Se se sente bem ou não tem nenhuma doença crónica, o argumento de que só vai calçar os ténis e correr depois de ir ao médico não é… argumento. Segundo José Soares, professor de fisiologia na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto e autor de Running – Muito Mais do que Correr (Porto Editora), «recomendações internacionais indicam que, se não houver fatores de risco, para iniciar uma atividade física a baixa intensidade não é necessária a realização de exames. É, sim, recomendável uma evolução gradual com um consequente aumento da intensidade. Maior risco do que fazer exercício físico é não o fazer. Esta é a máxima que defendo», contou o especialista em entrevista à Revista Prevenir.
Como deve começar quem não faz exercício e quer experimentar a corrida: a caminhar ou logo a correr?
Para algumas pessoas, a caminhada é adequada, nomeadamente para quem tem excesso de peso, osteoporose ou fragilidades osteoarticulares. Noutros casos, pode revelar-se fastidioso. Nesse caso, para se criar logo um gosto imediato, é recomendável começar com a corrida, devagar, com pequenos intervalos, pois o descanso é decisivo.
Quais as principais recomendações para quem vai começar a correr?
Se a pessoa tem fatores de risco (por exemplo, um homem com mais de 45 anos ou uma mulher acima dos 55, com excesso de peso e/ou sinais de hipertensão), deve realizar exames médicos e, em alguns casos, por exemplo em caso de dor lombar, fazer exercícios que permitam reforçar a estrutura muscular. A escolha do piso é importante: são de evitar descidas, mais agressivas do ponto de vista muscular, mas se forem inevitáveis são opção para caminhar.
«Numa fase inicial, os ténis podem ser baratos, desde que sejam confortáveis»
Vale a pena investir em ténis mais caros?
Aos iniciados, recomendo que se gaste pouco tempo e dinheiro. Numa fase inicial, os ténis podem ser baratos, desde que sejam confortáveis. Em relação à roupa, deve permitir uma boa transpiração. O algodão é mais adequado do que as fibras sintéticas. Caminhar ou fazer exercício com impermeáveis, para aumentar a sudação é um erro, porque essa é a forma que o organismo tem de regular a temperatura e, quando usamos algo que dificulta a respiração do mesmo, estamos a contrariar os seus mecanismos naturais de regulação.
Quem está a começar pode treinar todos os dias?
O mais aconselhável é ter, pelo menos, um dia de intervalo entre treinos. Nas primeiras duas a três semanas, podemos correr dois dias por semana, muito rapidamente passar para três dias e manter este ritmo durante bastante tempo e depois ir aumentando.
Qual a melhor altura do dia para correr?
Se for uma corrida de baixa intensidade, em ritmo de manutenção, o final da tarde é o período mais aconselhável: nesta altura existe um aumento da componente parassimpática do sistema nervoso que nos ajuda a relaxar para a noite. Se for uma corrida com séries, subidas e atividades mais intensas, o final da tarde é o período menos indicado.
E o tipo de piso e local?
Sugiro a terra batida e que se evitem pisos mais duros. Não tendo alternativa, nesses caos, aconselho um maior investimento em ténis que proporcionem maior amortecimento do efeito de choque. Para quem está a começar, correr na praia não é o melhor, pois o piso é muito instável, mesmo na areia húmida, e como o tempo de contacto é mais prolongado, torna-se mais cansativo.
Apesar da poluição, o centro da cidade pode ser um aliado motivacional: ver pessoas distrai. Percursos junto à praia ou com pouca gente tornam-se menos agradáveis e correr em linha reta pode ser maçador, daí aconselhar terrenos com mais curvas e locais a “explorar”.
«Antes de uma corrida, devemos evitar gorduras e hidratos de carbono com alto índice glicémico»
É recomendável alternar running com caminhada?
Um dos principais segredos do ponto de vista físico e mental é o descanso nos dias em que não treinamos, mas também durante o treino. O treino intercalado pode ser uma boa forma de recuperar o fôlego. Quando estamos a dar os primeiros passos na corrida, a ideia é diminuir o tempo de caminhada e aumentar o da própria corrida até chegar a um ponto que apenas corremos.
Qual a dieta ideal para a prática do running?
Sou contra a definitiva restrição de alguns alimentos, a não ser que as pessoas revelem intolerância ou alergia. Todos os alimentos são permitidos, mas, antes de uma corrida, devemos evitar gorduras e hidratos de carbono com alto índice glicémico, como bolachas, croissants, chocolate ou marmelada. Depois de correr, devemos aumentar a ingestão proteica para minimizar danos musculares e ajudar a sua recuperação.
E antes de correr?
A banana (como a fruta em geral) é um excelente alimento, assim como o iogurte líquido magro ou pão escuro com fiambre magro.
A dieta deve variar com a intensidade do treino?
Deve sempre diferir mediante a intensidade do exercício. Se a opção for uma corrida prolongada, o aporte energético deve ser maior. Mas associada a esta ideia estão alguns dados curiosos. Algumas pessoas correm e não conseguem perder peso (e não falamos por questões metabólicas).
