Teresa Branco: «Emagrecer de forma saudável só é possível com uma alimentação anti-inflamatória»

Teresa Branco, fisiologista na Gestão do Peso

Quando comemos mal, o organismo defende-se produzindo substâncias anti-inflamatórias. Se os maus hábitos alimentares forem constantes, o organismo deixa de ter capacidade para eliminar essas substâncias e o processo anti-inflamatório falha. Teresa Branco, especialista em Gestão do Peso, identifica os riscos desse cenário, explica como evitá-lo e indica os benefícios de uma alimentação anti-inflamatória.

  • PorCarlos Eugénio AugustoJornalista
  • Fotografia Artur

«Antes de adoecer, o organismo vai dando sintomas de que algo não está bem, e isso pode significar que esteja a avançar para um estado de inflamação», revela Teresa Branco, fisiologista na Gestão do Peso e autora do livro Anti-inflamação: Reduza a Inflamação para Perder Peso e Ganhar Saúde (Lua de Papel). Perante isso, «o corpo fica desequilibrado, facilitando o desenvolvimento de várias doenças, entre elas o aumento de peso, que pode ter sido potenciado pela má alimentação», explica a especialista em entrevista à Revista Prevenir, «sendo frequente estados como cansaço e falta de energia, desânimo, mau funcionamento dos intestinos, retenção de líquidos, insónias ou dores nas articulações ou de cabeça. Erradamente, muitos menosprezam esses sinais ou aprendem a viver com eles, considerando-os próprios da idade, e não vão ao médico, perpetuando esse estado».

Grande entrevista a Teresa Branco, fisiologista na Gestão do Peso

Teresa Branco, fisiologista na Gestão do Peso

O que significa ter o organismo inflamado?

Existe inflamação quando o organismo produz substâncias inflamatórias (como homocisteína, ferritina, interleucina-6, colesterol, triglicéridos e ácido úrico), sem capacidade para as eliminar, permanecendo elevadas porque existem desequilíbrios que tornam o organismo mais vulnerável à ação de agentes patogénicos. É muito importante que tenhamos essa consciência, pois estamos constantemente sujeitos à invasão de substâncias inflamatórias, por exemplo através da poluição e, principalmente, da alimentação. Na tentativa de se defender, o organismo liberta substâncias anti-inflamatórias, mas, ao não combater a presença crónica desses agressores, tornam-se também nocivas. Quando o processo anti-inflamatório não é bem-sucedido, pode gerar doença, em particular excesso de peso ou obesidade, mas também doenças autoimunes, articulares ou cancro, neste último caso porque os alimentos são veículo de patologias no trato gástrico e intestinal.

Como se diagnostica o problema?

As análises ao sangue são o processo mais comum para avaliar os parâmetros das referidas substâncias inflamatórias e se estão elevados, sendo que algumas pessoas apresentam esses valores descontrolados de forma crónica, particularmente o colesterol, os triglicéridos e o ácido úrico. O desafio é perceber a origem do problema, sendo comum que a razão seja a ingestão sistemática de alimentos inflamatórios e consequente excesso de peso.

A inflamação também é visível no corpo?

Pode ser mais um dado que comprove a inflamação, pois um perímetro da cintura aumentado (no homem, igual ou superior a 102 cm; na mulher, a 88 cm) associado a um Índice de Massa Corporal também elevado (igual ou superior a 25), denuncia a existência de gordura visceral (abdominal), responsável pela produção de muitas substâncias inflamatórias. Mas é sempre necessário realizar uma avaliação completa.

«A alimentação base da maioria das pessoas não é suficientemente rica e, perante o défice de vitaminas ou minerais, a toma de suplementos é recomendada», defende Teresa Branco, fisiologista na Gestão do Peso

Que hábitos alimentares potenciam a inflamação do organismo?

O consumo de açúcar, um dos maiores agentes inflamatórios, já que causa resistência à insulina, é um dos maiores inimigos do organismo. Os alimentos processados, como a fast-food, são outra ameaça, pois têm muitos aditivos, intensificadores de sabor ou conservantes. O glúten e os alimentos ricos nessa proteína (massas, pão, farináceos ou bolachas), assim como os fermentos industrializados, também são nocivos e causadores de inflamação.

O consumo de bebidas alcoólicas contribui para a inflamação ou apenas se se exceder determinadas quantidades?

Depende das bebidas. Por exemplo, um copo de vinho tinto por dia até pode ser anti-inflamatório. Mas, em excesso, todas as bebidas alcoólicas são prejudiciais. No caso de se ter o fígado gordo, até uma gota é prejudicial.

