Luto: o que sentimos quando perdemos alguém e como superar a perda

Luto: como superar a perda

Depois da morte de alguém que amamos, o luto é fundamental para a aprendizagem, o crescimento e o recomeço que a perda nos traz. Mas, para isso, deve ser saudável.

  • PorCarlos Eugénio AugustoJornalista

  • Entrevista aDra. Vera RamosPsicóloga clínica e da saúde

 

O luto é um período complexo, de reação imprevisível e com uma carga emocional muito intensa. É um processo que implica um «conjunto de variáveis e questões como os valores sociais, culturais e religiosos, que condicionam a reação à perda e a sua aceitação. Quando não existe um devido suporte, o luto será mais complicado e prolongado, podendo mesmo tornar-se patológico», explica Vera Ramos, mestre em Psicologia Clínica e da Saúde. Em entrevista à Revista Prevenir, a especialista explica o processo de um luto normal e revela estratégias que ajudam a superar a morte de alguém que amamos.

«O luto normal/assertivo corresponde a um período que permite aceitar a perda do ente querido, recordá-lo sem um sofrimento intenso, transformando a dor em saudade»

O que é considerado um luto saudável/normal?

O luto normal/assertivo corresponde a um período que permite aceitar a perda do ente querido, recordá-lo sem um sofrimento intenso, transformando a dor em saudade. Algo que ajuda a ter consciência de que a pessoa não voltará a estar presente e a retomar a rotina sem mudanças, ciente de que a vida tem de continuar.

Como se aprende a aceitar a perda?

Através de uma dinâmica complexa, constituída por cinco fases. A primeira é a negação e o choque, na qual se tem dificuldade em entender e aceitar o acontecimento. Depois surge a raiva, autodirigida e/ou transferida a quem nos rodeia, muitas vezes aliada a um sentimento de culpa. A terceira fase é a negociação, uma tentativa de fazer a vida voltar ao passado, mas também a sensação de que poderíamos ter controlado ou prevenido a situação, criando um cenário irreal em que a pessoa ainda estaria connosco. A depressão, uma reação natural à perda, é a quarta fase, onde existe cansaço, isolamento e silêncio. É o período mais profundo do luto, de grande tristeza e dormência emocional. Por último dá-se a aceitação, em que o enlutado alcança alguma paz. Ainda pode sentir-se tristeza ou saudade, mas volta-se a pensar no futuro e a lembrança dá lugar ao sorriso, ao invés do choro.

«A intensidade e duração da sintomatologia apresentada pelo enlutado pode ajudar a distinguir entre luto normal e patológico»

É “obrigatório” seguir-se essa ordem ou passar por todas as etapas?

Muitos não o fazem, nem seguem obrigatoriamente a mesma ordem. No entanto, é comum passar por, pelo menos, duas dessas etapas: a negação e a depressão. Algumas pessoas ficam muito tempo estagnadas numa das fases, sentindo-se incapazes de superar a dor. Pode ser necessário pedir ajuda psicológica que permita refletir sobre a fase do luto em que a pessoa se encontra, pois é essencial vivenciá-la para seguir em frente.

Esse «muito tempo» pode ser quantificado?

A intensidade e duração da sintomatologia apresentada pelo enlutado pode ajudar a distinguir entre luto normal e patológico. Este acontece quando a dor emocional, ou o sofrimento, permanece mais de um ano e está a interferir com a vida normal da pessoa, nas suas relações sociais, familiares ou laborais. Nesse momento, é crucial pedir ajuda especializada.

Que fatores podem predispor para o luto patológico?

A forma como a pessoa morreu; se existe sentimento de culpa da pessoa enlutada; o tipo de relação com o falecido; se o enlutado estava presente no momento da perda.

«Dizer “não chores” ou “tens de ser forte” impede que a pessoa expresse os sentimentos e/ou incute a ideia de que é fraca»

Quais os erros mais comuns durante o luto?

Muitas vezes é quem rodeia o enlutado que os comete. É preciso respeitar o espaço para se vivenciar o luto e ter consciência de que a tristeza é natural. Dizer “não chores” ou “tens de ser forte” impede que a pessoa expresse os sentimentos e/ou incute a ideia de que é fraca. Outro mito é o facto de se acreditar que a melhor forma de ajudar é não falar do sucedido.

Perante um familiar ou pessoa próxima com uma doença terminal, estamos mais preparados para a perda?

Quando cientes de que a cura não é possível, vivemos uma situação de luto antecipado, que gera ambivalências de sentimentos e um cenário devastador para paciente e família. Deve existir um processo que passa pelos cuidados paliativos e um acompanhamento multidisciplinar.

E no caso de uma morte inesperada?

É ainda mais complicado, pois o enlutado não tem tempo para se preparar para a perda, o que pode resultar num medo avassalador, angústia e isolamento, pois está sempre envolvido com lembranças do morto. Há quem se questione se a morte foi dolorosa e essas lembranças impedem recordações positivas, o que interfere com o processo normal de luto. Muitos só encaram a realidade no funeral. Estes acontecimentos podem dar origem a um quadro de stresse pós-traumático se não se procurar ajuda.

