Seja para emagrecer ou ficar mais saudável, está em voga eliminar esta proteína da dieta. Mas será que devemos todos optar por produtos sem glúten?

  • PorManuela VasconcelosJornalista

  • ColaboraçãoDr. Ricardo FreireMédico gastrenterologista
  • Dra. Patrícia Almeida NunesNutricionista

Perder peso, ganhar saúde ou energia. São inúmeras as razões que levam cada vez mais pessoas a optar por fazer uma alimentação sem glúten. Nos Estados Unidos da América, estima-se que 29 por cento da população evita consumir alimentos que fornecem esta proteína. Talvez, em parte, inspirados em celebridades como a atriz Gwyneth Paltrow que segue este estilo de vida. Presente nos principais cereais que consumimos, como o trigo, o glúten é uma proteína que provoca inflamação intestinal em doentes celíacos. Mas poderá também afetar a saúde de quem não tem esta doença? Se quer saber a resposta e/ou pensa aderir a esta tendência, leia antes este artigo. Nem tudo o que parece é. A Revista Prevenir explica.

Trigo inimigo

Segundo Ricardo Freire, médico gastrenterologista e secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia, «o glúten não faz mal. Aliás, é a base da alimentação humana há milhares de anos. Não é prejudicial a não ser no caso de quem tem doença celíaca ou uma sensibilidade ao glúten não celíaca».

A restrição de glúten só se justifica se houver doença celíaca ou sensibilidade ao glúten não celíaca

O especialista desmistifica também a ideia de que o consumo de glúten provoca doença celíaca. «A pessoa tem predisposição genética e a ingestão de glúten gera sintomas. Não há um agravamento da doença, apenas o aparecimento das manifestações da doença.»

Sinais de alarme

Muitas pessoas associam a opção de eliminar alimentos ricos em glúten a uma dieta mais equilibrada. Outras referem benefícios no alívio de problemas de trânsito intestinal, distensão ou dor abdominal ou até fadiga. Sintomas como estes podem estar na origem da sensibilidade ao glúten não celíaca, uma condição identificada recentemente e que ainda intriga a comunidade médica. Por um lado, assemelha-se à doença celíaca, por outro, não provoca danos específicos. «Podem surgir enfartamentos, distensão abdominal, diarreia, alterações no trânsito intestinal e intolerâncias altas (dispepsia), mas não outros sintomas associados à doença celíaca e mais mensuráveis, como a anemia», compara o especialista.


«Sou sensível ao glúten?»

O diagnóstico não é fácil, diz Ricardo Freire, pois «não existem marcadores identificados. Enquanto na doença celíaca a pessoa faz a serologia (análises) e uma biópsia para confirmar diagnóstico, esta requer um diagnóstico de exclusão. Primeiro, é preciso excluir que haja doença celíaca. A partir daí, faz-se uma prova terapêutica, ou seja, elimina-se o glúten. E, de facto, às vezes há uma melhoria». Com estimativas de incidência superiores à da doença celíaca noutros países, a sensibilidade ao glúten não celíaca é também associada à síndrome do intestino irritável, cujos sintomas e deteção são semelhantes. Trata-se de doenças funcionais, explica Ricardo Freire, ou seja, «um grande grupo de patologias com sintomas, mas que não provoca alterações visíveis, histológicas, dificultando o diagnóstico».

Sem glúten, menos peso?

Se pretende perder peso com a eliminação de fontes de glúten, saiba que,«à partida, não existem vantagens», alerta Patrícia Almeida Nunes, dietista e coordenadora do Serviço de Dietética e Nutrição do Hospital de Santa Maria. «Hoje em dia, há muitas alternativas de alimentos sem glúten (como bolos, bolachas, pizzas ou croissants), mas que mantêm (ou até superam) o valor calórico. A massa e os cereais de pequeno-almoço sem glúten têm valores calóricos semelhantes. Logo, regra geral, escolher este tipo de alimento não significa que tenha menos calorias e nem que se vai traduzir em redução de peso». Além disso, eliminar o glúten ou recorrer a alternativas pode gerar défices nutricionais, sobretudo em crianças.

