Enrique Rojas: «Os hobbies atuam como ansiolíticos contra a ansiedade»

Enrique Rojas: Ansiedade

O que é preciso para nos libertarmos da ansiedade que nos impede de sermos saudáveis e felizes? Enrique Rojas, um dos mais reputados psiquiatras espanhóis, partilha o que décadas de prática clínica lhe ensinaram.

  • PorCarlos Eugénio AugustoJornalista

  • Entrevista aEnrique RojasMédico psiquiatra e professor catedrático de Psiquiatria e Psicologia Médica e autor do livro SOS Ansiedade (Matéria-Prima Edições)

Trabalhamos muito, descansamos pouco e raramente questionamos as exigências de um quotidiano que vai elevando a fasquia da nossa performance laboral, social e familiar. Essa tensão permanente está a gerar elevadas doses de ansiedade que, segundo Enrique Rojas, médico psiquiatra, «afeta-nos física e psicologicamente, provocando um quadro de mal-estar que pode incluir taquicardia, dificuldade respiratória, suores e tremores». O problema transforma-se numa doença quando «nos impede de fazer uma vida normal, perturbando as relações emocionais, afetivas ou profissionais. Isso gera instabilidade, sentimentos de perda e incompetência, e pode transformar-se em algo patológico».

Grande entrevista a Enrique Rojas, médico psiquiatra

Para desfazer este “nó”, é preciso, segundo o autor de SOS Ansiedade, aprender a «distinguir o acessório do fundamental e saber refrear as ambições, pois só assim dominaremos a ansiedade e almejaremos a tão desejada felicidade», explicou à Revista Prevenir.

Vivemos hoje o culto da civilização do bem-estar, mas, paradoxalmente, a ansiedade é um problema crescente. O que temos de mudar?

A vida divide-se entre deveres e prazeres e, nesse contexto, temos de conseguir seguir uma conduta que nos defenda da ansiedade. Isso implica aprendermos a dizer “não!”, nomeadamente ao excesso de horas de trabalho. Complementarmos esta postura com muita disciplina, evitando a fragilização física e psicológica, funciona como um ansiolítico e produz efeitos positivos em termos de raciocínio mental, de projeto de vida, de doseamento de esforço, de seguir um horário padrão de deitar e levantar, de organização doméstica.

Fazê-lo ajuda-nos a distinguir o essencial do supérfluo, afastando-nos de vez daquilo que não precisamos e que nos prejudica. É importante trabalhar a consciência para perseguir apenas objetivos realizáveis e apostar em ocupações que nos deem prazer, como ler, ouvir música, ir ao teatro, pintar ou fazer exercício físico: atuam como “ansiolíticos” e permitem-nos chegar ao fundo de nós próprios.

«As doenças psicológicas propagam-se por contágio. Se, numa família, existe um ou dois elementos mais nervosos, é normal que essa ansiedade se generalize»

Nota que algo se alterou, nos últimos tempos, na forma como os pacientes se referem à ansiedade e como lidam com ela?

Com as mudanças de paradigma social das últimas décadas, existem alguns focos novos de ansiedade. O culto do corpo é um exemplo e permitiu o aparecimento de uma série de perturbações alimentares. Outro grande gerador de ansiedade é o vício no trabalho. São muitos os chamados workaholics que procuram ajuda. Apesar destes novos cenários, os níveis de ansiedade variam e isso não estará diretamente relacionado com as atividades que se exerce, mas sim com as próprias pessoas.

Isso reforça a ideia de que existem pessoas naturalmente mais ansiosas do que outras…

Sim, essa propensão nasce com algumas pessoas, pois “fabricam” ansiedade. Isso está relacionado com a genética, sendo hereditário, e também com a aprendizagem, principalmente no seio familiar.

Viver ou conviver com alguém ansioso pode tornar-nos ansiosos?

Sim, sem dúvida, pois as doenças psicológicas propagam-se por contágio. Se, numa família, existe um ou dois elementos mais nervosos, é normal que essa ansiedade se generalize. Pelo contrário, se, dentro do espaço familiar, existe ordem, equilíbrio e, consequentemente, alegria, respira-se e vive-se melhor. Os pais e educadores, em particular, devem entender que educar é ajudar a crescer, é acompanhar e, por acréscimo, lutar por conseguir o que de melhor o outro pode desejar. Por isso, trata-se de uma tarefa demorada, que se quer ponderada, sem pressas, evitando atalhos que podem tornar as pessoas potenciais ansiosos.»

