Viver em confinamento: o guia de saúde mental que todos devem ler

Como manter a saúde mental durante o segundo confinamento

Sendo este confinamento uma repetição podemos usar a experiência do primeiro confinamento a nosso favor: o que correu bem e podemos repetir? O que não correu tão bem e devemos fazer diferente?

Menos de um ano depois e estamos perante aquilo que temos vindo a chamar um novo confinamento. Começamos 2021 com mais um grande desafio à nossa saúde psicológica e capacidade de resiliência, numa altura em que podemos sentir que não estamos preparados, que vamos enfrentar uma nova “maratona” sem ter recuperado ainda da anterior. O confinamento será próximo do que vivemos em março e abril de 2020, mas também será diferente. Desta vez, o risco de sermos ou estarmos infetados é maior, por ser também maior o risco de familiares ou amigos serem/estarem infetados. Desta vez, conhecemos mais pessoas infetadas (ou que já tiveram infetadas), algumas das quais sofreram ou vivenciam processos de luto por quem morreu devido à doença. A ansiedade e o stresse provocados pela pandemia e pelo confinamento também serão diferentes. Para muitas famílias vão aumentar o número de fatores de stresse, sobretudo para aquelas que experienciarem a doença e grandes alterações da sua rotina diária, que sejam confrontadas com situações de desemprego, que vivam com dificuldades financeiras ou que tenham de conciliar o teletrabalho com o cuidado de filhos menores ou outros familiares. Estamos mais cansados. A fadiga da pandemia atinge uma parte muito significativa dos portugueses, assim como os impactos psicológicos do primeiro confinamento e da situação de crise (pandémica e socioeconómica) que enfrentamos.

O impacto do primeiro confinamento

Estudos indicam que cerca de metade dos portugueses terá sofrido impactos psicológicos moderados ou severos e, de acordo com o Instituto Nacional Ricardo Jorge, sete em cada dez portugueses que estiveram em quarentena acusaram sofrimento psicológico. No primeiro confinamento, o nosso esforço e sacrifício eram alimentados pela esperança de resultados positivos, numa “missão” que nos unia a todos. Neste segundo confinamento, esperamos igualmente resultados positivos, mas podemos sentir-nos mais bloqueados e menos motivados perante um futuro que permanece incerto e  pelas restrições impostas para combater a pandemia que ainda não nos permitiram regressar à “vida normal”.

Estes sentimentos são naturais:

  • É natural que a dor e a inquietação que sentimos seja proporcional à realidade exigente que vivemos.
  • É natural sentir angústia, tristeza, medo, incerteza, desgaste e muito cansaço.
  • É natural que nos possamos sentir insatisfeitos com a nossa vida, sem controlo na situação e, de uma forma geral, “em baixo”.
  • É natural chorar, desesperar, ficarmos mais irritáveis e menos pacientes uns com os outros.
  • É natural sentir o novo confinamento como um “castigo” que não se merece. É natural sentir zanga e impotência.
  • É natural que sintamos que a nossa vida fica limitada ao trabalho, sem atividades de lazer e vida social presencial. O “tempo livre” pode não nos parecer assim tão “livre”.
  • É natural que tenhamos dúvidas sobre como vamos “sobreviver” a um novo confinamento.
  • É natural sentirmo-nos frustrados porque, mais uma vez, os nossos planos e projetos de futuro ficaram, temporariamente, suspensos.

Se partilha de algum ou alguns destes sentimentos, saiba que não está sozinho. Estamos todos unidos por estes sentimentos, nalgum momento ou momentos dos nossos dias, nesta circunstância excecional. Mas, sendo este confinamento uma repetição, podemos usar a experiência do primeiro confinamento a nosso favor: o que correu bem e podemos repetir? O que não correu tão bem e devemos fazer diferente? Desta vez, já construímos ou podemos construir uma “Caixa de Ferramentas” para manter a nossa saúde psicológica.

Caixa de ferramentas para o novo confinamento geral

Primeiro que tudo, tenha em mente que o confinamento vai acabar e a pandemia também.

Ferramentas emocionais

Concentre-se no aqui e agora e no que neste contexto, ainda assim, pode controlar

Esteja atento às suas emoções, sentimentos e pensamentos. Lembre-se que é natural que o seu humor e a sua motivação possam flutuar – uns dias serão melhores do que outros. Preencha a Checklist Como me Sinto?

