Jejum: os prós e contras de acordo com cinco especialistas

jejum: efeitos, regras e cuidados a ter

O jejum não implica necessariamente a ausência total de alimentos. E é uma estratégia que pode ser adotada mesmo por quem não pretende perder peso. Pode trazer benefícios para a saúde, mas também há riscos.

  • Colaboração e revisão
  • Dr. Luís Romariz
    Assistente graduado em Medicina Geral e Familiar e formado em Age Management Medicine pelo Cenegenics Medical Institute de Las Vegas
  • Prof. Manuel Santos RosaProfessor catedrático de Imunologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e diretor do Instituto de Imunologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra
  • Dra. Marta PadilhaMédica com internato complementar em Medicina Geral e Familiar e master em Medicina Antienvelhecimento e Longevidade, da Universidade de Barcelona
  • Prof.ª Dra. Teresa Branco
    Fisiologista na Gestão do Peso, diretora do Instituto Prof. Teresa Branco
  • Dra. Regina Borges
    Psicóloga clínica

É um hábito que tem vindo a ganhar cada vez mais adeptos. No entanto, o jejum não é apenas “mais uma moda”. Tem as suas bases na rotina alimentar do Homem primitivo. «Ao longo da nossa evolução, tivemos de passar por diversos períodos de jejum como garantia de sobrevivência. Isso aconteceu porque fomos caçadores-coletores durante quase toda a nossa existência,
o que significa que só nos alimentávamos quando havia alimentos disponíveis», esclarece Marta Padilha, médica com internato complementar em Medicina Geral e Familiar, à Revista Prevenir. Atualmente, são vários os estudos científicos que têm vindo a demonstrar as vantagens do jejum, levando cada vez mais pessoas a seguir o exemplo dos nossos antepassados. Mas quais são exatamente os benefícios para a saúde? E todos podem fazê-lo? Cinco especialistas dissipam as dúvidas.

Após ficar um determinado período sem ingerir qualquer alimento, o corpo utiliza as reservas energéticas armazenadas maioritariamente sob a forma de gordura

Jejum: o que é

«O jejum caracteriza-se por um estado em que o corpo, após ficar um determinado período sem ingerir qualquer alimento – à exceção de água, café e chá sem adição de açúcar –, utiliza as reservas energéticas armazenadas maioritariamente sob a forma de gordura. O corpo passa a utilizar como energia a glicose produzida no fígado e a utilizar de forma mais intensa o glicogénio (substância glucídica que constitui uma forma de reserva importante de glicose no organismo) muscular e hepático, em detrimento dos hidratos de carbono provenientes da alimentação», explica Marta Padilha, médica com internato complementar em Medicina Geral e Familiar e master em Medicina Antienvelhecimento e Longevidade, da Universidade de Barcelona.

E o jejum intermitente?

«Este é um tipo de jejum “programado”, ou seja, não é constante nem duradouro, ocorrendo em intervalos de tempo pré-estabelecidos – períodos de jejum intercalados com períodos de ingestão alimentar. De acordo com diversos protocolos, deve idealmente ser realizado uma a duas vezes por semana, não ultrapassando as 24 horas. No dia de jejum, ocorre a ingestão de até 25 por cento das necessidades energéticas diárias», esclarece Marta Padilha. Este é o tipo de jejum que o nosso organismo “está preparado” para receber: «uma vez que, fisiologicamente falando, não estamos muito distantes dos nossos antepassados. Isso explica também, porque é que os alimentos que o nosso organismo não aceita tão bem são os cereais, laticínios, açúcares refinados, alimentos salgados e processados e carnes gordas», defende a médica. «Quando comparado a protocolos convencionais de restrição calórica diária, este jejum demonstra melhores resultados, principalmente na melhoria da resistência à insulina e na perda de peso e gordura corporal.»

«Se passar um dia em jejum extremo, é natural que chegue ao final do dia com muita fome, ocorrendo episódios de compulsão alimentar»

Não cometa estes erros

«O jejum prejudicial à saúde ocorre quando as pessoas o prolongam muito, durante vários dias consecutivos, e não ingerem o mínimo necessário, contrariamente ao jejum intermitente. Nestas circunstâncias, o indivíduo utiliza todo o tecido adiposo e muscular como fonte de energia para suprir a ausência de alimentos na dieta, o que resulta em subnutrição», explica a médica com um master em Medicina Antienvelhecimento e Longevidade, da Universidade de Barcelona. «Se passar um dia em jejum extremo, isto é, se saltar o pequeno-almoço, não fizer almoço ou jantar nem lanches, é natural que chegue ao final do dia com muita fome, ocorrendo episódios de compulsão alimentar, em que a pessoa come exageradamente num curto intervalo de tempo, podendo gerar sentimentos como culpa, tristeza, arrependimento e irritabilidade», explica Regina Borges, psicóloga clínica, que recomenda: «Se quer perder peso, deve fazê-lo de forma menos agressiva para o organismo».