A ansiedade é essencialmente fruto das experiências de vida?

Isso é, infelizmente, o mais comum. Nesses casos, homens e mulheres diferem em termos comportamentais e a ansiedade afeta-os de forma diferente. No contexto ocidental, a mulher é mais sensível às frustrações afetivas e familiares e o homem sofre mais com os insucessos laborais e económicos. Esta predisposição provoca micro e macrotraumas em ambos os sexos.

Enrique Rojas, médico psiquiatra

«Os tratamentos apenas podem ser bem-sucedidos quando são seguidos à risca, caso contrário, pode anular-se o seu efeito ou criar-se um cenário de dependência»

Os primeiros, mais frequentes, são acontecimentos negativos cuja repetição pode provocar problemas sérios, enquanto os segundos são impactos de grande intensidade que marcam a vida. No todo, estes acontecimentos abalam a nossa estrutura emocional.

Quais os principais mitos que subsistem em relação à ansiedade?

Um dos que se tende a generalizar, nomeadamente entre os mais jovens, é que se pode trabalhar, desenvolver uma atividade, sem stresse ou picos de ansiedade. É uma imagem idílica que deve ser clarificada. Outra questão que faz parte do imaginário coletivo como sendo algo, erradamente, apenas maravilhoso, é o amor. Porque é uma tarefa diária, implica muita dedicação, não sendo apenas aquela nuvem que nos eleva. Ter consciência dessas dificuldades pode salvaguardar-nos de desordens emocionais como a depressão.

Como se distingue a ansiedade da depressão?

A depressão é uma doença emocional precedida pela tristeza, aqui entendida como uma melancolia extrema, um desânimo por viver, o que faz com que nos abracemos a eventos passados, convertendo a história pessoal em momentos de culpa. Já a ansiedade é inquietude, desassossego, nervosismo, mal-estar interior, pensar que os nossos problemas não têm solução. Apesar destas diferenças, quando a dor é muita, são sentimentos que se canibalizam, logo existem pessoas depressivas que se tornam ansiosas e vice-versa.

No livro SOS Ansiedade, defende um plano terapêutico com cinco ângulos, sendo o uso de fármacos, na sua opinião, «decisivo». A medicação é indispensável em todos os casos?

Defendo um esquema terapêutico que compreende a farmacoterapia, a psicoterapia, a socioterapia, a laborterapia e a biblioterapia, mas quando se pretende ultrapassar casos de ansiedade endógena, a utilização de fármacos é fundamental, tal como os antibióticos são obrigatórios para debelar infeções.

Como funciona a toma de medicação para a ansiedade?

O tratamento deve ser feito durante um período de tempo estabelecido e, à medida que o paciente evoluiu, a medicação é reduzida de forma gradual. Cerca de 90 por cento dos casos segue essa regra. Os tratamentos apenas podem ser bem-sucedidos quando são seguidos à risca, caso contrário, pode anular-se o seu efeito ou criar-se um cenário de dependência, principalmente quando o paciente não respeite as ordens do médico ou opte pela automedicação.

Ao fim de quanto tempo é possível sentir melhorias no estado de ansiedade?

Em média, após dois meses e meio a três meses, já começamos a ver resultados satisfatórios e as pessoas reduzem os seus níveis de ansiedade. Para verificar essa evolução, os psicólogos utilizam escalas de conduta, de análise similar à conhecida escala de Richter que verifica a intensidade dos sismos, que avaliam a ansiedade, como a de Hamilton ou Beck. Humildemente, apresentei uma proposta de escala há muitos anos num congresso e também foi aceite.


Pelos seus efeitos, a ansiedade é uma espécie de terramoto interior?

É isso mesmo! Pode ter efeitos devastadores e ruir o nosso edifício físico e psicológico. Daí que seja algo que não devemos menosprezar e tratar o mais rapidamente possível, com o máximo de disciplina.

No âmbito da psicoterapia, qual o método que tem resultados mais eficazes?