Aceite as suas emoções e sentimentos, bem como a incerteza e a imprevisibilidade da situação. Não sabemos quando é que isto vai acabar e a perspetiva de mais umas semanas neste registo é dura (ou qualquer outro adjetivo que considere adequado ao que está a sentir). E sim, precisaremos de esperar para ver os resultados positivos do nosso esforço de permanecer em confinamento.

Acredite na sua capacidade para lidar com esta situação. Não é a primeira vez que passamos por um confinamento e, muito menos, é a primeira vez que passamos por uma situação difícil na nossa vida. Que estratégias o ajudaram a ultrapassar as situações anteriores? Use-as ou adapte-as para enfrentar esta situação.

Viva um dia de cada vez. Concentre-se no aqui e agora e no que neste contexto, ainda assim, pode controlar. Por exemplo, as atividades que está e pode fazer: preparar uma refeição, fazer exercício, jogar um jogo, ler um livro, ver um filme.

Aprenda estratégias de gestão da ansiedade e do stresse. A sensação de “já não aguentarmos mais” é um “estado da nossa mente”. Podemos usar a ansiedade a nosso favor e combater os sentimentos negativos e desagradáveis que ela nos traz. Conheça Três Passos para Lidar com a Ansiedade.

Use o humor. O humor não significa falta de respeito ou incapacidade de reconhecer a gravidade da situação. O humor é uma estratégia saudável para lidar com situações difíceis, que contribui para diversificar emoções e controlar melhor pensamentos. O humor pode proporcionar-nos momentos de alegria, tranquilidade, contribui para aliviar tensões e fortalecer os nossos laços com os outros.

Peça ajuda. Se os seus sentimentos de ansiedade e inquietação forem excessivos e persistentes, se já não consegue ter prazer em atividades de lazer, se está profundamente triste, se tem vontade de consumir álcool em excesso, se está extremamente irritado ou agressivo, se se sentir completamente sobrecarregado ou incapaz de funcionar e fazer a sua rotina diária, se sentir que está a ficar sem controlo, peça ajuda. Ligue para um recurso que temos hoje e não tínhamos no início do primeiro confinamento – a Linha de Aconselhamento Psicológico do SNS24 – ou procure ajuda de um psicólogo.


Ferramentas relacionais para o novo confinamento geral

«Do nosso comportamento, empatia e solidariedade depende não só a nossa saúde e a saúde das pessoas de quem gostamos, mas a saúde e o bem-estar de todos nós»

Reforce as suas relações. O confinamento significa apenas isolamento físico, não significa isolamento ou distanciamento emocional. As relações com os outros são o que faz a nossa vida valer a pena, e essa realidade não se alterou. Por isso, é tempo de reduzir a proximidade física, mas aumentar a nossa conexão social e relacional. A conexão com os outros é o nosso “superpoder”, torna-nos mais inteligentes, felizes, produtivos e resilientes. E também ajuda a combater o impacto do confinamento na saúde física e psicológica, melhorando o funcionamento cardiovascular, endócrino e do sistema imunitário.

Expresse os seus afetos. Mesmo à distância é possível expressar os nossos afetos e dizer aos outros que os amamos, nos preocupamos com eles e lhes estamos gratos. Se está cansado de ecrãs e de videochamadas, faça telefonemas, escreva um email ou até uma carta.

Partilhe o que sente. Falar sobre como nos sentimos e como estamos a experienciar a situação, com familiares ou amigos, pode ajudar-nos a perceber que não estamos sozinhos, que os outros nos compreendem e a sentirmo-nos melhor. Quando se sentir bem-disposto, partilhe também esse sentimento – sabia que quando se sente feliz, aumenta a probabilidade em 25 por cento de um amigo também se sentir feliz?

Reforce os seus comportamentos pró-sociais. Estando em confinamento contribuímos ativamente para conter a propagação do vírus, para mantermos seguras as pessoas mais vulneráveis e para que os serviços de saúde continuem a ter capacidade de resposta para os casos graves, que não podem recuperar em casa. Estando em confinamento e procurando, ainda assim, contactar com familiares, amigos ou outros em situações de vulnerabilidade contribuímos para a prevenção de problemas de saúde psicológica. Do nosso comportamento, empatia e solidariedade depende não só a nossa saúde e a saúde das pessoas de quem gostamos, mas a saúde e o bem-estar de todos nós.