Antes do jejum consulte o seu médico

«Se tenciona adotar este regime, não o faça sem primeiro consultar o seu médico, para realizar exames para avaliar a sua saúde em geral. Embora possa ser adotado por todos os adultos saudáveis, o ideal será que, devido às necessidades nutricionais de cada um, haja acompanhamento médico», explica Marta Padilha.

«A restrição calórica ajuda o organismo a envelhecer de forma saudável, assim como o jejum intermitente provavelmente tem um potencial semelhante»

Como atua no organismo

«Os possíveis mecanismos de ação para a efetividade do jejum intermitente passam pelo aumento da secreção da hormona de crescimento (GH) associado ao aumento da massa magra e à redução da gordura corporal e aumento da utilização de gordura armazenada no tecido adiposo, da termogénese (produção de calor) e da sensibilidade à insulina», explica Marta Padilha.

Sinais de alarme: saiba quando parar

«Estes são os principais efeitos colaterais do jejum, decorrentes da diminuição dos níveis de açúcar no sangue. Interrompa-o caso surja algum destes sinais», aconselha Marta Padilha.

  • Tonturas
  • Fraquezas
  • Náuseas
  • Dores de cabeça

Por que faz bem?

«Segundo Yoshinori Ohsumi, vencedor do prémio Nobel da Medicina de 2016, jejuar leva as células a “comerem-se” – processo designado de autofagia –, permitindo a autolimpeza do nosso organismo. Por outro lado, a redução deste mecanismo leva à acumulação de componentes prejudiciais ao nosso corpo. Deste modo, podemos considerar que os principais benefícios do jejum intermitente são a perda de peso e de gordura corporal, redução nos níveis de LDL (colesterol “mau”) e triglicéridos, manutenção dos níveis de HDL (colesterol “bom”) – o que é importante, pois as dietas para a perda de peso, nomeadamente as chamadas low-carb (com poucos hidratos de carbono), normalmente levam à redução do HDL –, redução dos níveis de insulina, manutenção da taxa de metabolismo de repouso, preservação e manutenção da massa magra, redução dos níveis de cortisol, redução da inflamação e promoção do envelhecimento saudável», esclarece Marta Padilha.

Combater as doenças crónicas

«A maior parte das doenças crónicas (como as metabólicas e cardiovasculares) tem uma causa em comum: o excesso de energia no corpo, com o qual o organismo não consegue lidar, levando à disfunção de diversos processos celulares e moleculares. Os motivos e mecanismos que levam o organismo a interpretar a ingestão de alimentos como um excesso energético são muito complexos. Todavia, o jejum intermitente mostra-se muito promissor no sentido de auxiliar no tratamento e prevenção de todas essas patologias crónicas. A restrição calórica ajuda o organismo a envelhecer de forma saudável, assim como o jejum intermitente provavelmente tem um potencial semelhante», refere Marta Padilha.

O jejum não deve durar mais de «dois a três dias e deve incluir a ingestão de água, infusões e sumos de fruta e de vegetais, mas sem componente sólida. É, ainda, aconselhável fazer um período de preparação (habituação) e de saída do jejum»

Relação com sistema imunitário

Embora estudos recentes apontem vantagens do jejum no sistema imunitário, esta abordagem «coloca alguns desafios face ao conhecimento anterior de que o jejum (ou algum tipo de jejum) poderá ser prejudicial», como explica Manuel Santos Rosa, diretor do Instituto de Imunologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra: «Sendo o intestino a sede de estimulação do sistema imunitário, é evidente a vantagem de manter esta estimulação», a qual acontece através da alimentação. Esta necessidade verifica-se especialmente em situações patológicas, em doentes internados impedidos de se alimentarem por via oral. «Genericamente, foi verificada uma significativa melhoria da competência imunitária dos doentes sempre que foi possível manter a alimentação entérica, isto é, por meio de sonda gástrica ou intestinal, em vez da parentérica, através de soro por via endovenosa, o que levou a intensificar-se a utilização de alimentação entérica nos internamentos.»

