O sucesso desta dieta não começa na perda de peso. Desenvolvida nos anos 1920, a dieta cetogénica tem vindo, desde essa altura, a ser usada pela medicina, como terapêutica alternativa para travar as convulsões em crianças com epilepsia resistente a medicamentos. Cerca de metade das crianças que a seguem tem um grande decréscimo nos episódios epiléticos e uma em sete deixa de os ter por completo, lê-se no site WebMD.
A sua eficácia na perda de peso foi descoberta mais recentemente, em 2012, através de um estudo conduzido por Gianfranco Cappello, professor de Cirurgia, da Sapienza Università di Roma. Após 19 mil voluntários terem sido submetidos a uma dieta cetogénica líquida, alimentados através de uma sonda pelo nariz, verificou-se uma perda média de nove quilos por participante, tendo a maioria conseguido manter essa perda durante, pelo menos, um ano.
«Hoje, várias versões desta dieta (com comida verdadeira) são descritas em livros, blogues e publicações no Facebook», conta o U.S. News & World Report, que no seu ranking anual, Best Diets U.S. News, após analisar a eficácia e segurança de 40 dietas, colocou a Keto Diet – a dieta baseada nos princípios da dieta cetogénica – em 39.º lugar. Teresa Branco, fisiologista na gestão do peso, esclarece os prós e contras de adotar esta dieta hiperproteica e todos os cuidados que deve seguir se quiser mesmo pô-la em prática.
Como funciona a dieta cetogénica?
Trata-se de uma dieta hiperproteica à base de alimentos ricos em proteína e gordura (saturada e insaturada), mas a sua principal particularidade é a restrição severa dos hidratos de carbono, que induz um processo químico chamado cetose, que permite perder peso mais rapidamente. Ao deixarmos de consumir hidratos de carbono, há uma redução drástica dos níveis de insulina no sangue, o que faz com que o organismo comece a produzir corpos cetónicos para suprir as suas necessidades energéticas. Para produzir estes corpos cetónicos, o organismo utiliza a gordura corporal, levando à perda de peso.
Como é composto um dia alimentar?
Numa dieta tradicional, cerca de 50 a 60 por cento da alimentação diária é composta por hidratos de carbono; na dieta cetogénica, a percentagem de hidratos de carbono é apenas de cinco a dez por cento, o que representa cerca de 20 a 40 gramas diários numa dieta com 2000 calorias. As refeições são maioritariamente compostas por fontes de proteína e gordura, como carne, peixe, ovos, bacon, queijo e enchidos. As fontes de proteína devem representar 25 por cento e as fontes de gordura 65 a 70 por cento.
Após analisar a eficácia e segurança de 40 dietas, o U.S. News & World Report colocou a Keto Diet – a dieta baseada nos princípios da dieta cetogénica – em 39.º lugar
Quais são os alimentos proibidos?
Alimentos como pão, fruta, iogurtes, batata, arroz, massa, feijão ou grão e doces; além dos vegetais coloridos, como a abóbora e a cenoura, que têm, usualmente, uma quantidade de hidratos de carbono mais elevada. Em alternativa, podem consumir vegetais com uma percentagem muito baixa de hidratos de carbono, como os vegetais de folha verde (couve-portuguesa, espinafres, agrião, alface, rúcula, brócolos e couve-flor).
Que fontes de gordura devemos escolher?
Não há qualquer restrição relativamente ao tipo de gordura. Mesmo a gordura “menos saudável” ‒ a gordura saturada ‒ pode ser consumida nas quantidades desejadas. Esta não é uma dieta balizada pelo número de calorias mas, sim, pelo tipo de calorias, que devem ser ricas em gordura e proteína.
Que tipo de alimentos podemos incluir nos lanches?
Por ser uma dieta muito restritiva, as pessoas acabam por estar sempre a comer os mesmos alimentos. Os lanches incluem, geralmente, fiambre, queijo, bacon, ovos e atum. Eventualmente, podem incluir um iogurte que inclui cerca de cinco gramas de hidratos de carbono.
«Por ser muito rica em proteína, pode levar a uma sobrecarga renal»
Esta dieta é composta por diferentes fases?
A dieta inicia-se com uma redução drástica dos hidratos de carbono (20 gramas) e a sua continuidade depende de vários fatores, nomeadamente da adaptação de cada organismo e do peso que se pretende perder. Há pessoas que conseguem manter esta restrição durante várias semanas e até vários meses. Noutros casos, as pessoas só conseguem manter esta baixa percentagem de hidratos de carbono durante três ou quatro semanas.
O que diferencia esta dieta das outras que também reduzem os hidratos de carbono?
Se reduzirmos os hidratos de carbono para 60 gramas, já estamos a fazer uma dieta hiperproteíca, mas não estamos a fazer uma dieta cetogénica. Esta requer um corte ainda maior na quantidade de hidratos de carbono e o organismo só consegue entrar em processo de cetose se houver esta restrição severa.
10% da dieta cetogénica é composta por hidratos de carbono. Numa dieta tradicional, os hidratos de carbono ocupam 50 a 60 por cento do dia alimentar
Quais são os principais riscos da dieta cetogénica?