Reduza a possibilidade de conflitos. É natural que esta situação difícil possa provocar irritabilidade e aumentar a probabilidade de ocorrerem discussões. Identifique um “espaço pessoal” para onde possa retirar-se quando se sente frustrado ou irritado. Aprenda mais sobre Como Evitar e Resolver Conflitos em Situação de Confinamento.

Se está numa relação de casal, procure comunicar e comportar-se de forma a desculpar comentários críticos ocasionais, perdoar comportamentos que o magoaram, compreender a perspetiva do outro e evitar culpabilizações, hostilidade e desprezo. Também é importante partilhar responsabilidades, dedicar tempo um ao outro, criar espaço para expressar sentimentos e envolverem-se em atividades positivas que aumentem a intimidade, nomeadamente momentos de relaxamento e diversão. Conheça outras Estratégias para Casais.

Procure sentir-se útil e dar um propósito ao que estamos a passar. Procure formas de ajudar. Por exemplo, ofereça-se para ir às compras por um vizinho quando for fazer as suas, cumprindo todas as medidas de proteção; ligue aos seus familiares e vizinhos mais idosos; escreva um postal a um amigo; verifique se existe algum grupo de voluntários na sua zona para o qual possa contribuir; leia uma história à distância; ensine a alguém uma competência ou arte que domina.

Tome nota: O confinamento pode agravar dinâmicas relacionais disfuncionais, dificuldades de comunicação ou despoletar direta ou indiretamente (por exemplo, pelo aumento do consumo de álcool) atos de violência. Para as vítimas de violência doméstica a casa não é um lugar de segurança e conforto e, por isso, a situação de confinamento pode ser ainda mais difícil de suportar. Lembre-se: A violência doméstica é um crime público. Nós estamos em confinamento, mas os Direitos Humanos não. Se é vítima de violência doméstica saiba que comportamentos adotar para se proteger e procurar ajuda. Aceda ao documento Isolamento Com Direitos Conter o Vírus e a Violência Doméstica


Ferramentas de gestão pessoal

Tente fazer, todos os dias, algo que lhe dê prazer ou um sentimento de realização

Estabeleça expectativas realistas. Durante o primeiro confinamento podemos ter criado expectativas demasiado altas para nós e para a nossa família (por exemplo, “realizar projetos artísticos todos os dias com as crianças”, “ser superprodutivo no trabalho” ou “cozinhar todas as refeições”). Prefira a tranquilidade à perfeição, respeite o seu ritmo e as suas necessidades, dia a dia.

Estabeleça períodos sem telefone, televisão ou outros ecrãs – pode, inclusivamente, estabelecer um tempo limite para a utilização de tecnologia. Procure também não passar muito tempo a comparar os “pães com aspeto delicioso” e as “atividades cheias de criatividade e imaginação” que aparecem nas suas redes sociais com os seus potenciais “desastres culinários” e “dias passados a ver séries no sofá”.

Faça uma lista de desejos das coisas que gostava de ver, ouvir e fazer durante o tempo de confinamento – as séries que ainda não viu, o projeto que quer começar, algo que gostasse de aprender. Coisas que realmente gostaria de fazer e que com as quais se pode entusiasmar mesmo estando em casa. Durante a semana é possível que esteja a trabalhar, mas ao fim de semana há mais tempo livre para ocupar.

Procure manter uma rotina e diversifique as suas atividades. Fazer as refeições a horas e atribuir diferentes períodos do dia a diferentes tarefas é organizador e pode ajudá-lo a enfrentar o dia com maior tranquilidade. Mesmo que, sobretudo se tiver crianças/ adolescentes consigo, essa rotina tenha de ser flexível e adaptável ao dia a dia nesta situação (que, uns dias correrá melhor e noutros, menos bem). Se estiver em teletrabalho, é ainda mais fundamental fazer pausas e continuar a dedicar momentos à realização de atividades de lazer, assim como ajustar expectativas relativamente à sua produtividade.

Estabeleça objetivos realistas. Tente fazer, todos os dias, algo que lhe dê prazer ou um sentimento de realização (por exemplo, comer uma refeição de que goste, ler algumas páginas de um livro, ligar a um amigo, arrumar uma divisão da casa ou terminar uma tarefa do trabalho). Os objetivos devem ser flexíveis.

Dê o desconto a si próprio. Não seja demasiado duro consigo próprio e aceite que, como seres humanos, cometemos erros. Se não está a conseguir fazer o que queria ou sentir-se de uma outra forma, não será o “fim do mundo”. Aceite e assuma que será, com certeza, capaz de o fazer depois.