Efeito indireto do jejum

O especialista em Imunologia não coloca de lado a possibilidade de o jejum ter um efeito benéfico no sistema imunitário, ainda que de forma indireta, explicando que «o jejum e mesmo a simples restrição calórica podem ser úteis para reequilibrar o metabolismo do organismo, influenciando, assim, o sistema imunitário – este efeito é visível especialmente em obesos e pessoas com um perfil inflamatório acentuado». No entanto, é importante assegurar que ao adotar este hábito, não vamos comprometer a flora intestinal, perturbando o sistema imunitário. Assim, segundo Manuel Santos Rosa, o jejum não deve durar mais de «dois a três dias e deve incluir a ingestão de água, infusões e sumos de fruta e de vegetais, mas sem componente sólida. É, ainda, aconselhável fazer um período de preparação (habituação) e de saída do jejum».

Um estudo da Universidade da Califórnia demonstrou que o jejum pode estimular a produção de novos glóbulos brancos (leucócitos) – células que combatem infeções –, reequilibrando o sistema imunitário

Não é recomendado para todos

Quanto aos estudos recentes, a ciência tem vindo a apresentar novas vantagens do jejum. Um estudo da Universidade da Califórnia, por exemplo, demonstrou recentemente que o jejum pode estimular a produção de novos glóbulos brancos (leucócitos) – células que combatem infeções –, reequilibrando o sistema imunitário. Manuel Santos Rosa considera estes trabalhos «muito interessantes», mas também «um assunto que deve ser tratado com prudência», ressalvando que «a alimentação não pode ser considerada em geral, mas claramente adaptada por grupos etários, com especial cuidado nas crianças e idosos, por sexo e pela condição imunitária ligada a situações de saúde e doença. Falarmos de jejum numa idosa com patologia autoimune e obesa é completamente diferente de num idoso com a mesma patologia, mas magro. E se forem jovens? E se estiverem deprimidos? Como encara cada uma destas pessoas o jejum? Provavelmente, alguns com alegria e bem-estar, outros deprimidos ou com forte mal-estar».

Quem não deve fazer jejum

  • Grávidas
  • Idosos
  • Adolescentes
  • Mulheres a amamentar
  • Crianças
  • Diabéticos

Apesar de estes grupos deverem ter cuidados alimentares, como a restrição de açúcares refinados, alimentos salgados e processados, e carnes gordas, o jejum pode, nestes casos, desencadear carências nutricionais prejudiciais à saúde. O jejum prolongado pode alterar o funcionamento da insulina – hormona que favorece a utilização do açúcar pelos tecidos e reduz a glicemia –, descompensando a patologia da diabetes.

«Num organismo com fome e falta de alimento, são ativados mecanismos de sobrevivência e reparação com ação antienvelhecimento»

A ação antienvelhecimento desta estratégia

Num organismo com fome e falta de alimento, «são ativados mecanismos de sobrevivência e reparação» com ação antienvelhecimento, defende Luís Romariz, médico com formação nesta área: «A adoção do jejum permite ativar as sirtuínas – enzimas que “ligam” os genes da longevidade. Esta ação preserva o comprimento dos telómeros (“capa” constituída por ADN que se encontra no final dos cromossomas, permitindo-lhes manter a informação genética intacta durante a divisão celular), resultando numa ação anti-aging graças à manutenção destes genes. Além disso, previne a glicação (mãe de todo o envelhecimento) e atua melhorando a resposta à insulina e aumentando a sensibilidade celular a esta hormona», explica Luís Romariz, assistente graduado em Medicina Geral e Familiar e formado em Age Management Medicine pelo Cenegenics Medical Institute de Las Vegas. «O jejum é também uma boa forma de combater a inflamação persistente e de minimizar o risco de doença cardiovascular ao reduzir os níveis de triglicéridos», aponta. Para obter este efeito, o especialista recomenda o jejum intermitente: «Comer apenas ao jantar durante vários dias e não tomar pequeno-almoço noutros, fazendo jejuns de 12 horas. Mais raramente, fazer jejum de dias, bebendo apenas água. Nos primeiros tipos de jejum, estão as vantagens, mas não os perigos», conclui.

Também atua no rejuvenescimento da pele?

«O jejum atua no rejuvenescimento de forma geral. No entanto, a pele é um órgão muito particular, com exposições a poluentes ambientais e menor circulação sanguínea do que os outros órgãos. Será sempre necessária intervenção complementar com ácido hialurónico, vitamina C, E e A, antioxidantes e silício» para surtir efeitos, explica Luís Romariz.