«As crianças devem vivenciar o luto. Dando mesmo a possibilidade de participar no ritual fúnebre, a partir dos 9 ou 10 anos pois nesta idade já perceciona a morte como um adulto»

Existe um perfil de quem procura essa ajuda?

São as mulheres a partir dos 35 anos. Já os homens variam entre os 30 e os 40 anos. Mas também já tive crianças de 6 anos em terapia de luto.

A partir de que idade as crianças têm real noção da morte?

Por volta dos 6 anos, mas não da mesma forma que um adulto. A criança pode mesmo sentir-se responsável pela morte de alguém. Isso faz com que se isole e recuse falar da situação com o propósito de proteger a família, pois pensa que ao fazê-lo estará a causar maior sofrimento aos outros.

Deve proteger-se as crianças do luto ou confrontá-las com a perda?

As crianças devem vivenciar o luto. Nunca se deve evitar falar do sucedido, nem colocar a criança de parte, dando mesmo a possibilidade de participar no ritual fúnebre, a partir dos 9 ou 10 anos pois nesta idade já perceciona a morte como um adulto. Excluí-la poderá bloquear o processo. Em caso de se sentir que a criança não está a lidar bem com a situação, recomenda-se a ajuda de um especialista.

«Está provado cientificamente que os crentes recuperam mais facilmente e passam pelo processo de luto mais rapidamente»

Qual deve ser o papel do psicólogo no processo de luto?

É essencial no encarar da perda de forma ajustada e identificar a fase do luto em que se encontra, estabelecendo um novo equilíbrio que permita ao enlutado viver com a ausência do ente querido. Em alguns casos, perceberá se há necessidade de se fazer tratamento farmacológico. Caso se confirme, encaminhará o paciente para o serviço de psiquiatria ou médico de família. Nos casos de depressão profunda ou potenciais suicidas, faz-se terapia combinada.

Encontra relação no que é uma melhor superação à perda entre alguém com uma crença religiosa e a melhor aceitação ao luto?

Sim. Quem é crente valoriza e tem devoção por algo considerado superior. Está provado cientificamente que os crentes recuperam mais facilmente e passam pelo processo de luto mais rapidamente, relatando menor sofrimento, quando comparado com aqueles que não têm crença religiosa, pois estes têm maior sintomatologia depressiva.

Que práticas ou rituais são aconselhados para gerir um processo de luto?

As exéquias fúnebres, as flores e a celebração do dia dos fiéis defuntos são importantes como simbologia de respeito e dignidade à memória do morto. A cerimónia fúnebre será a última vez que a pessoa vê o corpo da pessoa querida e é o momento de despedida.


Estratégias que ajudam a superar a perda

As recomendações de Vera Ramos, mestre em Psicologia Clínica e da Saúde, que podem ajudar a encarar o luto.

Mantenha a rotina. «Evite adotar mudanças no quotidiano pois a vida tem de continuar.»
Aceite o apoio da família e amigos. «Estar próximo das pessoas em quem confiamos e que nos transmitem segurança é essencial para se sentir mais compreendido e apoiado.»
Escreva uma carta à pessoa que partiu. «É um ritual de despedida que ajuda a lidar de forma mais positiva com a perda e a dor. No entanto, a carta deve ser destruída para ajudar a fechar esse ciclo de forma mais assertiva. Ao expressar os sentimentos, geralmente acabamos por sentir alívio e conforto.»
Se é crente recorra à oração. «É uma forma de percecionar as emoções e dar-lhes um novo significado.»
Evite andar com objetos do ente querido. «Isso pode levar o enlutado a manter a presença do falecido ao invés de reforçar e acreditar que a pessoa partiu.»
Recorra a ajuda especializada. «Deve fazê-lo quando sentir que não está a ser capaz de superar o luto sozinho.»


As cinco fases do luto

Vera Ramos, mestre em Psicologia Clínica e da Saúde, explica as etapas do luto resultantes de um estudo da psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross na década de 60.

  1. Negação e choque
    «Dificuldade em entender e aceitar o acontecimento.»
  2. Raiva
    «Autodirigida e/ou transferida a quem nos rodeia, muitas vezes aliada a um sentimento de culpa.»
  3. Negociação
    «Tentativa de fazer a vida voltar ao passado, mas também a sensação de que poderíamos ter controlado ou prevenido a situação, criando um cenário irreal em que a pessoa ainda estaria connosco.»
  4. Depressão
    «Reação natural à perda, é a quarta fase, onde existe cansaço, isolamento e silêncio. É o período mais profundo do luto, de grande tristeza e dormência emocional.»
  5. Aceitação
    «O enlutado alcança alguma paz. Ainda pode sentir tristeza ou saudade, mas volta a pensar no futuro e a lembrança dá lugar ao sorriso, ao invés do choro.»
Última revisão: Maio 2019

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