Em primeiro lugar, esta é uma dieta muito difícil de seguir a longo prazo, por exigir uma grande restrição dos hidratos de carbono. Por outro lado, por ser muito rica em proteína, pode levar a uma sobrecarga renal. A restrição alimentar exigida e que abrange todas as fontes de hidratos de carbono, nomeadamente a fruta, os cereais, os iogurtes e alguns vegetais, provoca um desequilíbrio hídrico e pode causar défices de vitaminas e minerais que podem gerar alterações na função tiroideia. Embora as pessoas nunca adotem esta dieta durante muito tempo, basta manter a dieta durante seis meses para desencadear todas estas alterações.
Durante quanto tempo podemos manter a dieta cetogénica de uma forma segura?
Varia muito de pessoa para pessoa. As pessoas podem iniciar o processo de cetose em tempos diferentes e cada organismo reage de forma diferente. Por isso, é essencial que a dieta seja monitorizada por um especialista e a sua continuidade – que eu não defendo – depende da resposta fisiológica de cada organismo.
Quais são as vantagens da dieta cetogénica?
Não lhe reconheço muitos benefícios. Apesar de ser uma dieta que promove uma grande perda de peso a curto prazo, é muito difícil mantê-la por muito tempo. A maioria das pessoas abandona a dieta e volta a recuperar o peso perdido. Há investigações que demonstram que há uma série de benefícios relacionados com fatores de risco metabólico, reduzindo a probabilidade de síndrome metabólica e diminuindo consideravelmente os níveis de triglicéridos, de insulina e colesterol. Ainda assim, estes benefícios são relativos, uma vez que não é possível seguir esta dieta para o resto da vida.
Em que casos a dieta cetogénica está contraindicada?
Esta dieta é contraindicada a qualquer pessoa que pense segui-la sem acompanhamento; pessoas que têm tendência para a perda de massa muscular ou que pretendem aumentar a massa muscular; diabéticos; pessoas com níveis elevados de ácido úrico; com problemas articulares e/ou com tendência para alterações do comportamento alimentar. Estas dietas podem espoletar ainda mais as perturbações do comportamento alimentar.
«A partir do momento, em que são reintroduzidos os alimentos proibidos pela dieta, há uma forte probabilidade de aumentar de peso. Há mesmo estudos que mostram a tendência para o ganho de peso»
Quem pode beneficiar desta dieta?
As pessoas que querem perder peso rapidamente e as pessoas que já sabem, à partida, que têm um bom autocontrolo sobre o seu peso e o tipo de alimentação que fazem. Também há alguns estudos que evidenciam que esta abordagem pode ser benéfica no controlo da epilepsia. Outros estudos referem que este tipo de dieta pode prolongar a esperança média de vida. No entanto, são necessárias mais comprovações científicas para fazermos estas afirmações. O maior benefício é a perda rápida de peso que pode ser interessante, por exemplo, em pessoas que precisam de perder peso rapidamente para se manterem motivadas.
Em quanto tempo se veem resultados?
Os estudos dizem que os primeiros resultados são visíveis ao fim de dois a quatro dias. No entanto, a perda de peso que se verifica nesta fase inicial da dieta está relacionada, muitas vezes, com a perda de água e não com a perda de gordura corporal. Se a dieta for mantida, é óbvio que as pessoas começam a queimar gordura e aí poderá haver uma perda de peso sustentada, mas dependerá da capacidade de cada um para cumprir a dieta com rigor.
Os resultados são duradouros?
Usualmente, não. A partir do momento, em que são reintroduzidos os alimentos proibidos pela dieta, há uma forte probabilidade de aumentar de peso. Há mesmo estudos que mostram a tendência para o ganho de peso.
Dieta cetogénica: esteja atento a estes sinais
A dieta cetogénica pode desencadear alguns efeitos secundários que deve controlar com o nutricionista, recomenda Teresa Branco, fisiologista na gestão do peso.
- Tonturas
- Tremores
- Suores frios
- Hipoglicemias
- Cansaço
- Irritabilidade
- Falta de concentração
- Dificuldade em adormecer
- Diminuição do apetite
{ Cuidados essenciais }
Quer mesmo fazer esta dieta?
Teresa Branco, fisiologista na gestão do peso, partilha com a Revista Prevenir seis cuidados que tem (mesmo) de seguir.
- Faça esta dieta com a monitorização de um especialista para tentar perceber durante quanto tempo pode prolongar a dieta.
- Beba muita água, cerca de 1,5 l a 2 l de água por dia. A ingestão de água é fundamental para compensar o desequilíbrio hídrico provocado por esta dieta.
- Tome bicabornato de sódio todos os dias em jejum para alcalinizar o organismo. Todas as dietas muito ricas em proteína tornam o organismo mais ácido e um organismo mais ácido envelhece muito depressa.
- Prefira peixes gordos como o salmão, o atum e a sardinha, ovos e abacate. São excelentes fontes de proteína e gordura saudável.
- Coma mais vezes e alimentos mais saciantes, como frutos secos, queijos gordos, abacate, ovos.
- Aumente ligeiramente a quantidade de hidratos de carbono (para 40 gramas, por exemplo), se sentir défices de energia. Halitose (mau hálito) e urina muito concentrada são outros sinais que mostram que o organismo está a produzir corpos cetónicos em excesso.