Mantenha o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. O trabalho é uma parte muito importante da nossa vida, mas não nos deve impedir de ter qualidade de vida ou sentimentos de realização pessoal. A necessidade de contactar com os outros, de rir, de nos distrairmos e de termos tempo para nós próprios, são igualmente importantes – sobretudo agora. Conheça algumas recomendações para trabalhadores e famílias aqui.


Ferramentas de autocuidado e bem-estar para o novo confinamento geral

«O sono é uma grande influência no nosso equilíbrio emocional. Se puder, durma mais um pouco»

Escolha alimentos saudáveis. Quando estamos tristes ou ansiosos podemos ter a tentação de utilizar a comida e as bebidas para nos “confortarmos”. Sempre que possível, faça uma alimentação saudável e consuma álcool apenas de forma esporádica e em pequenas quantidades de baixo risco.

Faça exercício físico. A atividade física melhora o nosso humor e a nossa saúde. Encontre exercícios que possa fazer facilmente – subir umas escadas ou uma aula de ginástica online. Mantenha, tanto quanto possível, o exercício físico que já fazia ou se está a iniciar comece por fazer apenas dez minutos e depois vá tentando aumentar progressivamente o tempo de exercício. Se possível, e respeitando as recomendações de proteção, faça umas caminhadas ao ar livre.

Escolha atividades diversificadas e que lhe dêem prazer. Crie uma lista com essas atividades, fixe-a num local visível em casa e reserve um período do seu dia, todos os dias, para se dedicar exclusivamente ao que mais gosta. Se na sua lista, algumas das atividades que lhe dão mais prazer são realizadas no exterior, reinvente, seja criativo. Por exemplo, crie o seu ginásio em casa ou faça almoços e jantares virtuais com os seus amigos.

Mantenha bons hábitos de sono. O sono é uma grande influência no nosso equilíbrio emocional. Se puder, durma mais um pouco: quando passamos por situações exigentes, como esta, uns minutos extra de sono podem ajudar a reduzir a ansiedade. Crie e cumpra o hábito de se deitar e levantar à mesma hora; reduza o consumo de estimulantes à noite, como café ou outras bebidas com cafeína, assim como a ingestão de uma grande quantidade de líquidos; evite usar o computador, telemóvel e televisão no quarto e antes de dormir – crie um ambiente calmo, sem estímulos e fontes de informação. Se tiver dificuldades em adormecer, evite “andar às voltas na cama”, levante-se e faça uma atividade calma e tranquila.

Doseie a consulta de informação sobre a pandemia. Demasiada informação não é sinónimo de informação útil. Consulte apenas fontes de informação credíveis e atualizadas, apenas uma a duas vezes por dia. Pesquisar sistematicamente sobre este tema, pode aumentar a ansiedade e o medo. Pondere a possibilidade de desligar as notificações e as redes sociais em determinados momentos do seu dia. Descarte e ajude outros a descartar notícias falsas e boatos que podem alimentar o medo exagerado e promover comportamentos de risco.

Cultive práticas de relaxamento e tranquilidade. Verificar constantemente as notícias e as redes sociais pode aumentar a ansiedade, é preferível focar-se em práticas que produzam emoções positivas – como conversar, pintar, ler, ouvir música, jogar um jogo. Faça uma tarefa de cada vez, com calma. Encontre um tempo só para si, de silêncio (para contemplar, meditar, rezar, por exemplo). Pense nas atividades que o relaxam: tomar banho? Beber um chá? Ouvir música? E faça-as.

Encontre e agradeça coisas positivas. Sozinho ou com a sua família, tire alguns minutos para pensar em coisas boas que lhe aconteceram, que sentiu ou experienciou e pelas quais se sente agradecido.

Desenvolva a sua resiliência. A resiliência é a capacidade que nos permite lidar com os nossos problemas e superá-los, adaptarmo-nos a mudanças e transformarmos experiências negativas na nossa vida. Saiba como neste vídeo.

Esperam-nos tempos (mais) exigentes. Às vezes, é difícil de acreditar, mas “depois da tempestade vem a bonança”. O confinamento vai terminar e a pandemia também. Tentemos manter a nossa resiliência até que venham tempos melhores.
Consulte outras informações e recomendações da Ordem dos Psicólogos Portugueses aqui.

Última revisão: Janeiro 2021

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