Uma das razões prende-se com o facto do gasto energético da corrida não compensar a ingestão antes e depois da corrida. Um exemplo: muitos utilizam as bebidas desportivas mas esquecem-se que são calóricas. Aconselho-as a quem corre uma, duas horas. Quem corre 30 minutos não precisa delas.
«Apesar da poluição, o centro da cidade pode ser um aliado motivacional: ver pessoas distrai»
Existe relação causa/efeito entre performance e dieta?
Sim. Hoje sabemos que a dieta tem impacto na performance sobre vários aspetos: na produção de energia; na utilização de energia (se ingerirmos muita gordura, limitamos a utilização dos hidratos de carbono); e no controlo das variações de glicemia.
Durante o treino, a respiração deve ser feita pela boca ou pelo nariz?
O que for mais confortável. Não há regras.
O que é essencial para não desistir?
Apenas devemos correr até nos dar prazer e o descanso é um fator decisivo. Deve evitar-se, principalmente nos primeiros treinos, fazer mais do que aquilo para que estamos preparados. Para quem começa, o lema a seguir deve ser “começar lentamente e descansar o suficiente.”
Que erros deteta entre os corredores experientes?
A falta de repouso. É essencial recuperar bem, caso contrário, não é possível voltar a treinar em condições. É preciso ouvir o corpo e parar, se for o caso. Um dos principais riscos de aumentar a intensidade de treino é o aparecimento de lesões que derivam, na maioria das vezes, de recuperações incompletas. Outro erro é a alimentação desadequada. Muitos corredores, porque têm um horário de trabalho para cumprir, treinam logo de manhã, tomam um pequeno-almoço apressado, depois almoçam mal e fazem um novo treino ao fim do dia. O resultado pode ser um défice energético. Devem seguir uma alimentação irrepreensível, o combustível da performance. É importante evitar picos glicémicos e, em termos de hidratação, se o treino for prolongado, sugiro a toma de uma bebida desportiva diluída a 50 por cento. No final do treino, é bom aumentar a ingestão de proteínas. Leite achocolatado ou uma banana são ótimas opções.

Antes de correr…
Prepare o organismo para o treino: faça alongamentos de braços, pernas e movimentos genéricos durante cerca de cinco minutos, respirando tranquilamente
A postura certa
Braços Como servem de propulsores, aproveite o seu balanço.
Tronco Deve estar ligeiramente inclinado para a frente.
Joelhos Devem estar devidamente alinhados.
Pisada Faça um movimento tipo “mata-borrão”, do calcanhar para a ponta do pé.
Quanto deve correr
- Por prazer e saúde: 3 vezes por semana: 15 a 20 km por semana (5 a 6,5 km por treino).
- Para estar em forma: Também 15 a 20 km semanais, mas aumentando e alterando a intensidade (através de maior velocidade, de inclinação ou tipo de piso, por exemplo na praia).
- Para perder peso: 4 vezes por semana: 45 minutos cada treino, sem alterações de intensidade: 10 minutos de aquecimento + 5 minutos de corrida lenta + restante tempo alternado 2 minutos a ritmo mais lento e 1 minuto rápido (em que não consegue falar).
- Para participar numa corrida de 10 km: 4 sessões semanais: 45 a 50 km, no total. Num dos treinos deve atingir os 15 km.
- Para a meia-maratona: 50 a 60 km por semana: Um dos treinos deve ter 90 minutos.
- Para a maratona: Divididos por quatro a cinco treinos: Entre 60 e os 70 km por semana.
Fonte: Dados adaptados a partir do livro Running – Muito Mais do Que Correr, de José Soares
Dores musculares depois de correr
Chamadas retardadas (corro hoje e dói amanhã) são uma resposta normal do músculo que se está a adaptar. Se provocadas pelo excesso de treino ou por muitas descidas, é aconselhável, depois do duche, aplicar água fria nas pernas ou aumentar ligeiramente a ingestão de proteínas
Vale a pena?
Percorra a galeria de imagens e descubra aquilo em que vale a pena investir ou não, de acordo com José Soares..
Atenção ao excesso de exercício
Pode provocar inflamação das articulações, dos ligamentos e do sistema locomotor. Quando se corre muito, existem alterações do ponto de vista hormonal e das defesas do sistema imunitário que provocam mudanças do humor, apetite, sono e desejo sexual
Conselhos para corredores experientes
1 vez por ano
Consulte o médico para a realização de exames de rotina.
16 horas
é o tempo que um praticante experiente precisa de descansar entre treinos.
1 a 2 semanas
Depois de uma fase de treinos mais intensos (diários ou bidiários exigentes), recomenda-se um período com menos treinos e de treinos menos intensos para uma recuperação total do equilíbrio fisiológico (chamado período de taper).
800 a mil
é o número máximo de quilómetros que um par de ténis deve fazer.
30 minutos
Não fique mais de meia hora sem comer depois de terminar o treino.