Por que é que o excesso de açúcar envelhece?

Conheça que doenças podem ser originadas devido ao excesso de açúcar no organismo

Precisamos de doses equilibradas deste nutriente para funcionar. Mas quando há excesso de açúcar, ele não se limita a engordar-nos: envelhece-nos mais depressa e afeta o desempenho do nosso cérebro. Os nossos especialistas explicam porquê.

  • PorCatarina Caldeira BaguinhoJornalista

  • ColaboraçãoDr. Albino Oliveira-MaiaNeurocientista
  • Dr. Luís RomarizAssistente graduado em Medicina Geral e Familiar e formado em Age Management Medicine pelo Cenegenics Medical Institute de Las Vegas
  • Dra. Daniela SeabraNutricionista

Um sabor doce, agradável ao paladar. Assim descrevemos aquilo que sentimos quando provamos um alimento que contenha açúcar. Um sabor familiar desde muito cedo, por estar também presente no leite materno. Como se explica no livro Açúcar, o Pior Inimigo (Vogais), quando o açúcar entra no nosso organismo, «os hidratos de carbono simples são rapidamente transformados em glicose (que passa diretamente dos intestinos para a corrente sanguínea, para serem usados sob a forma de energia rápida) e frutose». Esta, «para ser usada, em especial a nível do fígado, deve ser convertida em glicose, sendo que o excesso se transforma em gordura», descreve Daniela Seabra, nutricionista na Clínica Cristina Sales – Medicina Funcional Integrativa.

O nosso organismo precisa deste nutriente para produzir energia. O cérebro, por exemplo, é quase dependente de um fornecimento constante de glicose a partir da corrente sanguínea. Mas quando há excesso de açúcar, todo o organismo fica a perder.

As fontes de inflamação

Numa dieta dominada por alimentos processados, compostos maioritariamente por farinhas e açúcar refinados, o «corpo é sujeito a uma montanha-russa de glicose. Uma vez que as fibras foram retiradas destes produtos, o açúcar inerente a todos os hidratos de carbono entra literalmente à pressa na corrente sanguínea. Quando o nível de açúcar no sangue atinge o seu pico, a maior parte do excesso é transportado para ser armazenado sob a forma de gordura abdominal.

«Apenas 340 ml de refrigerante tem cerca de 150 calorias e 40 gramas de hidratos de carbono. A mesma quantidade de hidratos de carbono presente em dez colheres de chá de açúcar»

Enquanto isso acontece, o excesso de glicose circula pelo corpo, ligando-se às proteínas (glicação) e acumulando sorbitol nas células, fazendo com que estas inchem e comprimam os nervos», lê-se no livro Açúcar, o Pior Inimigo. Ou seja, os nervos ficam inflamados. Segundo Daniela Seabra, «é a chamada inflamação de baixo grau. Cada vez que o organismo inicia um processo inflamatório, há libertação dos chamados mediadores. Trata-se de moléculas que têm a função de ativar o sistema imunitário. São como bombeiros que andam de um lado para o outro. Se eu vir passar uma ambulância, fico em alerta. O mesmo acontece com o organismo. Se há uma inflamação, os mediadores pró-inflamatórios são libertados e atuam sobre as células que têm recetores capazes de os “ouvir”, como as imunitárias. As restantes, ao detetarem uma situação de alerta, não vão funcionar tão bem».

O excesso de açúcar causa diabetes?

«A resposta a esta pergunta não é assim tão simples», revela a American Diabetes Association (ADA). Como esclarece este organismo, existem dois tipos de diabetes. «A tipo 1 é causada por fatores genéticos e outros ainda desconhecidos que acionam o aparecimento da doença. Já a diabetes tipo 2 é causada por fatores genéticos e pelo estilo de vida», sedentário e hipercalórico, que favorece a acumulação de quilos a mais. A relação entre o açúcar e esta doença é indireta e ocorre por via dos quilos a mais. «Ter excesso de peso aumenta o risco de se vir a desenvolver diabetes tipo 2, e uma dieta rica em calorias, a partir de qualquer fonte [açúcar ou gordura, por exemplo], contribui para o aumento de peso», explica a ADA. Além desta relação, refere a mesma fonte, existem «estudos que relacionam a ingestão de bebidas açucaradas à diabetes tipo 2».