Refere no livro o «excesso de tecido adiposo/gordura corporal como responsável pela produção de alterações na fisiologia do organismo». Isso significa que perder peso tem um efeito anti-inflamatório?

Sem dúvida. Um corpo com quantidade elevada de massa gorda, por defeito, está sujeito à produção excessiva de substâncias inflamatórias e, à medida desse aumento, as células tornam-se menos saudáveis. Mas, atenção, perder peso ou cortar nas calorias não é suficiente para vencer a inflamação, pois devem ser adicionadas estratégias como a ingestão personalizada de determinadas substâncias anti-inflamatórias. Para isso é fundamental que se entenda que os alimentos podem funcionar como medicamento, sendo o tratamento em si.

Teresa Branco, fisiologista na Gestão do Peso

«Ser do sexo masculino é sinónimo de menos massa gorda e mais massa muscular, o que acelera o metabolismo. Face a uma restrição calórica, o homem perde mais peso», explica Teresa Branco

É verdade ou mito que os hidratos de carbono são altamente inflamatórios?

Não diria tanto. Quando bem escolhidos e ingeridos nas quantidades adequadas, até podem ser anti-inflamatórios e estruturantes do organismo, como a quinoa, a aveia ou a batata-doce, em especial para quem pratica exercício físico regularmente e faz boa gestão do peso. Agora os hidratos de absorção rápida, como os doces, são das maiores ameaças.

Noutro sentido, pode afirmar-se que uma dieta vegetariana ou vegan é uma aliada do organismo?

Se equilibrada, sim, pois, na maioria dos casos, esse tipo de alimentação não o é e pode originar défice de vitaminas, minerais, aminoácidos ou proteína. Para o evitar, deve compensar-se esse desequilíbrio com a ingestão, por exemplo, de suplementos de ácido fólico, magnésio ou vitamina D e B12.

No livro aponta o jejum intermitente e a dieta cetogénica como regimes alimentares que favorecem a desinflamação. Quais os seus benefícios?

Ambos podem ser anti-inflamatórios, mas temos de avaliar se os organismos são “candidatos” a esses benefícios. No caso do jejum intermitente, há pessoas que sentem vantagens, outras não, pois pode elevar a tendência para, nos momentos de ingestão, se alimentarem de forma emocional. Há também necessidade de avaliar se existem casos de hipoglicemia, se se faz exercício físico regularmente e os hábitos de vida e dispêndio energético, pois só assim se estabelecem necessidades personalizadas e graus de inflamação.

Independentemente do regime alimentar, quem emagrece de forma mais eficiente: homem ou mulher?

No geral, o homem, pois tem o metabolismo mais rápido. Mesmo no caso de um homem e uma mulher com o mesmo peso, ser do sexo masculino é sinónimo de menos massa gorda e mais massa muscular, o que acelera o metabolismo, pois o homem despende mais energia diariamente. Por isso, face a uma restrição calórica, o homem perde mais peso.

Teresa Branco, fisiologista na Gestão do Peso

«Um organismo que já teve excesso de peso está mais sujeito a esse processo, já que a perda/ganho de peso altera algumas substâncias, propiciando a tendência para engordar», afirma Teresa Branco

A partir dos 40 anos, muitos ganham mais peso e tentam, sem sucesso, emagrecer. Ou então, perdem peso, mas rapidamente o recuperam. Porquê?

Nesta ou noutras idades, isso acontece porque não houve uma mudança efetiva do estilo de vida, pois apenas foram adotados comportamentos transitórios, o que faz com que, quando voltam à rotina anterior, engordam. É também preciso ter em conta que um organismo que já teve excesso de peso está mais sujeito a esse processo, já que a perda/ganho de peso altera algumas substâncias, propiciando a tendência para engordar. Depois, a partir dos 40 anos, homens e mulheres apresentam alterações e défices hormonais, o que diminui a eficácia do metabolismo. Além disso, as circunstâncias da vida podem levar ao sedentarismo e isso também faz com que ganhem peso, sendo difícil sair desse círculo vicioso.

Na mulher, as alterações hormonais são mais complexas…

Sim, a mulher é particularmente afetada, principalmente no campo das hormonas sexuais, o que pode conduzir a processos inflamatórios, nomeadamente o ganho de peso. Em particular, o défice de progesterona aliado à produção de elevada quantidade de estrogénios (hormonas sexuais femininas), processo denominado dominância estrogénica, que acontece a partir dos 40 anos, faz com que esse efeito seja uma espécie de “bola de neve”.

Da sua experiência em consultório, o que nos leva a aumentar de peso?

