treinar através da meditação e faço alguns exercícios.

Os benefícios sentem-se logo na primeira sessão?

Cada caso é um caso e o mindfulness não é uma panaceia que resolve todos os problemas ou que sirva da mesma forma todas as pessoas. O que, normalmente, verifico é que depois da primeira sessão, a maior parte das pessoas consegue ficar mais tranquila e relaxada. Mas para ter todos os benefícios, deve ir-se praticando. É como ir ao ginásio: se for só uma vez não vou ficar com os músculos definidos. Encaro estas práticas como uma higiene mental. Não lavamos os dentes só no início da semana; temos de os ir lavando, porque se vão sujando e o mesmo se aplica à nossa mente que se vai “sujando” com preocupações, problemas e situações stressantes. Temos de fazer um trabalho periódico de cultivo desta capacidade de nos focarmos.

«As pessoas acham que se a cabeça não parar naquele momento ou se elas não levitarem, se não sentirem nada de transcendente, é sinal de que estão a fazer alguma coisa mal, quando, na verdade, pensar e abstrair-se faz parte do processo»

Que dificuldades surgem quando se inicia o mindfulness?

A principal dificuldade está associada ao mito de que “meditar é parar de pensar”. As pessoas acham que se a cabeça não parar naquele momento ou se elas não levitarem, se não sentirem nada de transcendente, é sinal de que estão a fazer alguma coisa mal, quando, na verdade, pensar e abstrair-se faz parte do processo. É precisamente na capacidade de perceber o que me distrai e voltar a focar a atenção que eu cultivo o mindfulness. Outra dificuldade está relacionada com o encontrar tempo para incluir estas práticas no dia a dia. Mesmo que sejam apenas cinco minutos, tudo o que implica criação de um novo hábito envolve uma nova rotina. Por isso, uma das primeiras coisas que sugiro é que se tente encontrar um “furo” no calendário diário, nem que seja por cinco minutos ou até mesmo um minuto, para parar e praticar.

O seu livro procura integrar as duas perspetivas do mindfulness: a contemplativa e a científica. Quais as diferenças entre elas?

A abordagem contemplativa está mais ligada às religiões, como o budismo. Aliás, todas as religiões têm práticas contemplativas e práticas para cultivar essa capacidade mindfulness, mas dão-lhe outro nome. Por outro lado, temos a visão da ciência que tem vindo a investigar o que se altera com esta prática nas áreas cerebrais relacionadas com a atenção. Procuro, por um lado, honrar essas tradições e as práticas que nasceram dessas tradições; por outro, dar-lhe a “nova religião” – a ciência –, partilhar uma visão científica, mais racional, que nos permita perceber e compreender porque é que o estamos a fazer, mas sem que tenhamos de acreditar em algo transcendente.

O que aconselha a quem tem mais dificuldade em parar e meditar?

A fazê-lo durante menos tempo. Mesmo um minuto por dia pode ser benéfico. Além disso, sugiro que se experimentem outras praticas mais movimentadas, mas que também cultivam o mindfulness, como o yoga ou o tai chi. Mesmo dentro do conceito do mindfulness, há práticas como o caminhar consciente, o comer consciente, o falar consciente… estar consciente de qualquer atividade que se faça. Mas também pode haver pessoas a quem estas práticas não servem. Da mesma forma que há quem não se adapte ao ginásio, também há quem não se adapte ao mindfulness. E isso não tem mal nenhum.

Estudos indicam que pessoas que foram injetadas com vírus da gripe estavam mais imunes quando praticavam mindfulness

Refere no seu livro que o mindfulness tem vários benefícios a nível da saúde. Como é que “opera” no nosso organismo?

A ciência tem vindo a tentar compreendê-lo e, apesar de ter ainda muitas perguntas, já vai tendo algumas respostas. Já se sabia que o stresse, ao ativar um conjunto de hormonas que nos permitem reagir e lidar com o perigo, protege-nos. Mas sabe-se agora que também podemos produzir a resposta oposta: a do relaxamento. Ao contrário da primeira (a do stresse) que nos prepara para lutar ou fugir, a do relaxamento regenera-nos, ajuda o corpo e a mente a recuperar. O que se verifica é que, quando essa resposta de relaxamento é ativada, ocorrem impactos a vários níveis: o sistema imunitário torna-se mais forte, mais presente, mais capaz de lidar com a doença. Estudos indicam que pessoas que foram injetadas com vírus da gripe estavam mais imunes quando praticavam mindfulness. O mesmo se passa com pessoas com VIH: geralmente, estes doentes vão perdendo as células CD4, que fazem parte do sistema imunitário, contudo, num grupo de pessoas que praticava mindfulness, isso não se verificava.


Os erros mais comuns na prática do mindfulness

  1. Achar que não se vai pensar em nada
    «Pensar e abstrair-se faz parte do processo. é precisamente na capacidade de perceber que me distraí e voltar a focar a atenção que eu cultivo o mindfulness.»
  2. Autojulgamento
    «As pessoas começam a culpar-se porque não estão a ser capazes de o fazer ou porque não estão a conseguir encontrar tempo. isso, muitas vezes, é um obstáculo. E uma das bases do mindfulness é a aceitação. Há dias em que, por qualquer motivo, não nos conseguimos concentrar na meditação e há que aceitar. Não somos perfeitos, somos seres humanos com frustrações e temos emoções negativas que temos de aceitar para que não se transformem em monstros.»

O poder do mindfulness

A ciência está atenta aos efeitos da prática do mindfulness. Eis o que já apurou:

  • Resposta anti-inflamatória
    Investigadores da Universidade de Madison, nos Estados Unidos da América, mediram os genes de um grupo de pessoas, antes e depois da prática de mindfulness. Constataram que, depois de as mesmas meditarem durante oito horas não consecutivas houve alterações em alguns genes (os mesmo que são ativados quando tomamos um medicamento para tratar uma infeção), sobretudo os relacionados com a resposta anti-inflamatória.
  • Ação antienvelhecimento
    Investigadores do laboratório do prémio Nobel da Medicina Elizabeth Blackburn realizaram um estudo aos telómeros – as capas dos cromossomas –, que se vão deteriorando ao longo da vida. No final, concluíram que quem praticava meditação produzia mais telomerase, uma enzima que repara os telómeros. Quem fazia esta prática apresentava uma menor degradação dos telómeros, logo envelhecia mais lentamente.
Última revisão: Novembro 2015

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