Teresa Branco, fisiologista na gestão do peso, não é apologista deste método para perder peso. «A maior parte dos trabalhos científicos não demonstra uma perda de peso sustentada. A perda de peso é muito baseada em água, que é rapidamente reposta, levando à recuperação do peso perdido»

Será uma boa estratégia para emagrecer?

«O jejum proporciona uma grande restrição calórica que, consequentemente, leva à perda de peso, pois o corpo necessita de calorias e transforma as reservas energéticas do corpo (gordura e músculo) em calorias para serem utilizadas», refere Teresa Branco, fisiologista na gestão do peso. No entanto, a especialista não é apologista deste método para perder peso, pois «não existe evidência científica suficiente que garanta o seu sucesso na gestão do peso. A maior parte dos trabalhos científicos não demonstra uma perda de peso sustentada. A perda de peso é muito baseada em água, que é rapidamente reposta, levando à recuperação do peso perdido. Além disso, o período de jejum leva a alterações do metabolismo que são muito difíceis de controlar. O organismo desenvolve uma série de mecanismos de defesa, levando a que, assim que voltamos aos nossos hábitos, o corpo comece a utilizar a energia que os alimentos nos fornecem, não recorrendo às reservas de gordura corporal, e existe até a tendência para uma maior acumulação dessa energia».

Quer levar o seu plano alimentar até ao fim? Faça isto

«O ser perseverante, paciente, flexível e estar disposto a mudar de hábitos, é a chave do sucesso para cumprir o seu plano alimentar», refere Regina Borges, psicóloga clínica.

  • Aprecie as refeições Faça pratos atrativos e coloridos e faça pausas enquanto come, de forma a saborear a refeição. As papilas gustativas podem levar algum tempo a adaptar-se a novos sabores e, por isso, é importante não desistir à primeira.
  • Tenha objetivos realistas Querer perder, por exemplo, oito quilos numa semana não é saudável nem realista, pois há uma maior probabilidade de se desmotivar e abandonar o plano alimentar.
  • Faça uma check-list Vá definindo objetivos a curto prazo para aumentar a sua motivação. Estabeleça um sistema de recompensas para que sempre que atingir um objetivo, possa “ganhar” algo, como uma massagem ou um passeio, desde que essa recompensa não seja um alimento que lhe cause compulsão.

Estratégias para lidar com a fome

Regina Borges, psicóloga clínica, especialista em gestão do peso, aponta estratégias:

  • Mantenha-se ocupado «É importante que distraia a sua mente e se mantenha focada noutro aspeto que não a comida ou a fome em si. Ao estar ocupada a fazer algo de que gosta, acaba por atenuar o sentimento de fome. Saia de casa e opte por fazer uma pequena caminhada.»
  • Beba mais água «Ao não ingerir água suficiente, está a enviar sinais mistos ao hipotálamo, a região do cérebro que controla tanto a necessidade de água como a de saciedade, o que pode levá-la a confundir a sensação de fome com a de sede.»

Entre jejuns: evite estes alimentos

«Nos dias em que não se está em jejum, há que ter um grande controlo das calorias ingeridas. Os alimentos muito calóricos e com muito açúcar são de evitar, uma vez que levam a repor mais rapidamente a massa gorda perdida», explica Teresa Branco, fisiologista na gestão do peso.

  • Sumos de fruta naturais
  • Alimentos de charcutaria
  • Bolos, bolachas
  • Pão branco
  • Refrigerantes

Abrande o ritmo durante o jejum

Associada a restrições alimentares está sempre a perda de massa muscular, a qual pode ser combatida através do exercício físico. No entanto, Teresa Branco aconselha prudência no caso de haver um período de jejum: «O organismo não tem energia suficiente para a realização de atividade física. Se adicionar um suplemento proteico a esta estratégia alimentar, talvez seja possível comprometer menos a massa muscular. A fazer alguma atividade, opte pelo exercício físico de intensidade moderada, pois este tipo de restrição calórica não é compatível com o exercício físico de alta intensidade».

Ciclo menstrual: naquela altura do mês, não

«Possivelmente, em momentos que antecedem o período menstrual ou mesmo durante a menstruação, é mais difícil permanecer longos períodos em jejum, uma vez que existe maior probabilidade de a regulação do açúcar no sangue estar alterada», explica Teresa Branco, fisiologista na gestão do peso.

Última revisão: Abril 2017

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