A maioria das pessoas que querem emagrecer fá-lo por questões relacionadas com uma alimentação inflamatória, pouco nutritiva e muito calórica. O sedentarismo é a segunda causa. Há ainda a questão do stresse e da ansiedade, que muito se acentuou com a pandemia, que faz com que as pessoas comam de forma emocional e, na maioria das vezes, mal.

Como conseguir uma perda de peso equilibrada?

Fazendo um diagnostico assertivo para identificar as razões que conduziram ao aumento de peso, sejam de ordem hormonal ou por carência de vitaminas e minerais. Para isso é preciso avaliar o metabolismo e o perfil emocional de cada um. Só depois é que se podem deliberar estratégias nutricionais personalizadas, em termos de modulação hormonal, suplementação, atividade física e, quando necessário, medicação.

Teresa Branco, fisiologista na Gestão do Peso

«Individualmente o exercício físico não é o método mais eficaz [para perder peso]. Mas emagrecer de forma saudável só é possível com uma alimentação anti-inflamatória, juntando-se a atividade física regular», afirma Teresa Branco

É possível perder peso sem exercício físico?

Sim, além disso, individualmente o exercício físico não é o método mais eficaz. Quando funciona bem, o nosso metabolismo é responsável pela perda da maioria das calorias, mais do que quando se faz exercício físico, e, ao ingerir menos calorias, vamos perder peso. Mas emagrecer de forma saudável só é possível com uma alimentação anti-inflamatória, juntando-se a atividade física regular. Só assim se garante a preservação da massa muscular e óssea, bem como da capacidade cardiorrespiratória.

Acredita que é possível comer sempre de forma saudável?

Ao incorporar hábitos saudáveis e interiorizando estratégias positivas, vamos conseguir comer sempre bem. Definitivamente, temos de entender que comer de forma saudável não é ingerir fast-food ou beber refrigerantes. Isso é brincar aos alimentos e com a nossa saúde. É preciso aprender a gostar dos alimentos ditos anti-inflamatórios e, quando se muda a dieta, de forma consciente, os resultados vão aparecer.


Alimentos anti-inflamatórios

Teresa Branco, especialista em Gestão do Peso, indica o que comer para evitar um quadro inflamatório.

  • Vegetais «Sendo ricos em vitaminas, minerais e fibra, são considerados antioxidantes. As couves, o repolho ou os brócolos, por exemplo, são ricos em sulfurano, substância protetora do organismo e anticancerígena.»
  • Fruta «Quando é fonte de vitamina C e flavonoides, como os citrinos, é um antioxidante. Também a maçã, quivi, mamão e manga são aliados anti-inflamatórios. Já as cerejas, amoras ou mirtilos, ricos em antocianinas, combatem inflamações crónicas.»
  • Peixe e carne «O robalo, a cavala, a sardinha e o atum são ricos em ómega-3, um potente anti-inflamatório. Já a carne, quando de boa qualidade, e em especial de bovino ou aves do campo, é rica em vitamina B12, ferro e ácido fólico.»
  • Ovos «Além de fonte de vitamina D, possuem todos os aminoácidos essenciais ao organismo.»

Disruptores endócrinos: estão em todo o lado e provocam inflamação

«Conhecidos por xenoestrogénios, os alteradores endócrinos são substâncias presentes no meio ambiente, seja na comida, cosméticos ou embalagens de plástico, semelhantes do ponto de vista molecular às hormonas humanas. Isso permite que se “encaixem” nos recetores hormonais, dando origem à inflamação e doença, como ganho de peso», explica Teresa Branco.

  • Os mais comuns: «Metais pesados como o mercúrio (peixe), arsénico (água), pesticidas (fruta e legumes) e acrilamida (alimentos submetidos a temperaturas elevadas) são os mais frequentes entre os produtos relacionados com a alimentação.»

Inflamação aguda vs. crónica: Teresa Branco explica as diferenças

«O processo inflamatório pode ser pontual (agudo) e depende de um agente externo», explica Teresa Branco, fisiologista em Gestão do Peso. «No caso de um traumatismo, ferida, bactéria ou vírus, o organismo tenta defender-se pela libertação de substâncias anti-inflamatórias, podendo vencer esse quadro naturalmente ou com ajuda de fármacos. Quando isso não acontece, pode ser fatal ou evoluir para um estado crónico», alerta. «Por exemplo, quando temos uma inflamação na bexiga ou num dente, a PCR (proteína C reativa, produzida no fígado, com função de defender o organismo) dispara, mas diminui à medida que a inflamação é tratada e erradicada. Num processo crónico, essa proteína está recorrentemente aumentada, o que acontece frequentemente nas pessoas com excesso de peso.»

Última revisão: Janeiro 2022

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