Existam vários métodos nesta área, mas o mais importante é utilizar a psicoterapia para ensinar a pessoa a não “fabricar” ansiedade. O propósito é dar ferramentas aos pacientes que permitam gerir melhor as contrariedades e os conflitos, ou seja, situações que coloquem em causa a estabilidade emocional.

A prática de mindfulness pode ajudar?

É uma técnica eficaz e tem sido uma aposta nos últimos anos para contrariar a ansiedade. É, no fundo, uma aprendizagem, de raiz oriental, que permite um nível “extremo” de concentração e relaxamento através da meditação e da repetição de mantras ou frases. Ainda assim, do ponto de vista científico, o mindfulness carece de conteúdo. Digamos que pode servir em alguns casos específicos, essencialmente para contrariar o impacto do stresse.

Que conselhos são dados em consultório para serem aplicados no trabalho, nas amizades e na vida familiar?

Aquilo a que se refere é a socioterapia, é muito útil e o objetivo é que a pessoa desenvolva competências a nível social em todos os seus relacionamentos.

É essencial estabelecer raízes comunicantes, manter um contacto positivo com o outro, dialogar, desabafar, saber defender os próprios direitos, sejam eles laborais, sociais ou emocionais, evitando isolar-se. Freud entendia estas ações como catarse, algo que liberta tensões interiores.

«Uma das formas mais eficazes de lutar contra a ansiedade gerada pelo trabalho é seguir um plano organizado, ordenado, que sublinhe confiança em nós próprios e nas nossas capacidades»

No seu livro, defende que uma «baixa laboral prolongada é perigosa» em casos de pessoas com ansiedade ou depressão. Porquê?

Combater o absentismo laboral permite uma conquista a dois níveis: profissional e emocional. Uma das formas mais eficazes de lutar contra a ansiedade gerada pelo trabalho é seguir um plano organizado, ordenado, que sublinhe confiança em nós próprios e nas nossas capacidades. Assim, chega-se a um plano de estabilidade que pode proporcionar tranquilidade e felicidade ao trabalhar.

Os livros de autoajuda podem ser aliados no combate à ansiedade?

Alguns sim, e muito. Posso dar dois exemplos: se procura conhecer e melhorar a sua personalidade recomendo As Suas Zonas Erróneas — Guia para Combater o Pensamento Negativo, (editado em Portugal pela Pergaminho) do filósofo norteamericano Wayne Dyer. Se pretende melhorar as suas relações sociais, em especial a vida conjugal, sugiro Love is Never Enough, do psiquiatra Aaron Beck (sem edição portuguesa).»


Três tipos de ansiedade

Mediante a forma e a intensidade, Enrique Rojas distingue três tipos:

  • Exógena «Nasce de algo que nos invade, que nos agride a partir do exterior, sendo normalmente consequência do stresse ou de um ritmo muito agitado de vida, sem pausas.»
  • Endógena «É mais orgânica, nasce em nós, fruto de uma desordem bioquímica ou cerebral, estando associada a uma hormona chamada adrenalina. Provoca uma série de sintomas físicos e psicológicos.»
  • Crises de pânico «Episódios de curta duração (cinco ou seis minutos) que originam taquicardia, dificuldade respiratória, suores ou tremores. É muito frequente associarem-se três tipos de medos a estas crises: a morte, a loucura e a perda do controlo.»

Quando a ansiedade acontece…

No livro SOS Ansiedade, Enrique Rojas propõe exercícios que ensinam a dar a devida importância aos acontecimentos que nos rodeiam:

  1. Avalie os acontecimentos com uma visão ampla
    Assim será capaz de ir além do episódio negativo, do momento ou da circunstância. Para isso é necessário utilizar bem os sentimentos, emoções, paixões e os instrumentos da razão (como a lógica), evitando a paixão excessiva ou reação brusca que se afasta do que deve ser normal.
  2. Desdramatize
    Evite converter um problema real num drama. Muitas vezes, isso acontece pela rapidez e/ou surpresa dos acontecimentos.
  3. Reaja de forma proporcional ao acontecimento
    É uma aprendizagem inserida na experiência de vida, um saber acumulado que tem enorme importância.
Última revisão: Abril 2017

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