«Uma alimentação pouco variada pode causar falhas nutricionais e requer o acompanhamento por profissionais de saúde. Existe o risco de diminuir o aporte de vitaminas do complexo B e fibra, ou ainda de aumentar o consumo de gorduras saturadas e trans. Alguns estudos apontam para o risco de aumento de peso em doentes celíacos com uma dieta sem glúten. O aconselhamento nutricional dependerá das alterações detetadas e da sintomatologia clínica. Por vezes, é necessário aumentar o aporte de alimentos ricos em fibra e vitaminas, como a fruta».

Como agir

Por mais inofensiva que uma dieta sem glúten possa parecer, não deve tomar a decisão de ânimo leve. Na opinião de Ricardo Freire, a restrição de glúten só se justifica se houver doença celíaca ou sensibilidade ao glúten não celíaca. Em qualquer dos casos, não deve ser iniciada de modo próprio, porque podemos estar perante outra doença que deve ser avaliada. «A razão pela qual não deve eliminar o glúten antes de ir ao médico é simples: é a sua ingestão que ajuda a revelar alterações biológicas nas análises e exames, logo a confirmar o diagnóstico de doença celíaca ou a orientar a avaliação para outras patologias. Comece por registar os eventuais sintomas e, em caso de suspeita, consulte o médico de família ou diretamente um gastrenterologista», diz Ricardo Freire à Revista Prevenir.

«Há muitas alternativas de alimentos sem glúten (…), mas que mantêm (ou até superam) o valor calórico»

Ao iniciar uma dieta sem glúten, Patrícia Almeida Nunes aconselha «ser-se acompanhado por um especialista na área da alimentação (dietista/nutricionista). Na escolha dos alimentos, é fundamental comparar os rótulos: se o alimento sem glúten tiver menos calorias à custa de um menor teor de açúcar e gorduras saturadas e trans, então poderá ser vantajoso».

Onde está o glúten?

  • Cereais com glúten
    Trigo, cevada, centeio, aveia e todos os seus derivados.
  • Alimentos que o podem conter
    Bulgur, cuscuz, farinha de espelta, massas, pão, bolos/bolachas, cereais de pequeno-almoço, cerveja, molhos para saladas, snacks e pratos pré-confecionados (salgados, batatas fritas, leites aromatizados, alguns queijos, aditivos do grupo E-14).
  • Outras fontes
    Em alguns alimentos, bebidas e medicamentos, como ingrediente na sua composição ou por contaminação cruzada, durante o processo de fabrico. Confira o rótulo.

Onde não está?

  • Arroz, milho, sorgo, soja, quinoa, millet
  • Leguminosas, sementes, frutos secos
  • Ovos, carne, peixe fresco, a maioria dos lacticínios, fruta e vegetais

 


Qual é o seu caso?

Ter sensibilidade ao glúten não significa que seja celíaco. Ricardo Freira, médico gastrenterologista, clarifica o significado de cada reação:

  • Sensível
    A sensibilidade ao glúten não celíaca provoca mal-estar, enfartamento, alterações do trânsito intestinal (diarreia e/ou obstipação), sem danos físicos, como a inflamação intestinal.
  •  Celíaco
    Portador de doença genética que se manifesta com a ingestão de glúten. Além das alterações do trânsito intestinal, distensão/dor abdominal, pode gerar anemia e perda de peso. É facilmente diagnosticada por análises ao sangue e endoscopia.
  • Alérgico
    Tal como outra alergia alimentar, implica reações adversas ao contacto com o glúten, desde urticária a dificuldades respiratórias. A alergia ao trigo é rara.
  • Intolerante
    Termo abrangente que pode englobar qualquer das situações acima descritas.
Última revisão: Junho 2014

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