Este organismo recomenda, por isso, como estratégia de prevenção desta doença, que se evite o consumo de bebidas doces. Entre elas, estão as energéticas, desportivas, bebidas de chá, entre outras, que «aumentam os níveis de açúcar no sangue e oferecem centenas de calorias numa só dose. Apenas 340 ml de refrigerante tem cerca de 150 calorias e 40 gramas de hidratos de carbono. A mesma quantidade de hidratos de carbono presente em dez colheres de chá de açúcar!». Este estimula o cérebro a libertar químicos do bem-estar: dopamina, serotonina e endorfinas. Por sua vez, tal faz com que se sinta mais vontade de ingerir mais açúcar, de modo a produzir maior quantidade destes químicos.

A relação do açúcar com a doença de Alzheimer

Existem estudos que associam uma alimentação com excesso de açúcar a uma performance cognitiva menos eficaz. Tal levanta a possibilidade de haver uma associação entre este nutriente e o aparecimento de demências, como a doença de Alzheimer. «Sabemos que a ingestão de açúcar está associada à obesidade, diabetes e hipertensão. Por sua vez, estas estão relacionadas com diferentes tipos de condições cognitivas e síndromes demenciais.

O açúcar pode, assim, ter um efeito indireto na doença de Alzheimer», explica Albino Oliveira-Maia, neurocientista responsável pela Unidade de Neuropsiquiatria do Centro Clínico Champalimaud. Estudos realizados em animais sujeitos a uma dieta com excesso de açúcar «verificaram uma performance cognitiva mais pobre, aquando da realização de testes que tinham como objetivo perceber a capacidade das cobaias em “resolver ” problemas. Esse dado é sugestivo da possibilidade de existir uma relação mais direta, ou de algum tipo de toxicidade, entre o consumo de determinado tipo de açúcares e a função cognitiva e neuronal», acrescenta.

A ligação entre excesso de açúcar, diabetes e cancro

Suzanne DeLaMonte, investigadora neuropatologista da Alpert Medical School da Universidade de Brown, defende que, «em muitos aspetos, a doença de Alzheimer é uma forma neurológica de diabetes. Mesmo em estágios iniciais, a capacidade do cérebro para metabolizar o açúcar está reduzida».


No caso da diabetes tipo 2, «os elevados níveis de insulina podem danificar os pequenos vasos do cérebro e, eventualmente, favorecer uma má circulação sanguínea no cérebro. Isto explica, em parte, porque razão este tipo de diabetes danifica este órgão», escreve num artigo divulgado no site Doctor Oz. Nele, revela também que os diabéticos têm, pelo menos, o dobro da probabilidade de vir a sofrer de Alzheimer. A diabetes tipo 2 é também fator de risco para o aparecimento de cancro, afirmam os autores do livro Açúcar, o Pior Inimigo. Nos diabéticos, «o risco de vir a desenvolver cancro do fígado, do pâncreas e endométrio é duas vezes mais elevado». Já o «risco de cancro do colón, da mama e da bexiga é cerca de 1,2 a 1,5 vezes» superior.

Tal como as células normais, as células cancerígenas têm recetores de insulina, mas como crescem muito rapidamente e de forma descontrolada, têm «muito mais apetência por glicose», explica a nutricionista Daniela Seabra. Assim, «quando o nível do açúcar no sangue é elevado e há muita insulina a circular, as células do cancro recebem exatamente aquilo de que precisam para crescerem e se disseminarem», lê-se no livro.

O açúcar envelhece-nos?

Ao ingerirmos mais açúcar do que aquele que o nosso organismo necessita e vai gastar, estamos a envelhecer de forma precoce. Luís Romariz, médico com formação em Age Management Medicine pelo Cenegenics Medical Institute de Las Vegas, explica à Revista Prevenir o processo (glicação): o açúcar, sob a forma de glicose ou frutose, «mantém-se nas células e carameliza, juntamente com as proteínas do nosso organismo, como a elastina, o colagénio e a hemoglobina. O colagénio e a elastina estão presentes na pele, nas artérias, nos músculos… Ou seja, todo o nosso corpo vai caramelizando, perdendo elasticidade e resistência. Envelhecendo, portanto».

Ao ingerirmos mais açúcar do que aquele que o nosso organismo necessita e vai gastar, estamos a envelhecer de forma precoce

Também a produção da hormona do crescimento fica comprometida e até os ossos não escapam ao impacto do excesso de açúcar. «Como a sua matriz proteica é caramelizada, o osso vai perder estrutura, elasticidade e a capacidade de absorver choques. Ou seja, fica menos forte e mais suscetível a fratura», acrescenta Luís Romariz. O coração também sofre quando há excesso de açúcar. «Ao afetar o colagénio, que também está presente nas artérias, a glicação pode conduzir à aterosclerose, abrindo portas ao enfarte do miocárdio e ao AVC», adianta.

Última revisão: Setembro 2015

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